E não é que o recém-intitulado "Pai da Reconciliação", se desmarcou do Congresso Nacional da Reconciliação? Que surpresa! Quem diria que o campeão da união nacional arranjaria "outras agendas" justo no momento em que a História ameaçava ser reescrita? Estava eu, confesso, com a alma em suspenso, ansiosa por testemunhar o milagre. O país inteiro pronto para ver João Lourenço e Adalberto Costa Júnior num aperto de mão tão caloroso que faria derreter o gelo das desconfianças acumuladas em décadas. Imagino a cena: lágrimas de crocodilo, sorrisos forçados e a promessa solene de que, a partir daquele congresso, passaríamos a olhar-nos como... bem, PELO MENOS, como irmãos que moram em casas separadas, mas que se cumprimentam com a cabeça quando se cruzam. Afinal, a Reconciliação em Angola não é um processo, é um evento.

 E como todo bom evento, precisa dos seus protagonistas no tapete vermelho. Mas eis que o nosso Presidente, no auge da sua coerência inabalável, decidiu que o encontro para "curar as feridas" da Nação era menos urgente do que outra coisa qualquer. A CEAST, coitada, organizou tudo com a melhor das intenções, tipo aquela tia que insiste num almoço de Natal em que toda a família sabe que o primo rico não vai aparecer. Queria sentar à mesma mesa o Governo, a Oposição, a Sociedade Civil e, claro, o Espírito Santo, para uma sessão de exorcismo nacional das consciências. Mas, já se sabe, certas exorcizações só funcionam se o exorcizado quiser que o diabo saia do seu corpo... O recado é claro: a reconciliação é importantíssima, é a base, o alicerce, o pão nosso de cada dia... mas só acontece quando o poder decide que é hora. Até lá, as "outras agendas" prevalecem. Talvez se o evento fosse a milhas daqui o “Viajador Implacável” tivesse todo o gosto em fazer-se presente. A julgar pela sua intima relação com o avião. Portanto, caros concidadãos, guardem os lenços e as esperanças. O grande abraço da Nação foi adiado por tempo indeterminado. Voltamos à programação normal: a desconfiança diária e a eterna espera pelo próximo evento que prometa mudar tudo para que, no fim, nada mude. Enquanto isso o país, concentra-se no que realmente importa: "El Gran Dia"! O dia em que a Seleção de Angola defrontará a Argentina. E já se vê a mágica a acontecer! O Estádio 11 de Novembro, que andava mais esquecido que promessa eleitoral, subitamente ressuscita. Há um "esfrega-esfrega" que poria inveja à mais competente das domésticas. As estradas adjacentes, que pareciam ter sido bombardeadas para treino de condução em cenário de guerra, estão a receber o beijo do cimento. Os buracos, nossos companheiros diários de viagem, estão a ser tapados a um ritmo frenético. O que a pressão social, a necessidade e os planos quinquenais não conseguiram, um jogo de futebol resolve em poucas semanas. E a fome? Bem meus caros, no dia do jogo, a fome vai acabar. Não porque teremos pão para todos, mas porque teremos pão e circo em doses industriais. Mas nem tudo está mal… Continuamos a ganhar prémios… lá fora… Nesta senda, Angola foi distinguida com o prémio de “Melhor Destino de Investimento Turístico 2025”! A distinção, pasmem-se, resulta do "compromisso do Executivo com a diversificação económica, a valorização do turismo e a melhoria no ambiente de negócios". Ora, aqui jaz a questão fundamental, a pergunta que não quer calar, o dilema que nos faz coçar a cabeça: onde melhorou? Nós mbora não estamos a ver! Bem, talvez as melhorias existam, mas apenas nos relatórios enviados a Bruxelas. Quanto à "Diversificação Económica" o Executivo é de facto muito comprometido. Comprometido em repetir a palavra "diversificação" até que ela perca o sentido. Melhorou o discurso, melhorou a retórica, mas a vida real continua refém de uma única fonte de riqueza. A verdade é que a "melhoria" para a qual fomos premiados é a melhoria na capacidade de convencer o Ocidente de que o país deu uma volta de 180 graus. E, claro, se o Ocidente está convencido, o trabalho está feito. A nossa verdadeira "exportação" não é o petróleo ou o diamante, é a esperança maquiada. Exportamos relatórios de reformas e importamos prémios de fachada. Isto leva-nos à pergunta mais pertinente, a questão que atormenta o sono de qualquer angolano: E nós, quando vamos sentir os resultados de toda essa premiação?

*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 24 de Outubro de 2025