O Cinto do Zé Povinho aperta que dói!

28 Jun. 2025 Suely de Melo Opinião

Sempre na senda da incansável luta pela democracia e pela justiça, munida de um optimismo que beira à teimosia crónica, os valorosos soldados da oposição embarcaram em mais uma cruzada contra os moinhos de vento institucionais, apresentando dois modestos pedidos ao sempre imparcial Tribunal Constitucional. O primeiro pedido? Algo tão trivial quanto questionar a tomada de posse de um presidente da Comissão Nacional Eleitoral com uma reputação... digamos, "não tão ilibada". Ora, mas desde quando a ficha limpa é um pré-requisito para cargos de tamanha envergadura em Angola? Sinceramente… O segundo ponto de discórdia da Unita foi a composição da Comissão Nacional Eleitoral. A oposição, na sua ingênua percepção, argumenta que a estrutura actual pende descaradamente para o lado do MPLA. Mas que disparate! É pura coincidência que a maioria dos membros pareça ter uma afinidade natural com o partido no poder. Ou talvez seja apenas o universo a conspirar a favor da estabilidade governamental.

O Cinto do Zé Povinho aperta que dói!
Mário Mujetes

 E a decisão do TC? Ah, essa sim, foi uma surpresa que ninguém esperava! Os pedidos da Unita foram, claro, chumbados. Mas quem poderia ter previsto tal desfecho? Especialmente quando o nosso querido Presidente da República tem o hábito tão republicano de receber, de tempos em tempos, os presidentes dos tribunais superiores. Para que seria, afinal, senão para um chá e uma conversa amigável sobre o clima? Certamente não para "dar ordens sobre como proceder". Isso seria absurdo! A autonomia dos poderes é algo sagrado, na banda. Tudo isto na semana em que o Tribunal Constitucional completou a sua gloriosa existência de 17 anos! E a sua presidente, com um sorriso certamente radiante, garantiu que a instituição está "em alta". Em altíssima, diria eu! Tão alta que mal consegue ver as contestações da oposição lá de baixo. É uma visão privilegiada, sem dúvida. Portanto, um brinde aos 17 anos de independência, imparcialidade e previsibilidade do nosso Tribunal Constitucional! Que continue a lutar incansavelmente pela justiça, sempre com um olho atento na estabilidade do status quo. E à Unita, o nosso sincero desejo de que nunca perca essa adorável ingenuidade. Afinal, a comédia da vida política angolana não seria a mesma sem ela.

Enquanto isso, a doce e familiar melodia do “apertar o cinto” continuar a soar nos ouvidos do distinto Zé Povinho. Enquanto os tambores governamentais rufam promessas de contenção de despesas, de viagens canceladas e luxos reduzidos, a realidade, como sempre, tem um senso de humor peculiar. A cada anúncio de corte, de austeridade, de "vamos economizar", um calafrio percorre a espinha do cidadão comum, mas não por medo, e sim por uma certeza quase matemática: a tesoura nunca, jamais, em tempo algum, tocará naquilo que realmente faria diferença lá no topo. Não, ela está sempre afiada, pronta para cortar, mas apenas e somente onde o Zé Povinho sente na pele. E a mais recente pérola desta gestão "austera" é simplesmente de chorar. Ou rir, para não chorar. A subvenção às viagens para Cabinda foi-nos retirada. Para Cabinda! Aquela província que, por um capricho geográfico (e talvez político, quem sabe?), é uma ilha em terra firme, inacessível por via terrestre a partir do resto do país. É genial! Ao mesmo tempo que nos pedem para "apertar o cinto", que a essa altura, já está mais furado do que uma peneira, fecham a única porta de acesso digna a uma província inteira. Mas não se preocupem, certamente já estão a ser desenvolvidos estudos aprofundados sobre a viabilidade de uma teletransportação em massa, ou talvez a criação de asas para os cabindenses. Afinal, a criatividade do Governo para encontrar soluções alternativas para o Zé Povinho é ilimitada, desde que não envolvam gastos, claro. Enquanto isso, os aviões governamentais, esses sim, parecem ter um passe livre no céu, sem limites de combustível ou orçamento. É que o cinto deles, ah, esse é de couro finíssimo, e parece que foi feito à medida, com bastante folga. Portanto, Zé Povinho, continue a apertar o cinto. Aperte mais um pouco. E mais. E mais… Até que não haja mais fôlego. Afinal, a economia agradece… a deles, claro. Onde é que este bando predestinado a governar Angola para a eternidade vai mexer a seguir?! Com certeza não tardaremos a saber…


*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 20 de Junho  de 2025