Por recusarem realocações

Governo da Tanzânia veta perto de 100 mil cidadãos da tribo Maasai ao direito de votar

11 Sep. 2024 Valor Económico Mundo

CONFLITOS. Os Maasai queixam-se de estarem a passar por um processo de realocação impositiva. Reivindicam as suas terras e o direito a voto, restringido pelo governo

 

Governo da Tanzânia veta perto de 100 mil cidadãos da tribo Maasai ao direito de votar

Várias organizações não-governamentais internacionais estão a acusar o governo da Tanzânia de forçar o povo Maasai a abandonar o seu ‘habitat’ e de promover “medidas injustas” contra os que resistem à imposição de recolocação, sob pretexto de se criar projectos para que se abra caminhos para o turismo safari na zona em que residem.

A tribo afectada encontra-se situada na zona de Ngorongoro, no norte do país, área que juntamente com o Parque Nacional do Serengeti, forma um dos 144 locais da lista do Património Natural Mundial classificado pela Unesco.

No entanto, esse estatuto não tem travado um conflito com as autoridades que datam de 2021, quando o governo lançou um programa de incentivo à “realocação voluntária” dos Maasai da Área de Conservação de Ngorongoro (ACN), onde vivem há séculos, para Msomera, uma vila localizada a mais de 400 quilómetros, na região de Tanga.

A principal crítica que os membros do povo Maasai fazem ao plano de “realocação voluntária” é o facto de, controversamente, ela não ser voluntária, mas forçada. Queixam-se de terem tido um “tratamento desumano” por parte das forças de segurança, de ausência de informação e de diálogo prévios com os líderes comunitários.

Embora considerada como património mundial por albergar um ecossistema relativamente preservado, uma massiva e diversificada espécie de animais daquela região como rinocerontes, elefantes, leões, leopardos e búfalos, o governo, que tem a responsabilidade da área, tem procurado desenvolver uma oferta turística de alto padrão, preservando a vida selvagem, mas não as pessoas.

A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), em comunicado emitido a 31 de Agosto, afirma ter entrevistado, desde Agosto de 2022, durante mais de um ano, quase 100 pessoas – incluindo moradores da ACN que
 
enfrentavam realocação ou tinham sido já realocados em Msomera e moradores actuais de Msomera, tendo confirmado que o plano governamental “esteve longe de ser voluntário.” A organização concluiu que ao implementar o seu plano, as autoridades usaram tácticas que equivalem implicitamente a despejos forçados, em violação das leis e padrões internacionais de direitos humanos. “Despejos forçados constituem violações graves de uma série de direitos humanos reconhecidos internacionalmente”, alertou a HRW. No entanto, até aqueles que, com medo e forçados pelas condições de vida e restrições de serviços básicos que o Governo impôs na ACN, se deixaram levar para Msomera, foram encontrar uma situação complicada, uma vez que, quem já lá vivia, viu as suas terras serem ocupadas à força, revoltando-se contra os novos ocupantes.

Os maasai iniciaram, a 14 de Agosto, uma impactante manifestação, com bloqueios pacíficos de uma importante rodovia do país, para protestar contra as injustiças de que se consideram vítimas e exigir medidas para as reparar. Nessa manifestação, ficaram a saber que o Governo excluiu do recenseamento eleitoral um conjunto de comunidades num total de mais de 100 mil maasai, o que os vai impossibilitar de votar nas eleições locais marcadas para Novembro deste ano e nas eleições gerais de 2025.

A manifestação persistiu vários dias, ao fim dos quais uma delegação governamental compareceu para dialogar com os manifestantes. Os compromissos assumidos oralmente, a serem levados à prática, poderiam representar um recuo governamental no sentido pretendido pelas comunidades afectadas, segundo a informação veiculada pelo IWGIA- International Work Group for Indigenous Affairs, uma organização global que defende os direitos das comunidades indígenas.

Enquanto isso, os maasai da comunidade de Ngorongoro entraram com uma acção judicial no Tribunal de Justiça da África Oriental (EACJ), na tentativa de forçar o governo da Tanzânia a respeitar o direito do povo à propriedade, o direito à vida e ao sustento e os direitos culturais e espirituais, abandonando o plano de “expulsá-los à força” de sua terra ancestral.

O tribunal rejeitou o processo dos maasai, afirmando que “a decisão da Tanzânia de isolar a terra para protecção da vida selvagem foi legal e que os maasai não conseguiram provar que o despejo ocorreu fora do parque”. Além disso, o tribunal referiu que muitas das evidências de suposta violência e brutalidade eram “boatos ou inconsistentes.”

No entanto, um advogado que representou a comunidade Maasai na decisão provisória, defendeu que os moradores iriam apelar. “Não estamos satisfeitos com a decisão e acreditamos que o tribunal errou ao analisar as evidências que fornecemos.”

A ONG Avaaz, movimento global na web, tem vindo a promover uma petição com uma meta de recolher 500 mil assinaturas online, para que se restaure imediatamente os direitos de voto a todos os maasai. A petição, conta com mais de 400 mil assinaturas.