A odisseia do PR: Entre Cimeiras e Contradições

07 Jul. 2025 Suely de Melo Opinião

Sem-vindos ao Dias Andados, numa semana relativamente calma… não fosse a centésima décima terceira aventura transcontinental do nosso viajante de luxo. Enquanto Luanda fervilhava com a Cimeira EUA-África, com direito a tapete vermelho, discursos protocolares e a promessa de um futuro brilhante – que invariavelmente fica sempre no futuro –, eis que o ‘Capitão da Nação’ decide que há prioridades mais urgentes. E qual seria essa emergência que fez o anfitrião abandonar a própria festa? Nada mais, nada menos, que uma corrida à Bélgica! Não para saborear chocolates, nem para admirar a Grand Place, mas para brandir a espada da autonomia africana no que toca à vacinação. 

A odisseia do PR: Entre Cimeiras e Contradições

Com uma bravura invejável, João Lourenço defendeu, perante os seus pares europeus, que África precisa de mais voz, mais poder e menos dependência na imunização e que “está pronta para ser coautora da nova era da imunização global”. Uma retórica que soa como música aos ouvidos, especialmente quando ignoramos o pequeno detalhe de que o seu próprio país detém a medalha de bronze na lamentável categoria de "maior taxa de crianças com zero doses de vacinação" no continente. É quase poético defender a soberania das agulhas lá fora, enquanto as agulhas cá dentro permanecem guardadas, ou escondidas ou até mesmo inexistentes.

Enquanto o nosso líder lançava, lá fora, pérolas de sabedoria que, com certeza, não se materializarão, pelo menos tão cedo nem com estes personagens... por cá, no epicentro da cimeira, assistíamos à assinatura de acordos. Muitos acordos. Tantos acordos que, a esta altura, já poderíamos construir uma ponte de papel ligando Luanda a Washington, só com os memorandos de entendimento. Entidades norte-americanas, com um optimismo contagiante, fizeram questão de elogiar o "ambiente de negócios melhorado". Melhorado onde, perguntamos nós, os meros mortais que tentamos sobreviver à burocracia e à instabilidade do dia a dia? A verdade é que só descobriremos se esses elogios foram sinceros, ou apenas mais um discurso bonito quando os projectos começarem a sair do papel. Se é que sairão. Enquanto isso, sigamos na torcida para que a próxima Cimeira, já que se avizinham tantas outras, não coincida com uma urgência diplomática noutro continente. 

E enquanto o nosso ilustre ‘aeromoço’ trocava a cimeira em casa por uma cruzada vacinal na Europa, outra epopeia fervilhava cá dentro: a saga dos comissários. Depois de um retumbante e previsível "não" do Tribunal Constitucional os ‘maninhos’ voltaram à carga. Com uma persistência que faria inveja a qualquer vendedor ambulante, eles apelam novamente ao bom senso dos nossos ‘magnânimos juízes’. A questão é simples, no papel, e complexa, na prática: a Unita quer os seus sete, ou melhor, cinco comissários na Comissão Nacional Eleitoral, enquanto o MPLA, com a generosidade que lhe é peculiar, insiste em impingir apenas quatro. É uma diferença que se transformou na mais recente batalha épica da política angolana. Quanta esperança depositada nos ombros dos nossos juízes. Acreditam que o bom senso, a lógica e talvez uma pitada de boa vontade celestial farão com que a matemática política da oposição prevaleça sobre a aritmética inabalável do poder. É comovente ver essa fé arraigada na justiça, mesmo depois de uma bofetada tão sonora do tribunal liderado por Laurinda Cardoso. Talvez acreditem que, se repetirem o pedido com suficiente fervor, os juízes, num momento de iluminação divina ou cansaço existencial, finalmente cederão. Ou, quem sabe, esperam que a pressão pública (aquela que raramente se materializa em algo além de conversas de café) opere o milagre. A esperança, como se sabe, é a última a morrer, e em Angola, parece que tem uma vitalidade particularmente resiliente. Será que o bom senso prevalecerá, ou será que o Tribunal Constitucional, em mais um acto de ‘magnanimidade’, reafirmará a sua própria interpretação do que é justo, deixando os ‘maninhos’ a contar até quatro?


*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 27 de Junho de 2025