Condecorações, “o caso de São Vicente”
À beira de completamos os nossos primeiros 50 anos como país, estamos a ser ‘bombardeados’ por tantas condecorações que já ninguém consegue perceber o mérito de quem as recebe. Talvez porque vivemos no país onde mais ou menos oficiosamente “o cabrito come onde está amarrado” tenhamos perdido o sentido e noção de heroísmo. Na realidade, quem são os nossos verdadeiros heróis? Não sendo minha função definir neste espaço quem são e o que são heróis, pergunto-me a mim mesmo se um cidadão de elevada craveira empresarial é ou não um herói nacional. Vou explicar-me de modo a não deixar dúvidas aos que sempre duvidam de quem pensa fora da caixa.

Esta história começa no início dos anos 2000 quando, por iniciativa própria, na altura, o director de Gestão de Riscos da concessionária dos petróleos (Sonangol) aperfeiçoou o sistema de gestão de riscos na indústria de petróleo ao projectar, criar, e desenvolver uma organização totalmente dedicada e focalizada ao objectivo. Foi assim que, após a abertura do mercado de seguros, surgiu uma das primeiras companhias de seguros e resseguros do nosso país, a ‘AAA Seguros’, tornando-se rapidamente a empresa líder no ramo. A partir deste momento, pese os protestos das petrolíferas que operavam no país, para além das seguradoras multinacionais que viam deste modo a parte de leão do seu bolo a ser repartido com uma empresa local, a ‘AAA Seguros’ vincou a sua posição e obviamente cresceu.
Estes acontecimentos estavam a acontecer numa época em que o “credo” da liderança política do país era o aparecimento e desenvolvimento dum grupo de “capitalistas” nacionais que haveriam de catapultar o empreendedorismo e alargar a criação de empregos a nível nacional. É nesse sentido e com esse espírito de desenvolvimento que nessa altura surge um empurrão a vários cidadãos identificados como líderes socioeconómicos de interesse com capacidade de levar avante tão espinhosa tarefa. Dessas organizações ora apadrinhadas pelo Estado e abençoadas pelo partido governante nenhuma alcançou o sucesso da ‘AAA Seguros’. Nenhuma foi tão longe. Aliás, quase todas ficaram pelo caminho, os fundos disponibilizados simplesmente sumidos.
É nesse ‘modus operandi’ e em reconhecimento pela sua contribuição e visão estratégica para o país na imaculada gestão da ‘AAA Seguros’, para além da sua angolanidade e patriotismo que o Governo aprovou a “Estratégia de Gestão de Risco das Operações Petrolíferas”, atribuindo a ‘AAA’ a liderança do cosseguro dos petróleos e aprovou a venda de acções conforme negociado e acordado com o Dr. Carlos São Vicente. Deixando de lado o mérito (o que é hábito entre nós os eternamente invejosos), as más-línguas insinuam que essa oportunidade foi facilmente cedida e apoiada pelo consórcio dirigente (Governo e partido no poder) por consideração alargada pelo facto de o Dr. Carlos São Vicente ser genro do fundador do país.
Se até aí havia uma onda de inveja, o celebre “porquê ele, não eu”, esta actividade de seguro e resseguro eram altamente lucrativas conforme previsto e deram ao Dr. Carlos São Vicente a oportunidade dourada e dentro do espírito da iniciativa de criação de riqueza local benevolente de investir a sua riqueza na economia angolana, criando empregos e melhoria de condições para o país. Com os lucros da seguradora, da corretora de resseguros, da resseguradora e da gestora de fundos de pensões, o Dr. Carlos São Vicente em pouco mais de 10 anos dotou o país inteiro duma rede hoteleira alargada e com qualidade que é fundamental, indispensável, e que seria o alicerce do desenvolvimento do turismo no país. Dos vários agraciados por todo esse beneplácito e beneficência do consórcio dirigente aos membros da sua família alargada (muito provavelmente à excepção da Engª Isabel Santos) quem mais fez, ou investiu, dentro do país? Para além de tudo o que se possa dizer o Dr. Carlos São Vicente tornou-se no maior investidor nacional no país, tendo edificado um legado que por muitas gerações vindouras será certamente estudado e analisado.
A cadeia de 84 hotéis da ‘AAA Activos Lda.’ instalou-se em quase todas as capitais provinciais e os edifícios tornaram-se em muitos casos no ponto de referência dessas mesmas cidades. Gostando ou não da arquitectura, esses edifícios são visíveis a quilómetros de distância imediatamente tranquilizando o viajante com o prometido descanso e restauração após a jornada muitas vezes longa e tortuosa devido ao estado das nossas estradas. Testemunhando a sua visão e a capacidade de gestão e desenvolvimento, o Dr. Carlos São Vicente conseguiu colocar com sucesso a sua cadeia de 84 hotéis à rede internacional de reservas. O que poderia haver de melhor para o desenvolvimento do turismo nacional?
Para além da construcção dos edifícios, e dando seguimento ao plano de criação duma burguesia nacional, o Dr. Carlos São Vicente traçou e desenvolveu um programa focalizado no desenvolvimento da mão-de-obra necessária para a expansão e manutenção da cadeia de hotéis iniciando a actividade em 2014 com preços realmente competitivos e serviço de qualidade, comprovando que é possível haver hotéis em Angola bem geridos por angolanos sem necessidade de operadores estrangeiros, sem necessidade dos famigerados “cooperantes” que continuam a absorver grande parte das nossas divisas.
Sem margem para dúvidas, temos que reconhecer o talento e a capacidade de gestão tanto na área de seguros e resseguros como no ramo hoteleiro, qual deles o mais significativo para o país. Ao “neutralizar” o Dr. Carlos São Vicente, o Governo angolano “frustrou” a indústria hoteleira com uma prisão definida como arbitrária pelo órgão jurídico do “Conselho dos Direitos Humanos” das Nações Unidas conforme descrito no documento publicado sob o registo “UNITED NATIONS_a-hrc-wgad-2023-63-angola-aev.pdf”. (“Human Rights Council - Working Group on Arbitrary Detention” - opinions adopted at its ninety-eighth session, 13–17 November 2023 under No. 63/2023 concerning Carlos Manuel de São Vicente).
Obviamente que é de lamentar que o nosso Governo não caia na realidade e liberte o Dr. Carlos São Vicente, não só pelas obras e feitos em benefício do país bem como dever-se-lhe-ia condecorar com uma medalha comemorativa dos 50 anos. Se nós não somos capazes de reconhecer aqueles que realmente fizeram algo pelo país, que criaram infra-estruturas de relevo e apostaram seriamente na formação de quadros nacionais, que país esperamos construir, como encorageremos outros angolanos a fazer o melhor que se pode pelo nosso futuro? Pelo futuro dos nossos filhos e netos? Pelo futuro de Angola?
Sr. General, acredito plenamente que a atribuição de condecorações precisa de ser melhorada (melhorar o que está bem) para salvaguarda da credibilidade dos nossos heróis. No nosso quotidiano há muita coisa que está mal e é isso que é preciso corrigir. Pelo menos foi o que o senhor e o partido no poder nos prometeram. Corrigir o que está mal e melhorar o que está bem não é exactamente o que está a acontecer na saga das AAA. O future promete.

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