E agora pergunto eu...
Seja bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço onde perguntar não ofende depois de uma semana em que o chefe concretizou o sonho de estar em Washington novamente ao lado do homem mais poderoso do planeta o presidente dos EUA, Donald Trump. Cada um com os seus sonhos, mais sorte teríamos se o sonho fosse em vez uma Angola melhor para os angolanos. Voou rápido; parece que nem esperou o adeus da vice; foi em surdina, talvez para não alertar os invejosos, não fossem por olho gordo na viagem de suma importância.
Para além do manifesto desdém do presidente do Ruanda por qualquer sugestão que implique a sua perda de domínio sobre os minerais que tira da RDC, um desdém que lança muitas dúvidas sobre a efectividade do acordo de paz, pergunto-me se agora vamos ser todos sujeitos novamente à ladainha ‘do investimento que vem a correr’ porque o chefe esteve entre aquelas paredes e que “vai mudar o país” como se lá não estivesse estado com o anterior presidente em 2023, que depois que também visitou o país, sendo que a visita não mudou nada... Angolanos continuam a comer no lixo, um quarto a defecar ao ar livre, com milhões de crianças fora do sistema de ensino e com mais de metade da população na pobreza ou na pobreza extrema. O chefe esteve com Biden na Casa Branca e a visita foi-nos vendida como a resolução dos desafios da economia nacional. Aconteceu o quê de lá para cá? E agora pergunto eu: melhorou o quê na qualidade de vida dos angolanos?
Esta semana, o Valor Económico trazia uma peça refrescante porque, ao contrário do que é hábito, vimos um ministro, e um dos ministros do inner circle, um favorito do presidente, a queixar-se do estado de coisas, como se não estivesse, afinal, tudo lindo e belo no paraíso que costumam pintar para justificar a sua governação questionável.
Ricardo de Abreu, o ministro dos Transportes, disse no evento Economia sem makas, que “os bancos angolanos não acreditam nos grandes projectos do país” e lamentou questionando: “se os bancos nacionais não acreditam, quem vai acreditar?” O ministro exemplificou ainda com as dificuldades de acesso a crédito das pequenas e médias empresas que têm lojas no aeroporto e que não têm acesso a crédito. Disse que “precisamos de um sector bancário muito mais proactivo do que temos hoje”, e a razão pela qual cito o ministro de forma tão extensiva, querido leitor, tem a ver com a oportunidade rara da concordância com algo que digam os governantes na tentativa de justificar o marasmo económico em que anda estacionado o país. Como são oportunidades raras, há que aproveitá-las.
Os bancos de facto e apesar de todos os instrutivos do regulador, não têm motivação para financiar pequenas e médias empresas, têm pouca fé nos projectos e nos grandes projectos porque a economia centralizada e dependente que é de um principal produto de exportação tem uma componente de volatilidade disruptiva para a actividade bancária que carece de pressupostos sólidos para funcionar em pleno.
É verdade que os bancos em Angola, não querendo defender instituições que não precisam de defesa, têm de gerir temas e dossiers que a banca a nível internacional geralmente não tem de gerir, daí que a banca talvez se defenda frequentemente com fecho da torneira de crédito à economia. Os bancos estão muito expostos à volatilidade cambial. Conceder crédito numa moeda que amanhã, na fase do reembolso, já pode ter perdido um terço ou metade do valor da data da aprovação do crédito, o que, pelo meio, já comprometeu a capacidade de execução do projecto financiado, é no mínimo uma aventura. Entre 2017 e 2020 o kwanza desvalorizou quase 250% e pouco terá recuperado desde então. Os 1000 que comparavam dez dólares outrora passaram a ter dificuldade de comprar um, sendo que a necessidade de aquisição de produtos fora, inclusive, alimentares mantém-se, com alterações aqui e ali, mas, inexpressivas em termos de dependência de importações.
Esses processos de aquisição são geridos via bancos que estão na linha da frente a gerir o caos cambial para além das dificuldades inerentes de pessoal. A banca é notória pela rotatividade de quadros e por níveis elevados de criminalidade executiva com funcionários dos bancos frequentemente acusados de desvios e de todo o tipo de esquemas que abusam do acesso privilegiado à informação dos clientes. Depois, há o genérico ambiente de negócios inquinado, em que ainda é preciso fazer um trabalho de base de bancarização - que ainda ronda os vergonhosos 30% da população - num país com 80% de informalidade.
E não sendo todo este cenário suficiente os bancos gerem também relações de nível político porque os seus acionistas são frequentemente figuras ou do aparelho de Estado ou ligadas ao aparelho de Estado e que na base de influências, muitas vezes sem experiência ou capacidade comprovada de gestão empresarial conseguem muitas vezes enxugar o pouco crédito disponível para a economia emagrecendo assim a fatia que fica disponível para as pequenas e médias empresas de angolanos anónimos e fora da esfera do poder, mas que são vitais para a criação de emprego e solidificação do tecido empresarial.
No entanto, é neste cenário à primeira vista adverso e num contexto económico de razia de empresas e de PIB bem abaixo do crescimento populacional que a nossa banca floresce e publica lucros fabulosos semestre após semestre.
Esses lucros justificariam mesmo o lamento do ministro dos Transportes de que ‘a banca nacional não acredita’ caso não fosse o governo o responsável por esses lucros e por esse conforto da banca com a ausência de cedência de crédito, que pouco muda por mais instrutivos que o BNA crie.
E o governo é responsável porque é o principal receptor do financiamento bancário, de tal sorte que os bancos não precisam de emprestar aos empresários que vão criar empregos; não precisam de ceder crédito com risco. Têm as suas taxas de juro garantidas sem risco ao financiarem o Estado através das obrigações do tesouro e afins. O Estado, que ultimamente até tem transferido dívida externa que tinha para dívida aos credores nacionais, à banca, que sempre podem esperar mais um bocadinho do que os compromissos internacionais que se não são pagos a horas levam a default de consequências desastrosas, a tal hecatombe de que a ministra das Finanças está sempre a falar. Se o Estado não sugasse todo o financiamento bancário que suga, a banca sentir-se-ia mais obrigada a conceder crédito com prazos e juros mais decentes do que tem apresentado à economia. Mais uma vez, o Estado - liderado pelo Executivo a que pertence o ministro que lamenta a falta de fé da banca nos projectos do país - é o factor central de distorção. O ministro deve dirigir o seu lamento aos seus colegas talvez o executivo comece por diminuir a avidez aos créditos que seriam para a economia, não sei, mas é com esperança sempre, querido leitor, que marcamos aqui encontro até à próxima, na sua Rádio Essencial.





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