E agora pergunto eu...
Seja bem-vindo querido leitor a este seu espaço onde perguntar não ofende depois de uma semana marcada por mais um vergonhoso golpe palaciano em nome do que não é senão sede de poder e que vem lembrar, pouco tempo depois do que assistimos na Tanzânia, nos Camarões, e em Moçambique antes disso, o quão frágil é a relação das nações africanas com os valores democráticos, mais concretamente com o respeito pela vontade do povo expressa nas urnas. O distintivo da Guiné-Bissau até agora é a preservação da vida, que esperemos que se mantenha num país famoso pelos seus mais de 20 golpes e tentativas de golpe desde a independência em 1974, mas que tem muito mais para dar do que manchetes sobre intentonas e tráfico de droga como escrevia o jornalista e escritor de mão cheia, Sousa Jamba num belíssimo texto sobre a triste situação da Guiné-Bissau.
O presidente guineense, que não conheço mas com quem partilho o sobrenome graças a um pai que partiu demasiado cedo para concretizar a familiaridade com o país, tem a sorte que outras vítimas de golpe militar não tiveram, como Nino Vieira com quem Sissoco trabalhou e que foi assassinado brutalmente em 2009. Sissoco Embaló está no momento em que escrevo, no Senegal, livre da prisão militar, onde, reportadamente, a esta altura ainda está preso o seu principal opositor político, Domingos Pereira, que apoiou o candidato que se declarou vencedor antes da apresentação dos resultados. Sissoco Embaló deu uma entrevista à France Press, outra à Jeune Afrique, a dar conta de que havia sido detido pelos golpistas. Como não é a primeira vez que grita golpe - será pelo menos a terceira - como na história do rapaz que, para se divertir e assustar os vizinhos aldeões, gritava loboooo e punha todos a fugir, até ao dia em que o lobo veio mesmo e ninguém acreditou nele - poucos acreditam na versão do presidente guineense.
A nível interno, a maioria dos jornalistas e analistas com quem falei enquanto pesquisadora do Comité de Protecção dos Jornalistas, está convencida de que não passa de uma encenação, com Embaló a dar o golpe a si mesmo para não assumir uma possível derrota nas eleições e, mal menor, escolher quem o sucede à frente dos destinos do país, tal como o seu homólogo angolano também já deixou claro que quer escolher por aqui. As semelhanças entre os dois estão à vista… são os dois generais, são os dois algo trungungueiros e sobretudo nenhum dos dois tem qualquer intenção de sair do poder… E agora pergunto eu, e a vontade do povo, o que conta? E a comunidade internacional o que faz?
Provavelmente fará o mesmo que fez nos outros golpes militares ou palacianos, administrativos a que temos assistido... Nada, ou muito pouco além de comunicados de repreensão, porque os resultados das eleições foram ignorados, manipulados, falsificados, o necessário para que quem está no poder o retenha a qualquer custo.
É de facto de perder a fé na democracia que entre nós parece fadada a tornar-se uma esperança frustrada.
E estes maus exemplos têm um condão absolutamente contagioso. Os presidentes olham em volta e dizem para si mesmos: olha, o fulano safou-se; continua presidente. O importante é isso, mesmo que, como no caso do moçambicano, essa presidência se mantenha em cima dos corpos de mais de 400 cidadãos (com números de ONGs locais) ou em cima de cerca de três mil no caso da Tanzânia.
A propósito de comunidade internacional que ‘não tuge nem muge’ quando é preciso, a marcar a nossa actualidade esteve a cimeira União Africana e União Europeia. “África tem 60% dos recursos essenciais a nível global, 30% dos raros essenciais - tem tudo para dar certo dizia a alemã Ursula Von Der Leyen, mas a verdade é que teimosamente não dá certo e esse facto é provavelmente atribuível à distração das lideranças com a necessidade de manutenção do poder.
Von der Leyen focou o comércio global que tem sofrido uma série de distúrbios, desde guerras a imposição de tarifas, lembrou que um terço das exportações do continente africano são para o continente europeu e falou no Corredor do Lobito e no seu potencial para potenciar mais o comércio intercontinental na região. Do nosso lado o mais alto mandatário voltou a pedir dinheiro na forma de créditos mais baratos - não tem feito outra coisa - e depois gasta mil milhões em viagens (segundo um estudo publicado pelo Novo Jornal) e outros tantos em obras de aspecto sobrefacturado. Angola nunca mais esteve abaixo do volume de dívida externa que já tinha e que já era elevado para um país que só produz petróleo, quando João Lourenço assumiu o poder, em 2017, em que estava nos cerca de 43 mil milhões de dólares. A dívida atingiu um máximo de 52 mil milhões por altura das últimas eleições e desceu no ano passado para perto de 47, que continuam a pôr em stress a tesouraria do país que depois não consegue pagar a dívida a credores internos, que tem crescido, e atrasa nos salários da função pública. Isto apesar de o petróleo rondar os 60, 70 dólares que deviam dar algum conforto.
No entanto, na sua intervenção o chefe de Estado e do estado de coisas tocou num tema curioso porque o fez parecendo que não percebe qual é o seu papel no resultado. Disse que África não pode continuar a manter-se com “as migrações problemáticas” e apelou a soluções concretas para as “migrações desreguladas”, apontando o desemprego como uma das principais razões para a saída de tantos jovens, o que leva a perguntar se as lideranças, como a sua, se dissociam do resultado da sua governação, sendo que um dos resultados é sem dúvida o desemprego…
Uma das famosas promessas de campanha do PR era a criação de 500 mil empregos mas talvez se tivesse a referir a empregos lá fora porque desde que assumiu o poder esses 500 mil está mais próximo de ser o número de angolanos que saíram do país por falta de qualidade de vida, por falta de oportunidades, por falta de perspectivas de futuro, por falta de capacidade de ver imagens de miúdos famintos esmagados dentro de carros do lixo no país da fome relativa, situações que não existiriam caso a liderança fosse minimamente eficiente.
Os números oficiais para Portugal rondam os 100 mil, mas esse número não contabiliza os milhares de angolanos com nacionalidade dupla, ou os angolanos que foram para outros países que também viraram comunidades a crescer. Os pedidos de asilo em França por parte de angolanos dispararam 200 por cento, e, até no México, que nunca tinha recebido pedidos de asilo de angolanos, 1000 foram pedir no ano passado não estão contabilizados os que entram em vários outros países com visto ou outras nacionalidades. O Reino Unido ainda recentemente ameaçou passar a recusar vistos a angolanos, inclusive a diplomatas angolanos, por causa dos pedidos de asilo e da imigração ilegal de angolanos para o Reino Unido... mas o chefe fala da saída de jovens como se não tivesse nada a ver com isso e fosse mais um problema que os europeus devem ajudar a resolver...
Que mal terá feito África?





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