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Condecorações, “o caso de São Vicente”

14 Aug. 2025 Opinião

À beira de completamos os nossos primeiros 50 anos como país, estamos a ser ‘bombardeados’ por tantas condecorações que já ninguém consegue perceber o mérito de quem as recebe. Talvez porque vivemos no país onde mais ou menos oficiosamente “o cabrito come onde está amarrado” tenhamos perdido o sentido e noção de heroísmo. Na realidade, quem são os nossos verdadeiros heróis? Não sendo minha função definir neste espaço quem são e o que são heróis, pergunto-me a mim mesmo se um cidadão de elevada craveira empresarial é ou não um herói nacional. Vou explicar-me de modo a não deixar dúvidas aos que sempre duvidam de quem pensa fora da caixa.

Condecorações, “o caso de São Vicente”
Mário Mujetes

Esta história começa no início dos anos 2000 quando, por iniciativa própria, na altura, o director de Gestão de Riscos da concessionária dos petróleos (Sonangol) aperfeiçoou o sistema de gestão de riscos na indústria de petróleo ao projectar, criar, e desenvolver uma organização totalmente dedicada e focalizada ao objectivo. Foi assim que, após a abertura do mercado de seguros, surgiu uma das primeiras companhias de seguros e resseguros do nosso país, a ‘AAA Seguros’, tornando-se rapidamente a empresa líder no ramo. A partir deste momento, pese os protestos das petrolíferas que operavam no país, para além das seguradoras multinacionais que viam deste modo a parte de leão do seu bolo a ser repartido com uma empresa local, a ‘AAA Seguros’ vincou a sua posição e obviamente cresceu.

Estes acontecimentos estavam a acontecer numa época em que o “credo” da liderança política do país era o aparecimento e desenvolvimento dum grupo de “capitalistas” nacionais que haveriam de catapultar o empreendedorismo e alargar a criação de empregos a nível nacional. É nesse sentido e com esse espírito de desenvolvimento que nessa altura surge um empurrão a vários cidadãos identificados como líderes socioeconómicos de interesse com capacidade de levar avante tão espinhosa tarefa. Dessas organizações ora apadrinhadas pelo Estado e abençoadas pelo partido governante nenhuma alcançou o sucesso da ‘AAA Seguros’. Nenhuma foi tão longe. Aliás, quase todas ficaram pelo caminho, os fundos disponibilizados simplesmente sumidos.

É nesse ‘modus operandi’ e em reconhecimento pela sua contribuição e visão estratégica para o país na imaculada gestão da ‘AAA Seguros’, para além da sua angolanidade e patriotismo que o Governo aprovou a “Estratégia de Gestão de Risco das Operações Petrolíferas”, atribuindo a ‘AAA’ a liderança do cosseguro dos petróleos e aprovou a venda de acções conforme negociado e acordado com o Dr. Carlos São Vicente. Deixando de lado o mérito (o que é hábito entre nós os eternamente invejosos), as más-línguas insinuam que essa oportunidade foi facilmente cedida e apoiada pelo consórcio dirigente (Governo e partido no poder) por consideração alargada pelo facto de o Dr. Carlos São Vicente ser genro do fundador do país.

Se até aí havia uma onda de inveja, o celebre “porquê ele, não eu”,  esta actividade de seguro e resseguro eram altamente lucrativas conforme previsto e deram ao Dr. Carlos São Vicente a oportunidade dourada e dentro do espírito da iniciativa de criação de riqueza local benevolente de investir a sua riqueza na economia angolana, criando empregos e melhoria de condições para o país. Com os lucros da seguradora, da corretora de resseguros, da resseguradora e da gestora de fundos de pensões, o Dr. Carlos São Vicente em pouco mais de 10 anos dotou o país inteiro duma rede hoteleira alargada e com qualidade que é fundamental, indispensável, e que seria o alicerce do desenvolvimento do turismo no país. Dos vários agraciados por todo esse beneplácito e beneficência do consórcio dirigente aos membros da sua família alargada (muito provavelmente à excepção da Engª Isabel Santos) quem mais fez, ou investiu, dentro do país? Para além de tudo o que se possa dizer o Dr. Carlos São Vicente tornou-se no maior investidor nacional no país, tendo edificado um legado que por muitas gerações vindouras será certamente estudado e analisado.

A cadeia de 84 hotéis da ‘AAA Activos Lda.’ instalou-se em quase todas as capitais provinciais e os edifícios tornaram-se em muitos casos no ponto de referência dessas mesmas cidades. Gostando ou não da arquitectura, esses edifícios são visíveis a quilómetros de distância imediatamente tranquilizando o viajante com o prometido descanso e restauração após a jornada muitas vezes longa e tortuosa devido ao estado das nossas estradas. Testemunhando a sua visão e a capacidade de gestão e desenvolvimento, o Dr. Carlos São Vicente conseguiu colocar com sucesso a sua cadeia de 84 hotéis à rede internacional de reservas. O que poderia haver de melhor para o desenvolvimento do turismo nacional?

Para além da construcção dos edifícios, e dando seguimento ao plano de criação duma burguesia nacional, o Dr. Carlos São Vicente traçou e desenvolveu um programa focalizado no desenvolvimento da mão-de-obra necessária para a expansão e manutenção da cadeia de hotéis iniciando a actividade em 2014 com preços realmente competitivos e serviço de qualidade, comprovando que é possível haver hotéis em Angola bem geridos por angolanos sem necessidade de operadores estrangeiros, sem necessidade dos famigerados “cooperantes” que continuam a absorver grande parte das nossas divisas.

Sem margem para dúvidas, temos que reconhecer o talento e a capacidade de gestão tanto na área de seguros e resseguros como no ramo hoteleiro, qual deles o mais significativo para o país. Ao “neutralizar” o Dr. Carlos São Vicente, o Governo angolano “frustrou” a indústria hoteleira com uma prisão definida como arbitrária pelo órgão jurídico do “Conselho dos Direitos Humanos” das Nações Unidas conforme descrito no documento publicado sob o registo “UNITED NATIONS_a-hrc-wgad-2023-63-angola-aev.pdf”. (“Human Rights Council - Working Group on Arbitrary Detention” - opinions adopted at its ninety-eighth session, 13–17 November 2023 under No. 63/2023 concerning Carlos Manuel de São Vicente).

Obviamente que é de lamentar que o nosso Governo não caia na realidade e liberte o Dr. Carlos São Vicente, não só pelas obras e feitos em benefício do país bem como dever-se-lhe-ia condecorar com uma medalha comemorativa dos 50 anos. Se nós não somos capazes de reconhecer aqueles que realmente fizeram algo pelo país, que criaram infra-estruturas de relevo e apostaram seriamente na formação de quadros nacionais, que país esperamos construir, como encorageremos outros angolanos a fazer o melhor que se pode pelo nosso futuro? Pelo futuro dos nossos filhos e netos? Pelo futuro de Angola?

Sr. General, acredito plenamente que a atribuição de condecorações precisa de ser melhorada (melhorar o que está bem) para salvaguarda da credibilidade dos nossos heróis. No nosso quotidiano há muita coisa que está mal e é isso que é preciso corrigir. Pelo menos foi o que o senhor e o partido no poder nos prometeram. Corrigir o que está mal e melhorar o que está bem não é exactamente o que está a acontecer na saga das AAA. O future promete.

 

 

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola