A arte de manifestar sem incomodar
Aqui na terra da democracia do ‘bungle bang’, é mais do que óbvio que manifestação só é verdadeiramente "pacífica" quando se trata de glorificar o partido no poder. Tudo o resto não passa de vandalismo, insurreição e, muito provavelmente, conspiração internacional para destabilizar a nação! Mesmo com esta regra de ouro incrustada na nossa paisagem política, o povo, com a sua persistência quase teimosa, decidiu ir novamente para as ruas.

E o resultado foi uma sinfonia já conhecida: alteração da rota acordada, um aparato de guerra digno de um filme de Hollywood para lidar com uns quantos cidadãos desarmados, ameaças sussurradas e, claro, a inevitável insurgência contra os próprios manifestantes. Afinal, quem se atreve a ter uma opinião diferente sem ser devidamente enquadrado? Mas a cereja no topo do bolo democrático, a joia da coroa da nossa liberdade de expressão, vem das províncias do Huambo e do Uíge. Enquanto os ingénuos organizadores planeiam novas manifestações, os governos provinciais tiveram uma ideia brilhante e incontornável para o dia da marcha: corridas de motocross! Sim, porque, convenhamos, o que é mais vital e edificante para o espírito democrático do que ver motoqueiros a saltar e a fazer piruetas de um lado para o outro? A voz do povo pode ser importante, mas o rugido de um motor de motocross é, sem dúvida, mais melódico e, acima de tudo, menos "perturbador". Portanto, aprendam a lição, manifestantes: se querem ser ouvidos neste país, talvez seja hora de trocar os cartazes por capacetes e as palavras de ordem por roncos de escape. Quem sabe, talvez a próxima manifestação pacífica aceite seja uma procissão de motas a alta velocidade, onde a única "voz" permitida seja o eco dos pneus a rasgar o asfalto.
E enquanto nas ruas o povo tenta, heroicamente, fazer valer a sua voz, na Assembleia Nacional, o palco da nossa democracia representativa, assistíamos à tomada de posse dos comissários nacionais eleitorais. Bem, pelo menos de alguns. Mesmo com um recurso interposto pela UNITA no Tribunal Constitucional. Com a cara deles tipo nada, empossaram os seus comissários e o resto que se dane. A lei, as contestações, as reclamações são meros detalhes que não impedem o avanço implacável da vontade de quem detém o poder. Parece que, para os "maninhos", não deve restar a menor dúvida: a luta dentro das instituições fracassou. No parlamento restou o habitual repertório: vaiar, espernear, se filmar e, claro, se publicar. Afinal as redes sociais são o único espaço onde a voz, por mais indignada que seja, consegue ecoar por alguns instantes sem ser imediatamente abafada pelo ronco de um motor ou pelo aparato de uma força policial. Talvez a luta deles tenha, de facto, migrado para as redes sociais. Talvez seja lá, entre posts e comentários, que se trava agora a verdadeira batalha pela mudança. Uma batalha travada com hashtags em vez de manifestações, com emojis em vez de palavras de ordem. Uma luta digital, onde a censura é mais difícil, mas a efetividade… bem, ainda está para ser provada. Mas a sétima sessão ordinária da quinta legislatura não se ficou por aí. Sobrou tempo para o grupo parlamentar do MPLA fazer cobranças ao líder do maior partido na oposição, como se a Assembleia fosse um balcão de atendimento e não um templo da legislação. As declarações de Adalberto Costa Júnior no ‘Economia sem Makas’ parecem ter descido como um sapo bem nutrido, enfiado garganta a dentro, e a indigestão, pelo visto, foi geral. Foi então que Reis Júnior, com a coragem de quem não tem nada a perder, não só chamou Costa Júnior de mentiroso como desafiou o seu grupo parlamentar a apresentar a tal carta em que o MPLA se recusa a manter diálogo sobre matérias ligadas às eleições. Desta vez os maninhos foram mais rápidos do que Ussain Bolt e à velocidade de um click, mal Reis Júnior lançava o desafio, a carta já circulava nas redes. E o que se pôde ler, para o deleite dos cínicos e o desespero dos defensores do "diálogo secreto", foi que os camaradas até tinham boa vontade, afinal há sempre boa vontade, principalmente quando não se está sob o escrutínio público. Mas teriam ficado "magoados" com o facto de Liberty Chiaka ter vindo a público "se espalhar" sobre o que se discutia entre as paredes da Assembleia Nacional. Por isso, num acto de birra política, os camaradas fecharam as portas ao diálogo. Portanto, a moral da história é clara: no parlamento angolano, o diálogo deve ser visto como um segredo dos deuses. Se alguém ousa contá-lo em praça pública, as portas fecham-se e a boa vontade evapora-se. Afinal de contas de quem é a culpa? Dos maninhos que não souberam guardar o segredo, ou dos camaradas que queriam fazer de uma discussão que até devia ser pública e geral um segredo?
*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 18 de Julho de 2025
O AUTOPROCLAMADO NOVO GUIA IMORTAL