Suely de Melo

Suely de Melo

Sem-vindos ao Dias Andados, numa semana relativamente calma… não fosse a centésima décima terceira aventura transcontinental do nosso viajante de luxo. Enquanto Luanda fervilhava com a Cimeira EUA-África, com direito a tapete vermelho, discursos protocolares e a promessa de um futuro brilhante – que invariavelmente fica sempre no futuro –, eis que o ‘Capitão da Nação’ decide que há prioridades mais urgentes. E qual seria essa emergência que fez o anfitrião abandonar a própria festa? Nada mais, nada menos, que uma corrida à Bélgica! Não para saborear chocolates, nem para admirar a Grand Place, mas para brandir a espada da autonomia africana no que toca à vacinação. 

Sempre na senda da incansável luta pela democracia e pela justiça, munida de um optimismo que beira à teimosia crónica, os valorosos soldados da oposição embarcaram em mais uma cruzada contra os moinhos de vento institucionais, apresentando dois modestos pedidos ao sempre imparcial Tribunal Constitucional. O primeiro pedido? Algo tão trivial quanto questionar a tomada de posse de um presidente da Comissão Nacional Eleitoral com uma reputação... digamos, "não tão ilibada". Ora, mas desde quando a ficha limpa é um pré-requisito para cargos de tamanha envergadura em Angola? Sinceramente… O segundo ponto de discórdia da Unita foi a composição da Comissão Nacional Eleitoral. A oposição, na sua ingênua percepção, argumenta que a estrutura actual pende descaradamente para o lado do MPLA. Mas que disparate! É pura coincidência que a maioria dos membros pareça ter uma afinidade natural com o partido no poder. Ou talvez seja apenas o universo a conspirar a favor da estabilidade governamental.

Em 2017, seduziu-nos com a tentadora promessa de uma comunicação pública vibrante, uma aproximação à imprensa que se previa anual. Ilusão, meus amigos, puro e simples ‘babete’. 

Cinco meses. Quinhentos e catorze mil e duzentos e oitenta segundos. Ou se preferirem, o tempo suficiente para a cólera ter ceifado mais de setecentas vidas em Angola, transformar lares em velórios e hospitais em cenários de guerra. E o nosso Presidente da República? Bem, parece só ter descoberto agora a tragédia que assola o seu próprio povo. As centenas de mortos, os milhares de infetados, o pânico generalizado… Mas se pensa que estas primeiras declarações foram por iniciativa própria, que foi para deixar uma mensagem de solidariedade a todos os que perderam um ente-querido, ou para acalmar os espíritos ainda que com promessas vazias, engana-se rotundamente. As primeiras palavras sobre esta crise, meus caros, foi numa reunião, de iniciativa da Zâmbia, e claramente não foram dirigidas aos angolanos.


E pronto, mais um 27 de Maio a passar ao lado, ou melhor, a ser "celebrado" com o habitual teatro de sombras que já se tornou a marca registada da nossa tão propalada reconciliação nacional. 48 anos, meus caros, e as perguntas continuam a pairar no ar como moscas varejeiras num dia de calor. Quem, como, porquê? Perguntamos nós. Mas a única resposta que obtemos é o eco das nossas próprias vozes. Aqui há uns anos o Presidente, num rasgo de magnanimidade, veio a público pedir perdão. Foi lindo. Comovente até, se não fosse o facto de, em bom rigor, as acções que se seguiram transformarem esse pedido numa espécie de piada de mau gosto. Posteriormente criou-se a tal CIVICOP, uma comissão que, em vez de lançar luz sobre os recantos obscuros da nossa história, parece ter como principal missão escavar os esqueletos de um certo partido político.