Em 1958, o jornalista brasileiro Nelson Rodrigues apelidou a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, face ao resto do mundo, de “complexo de vira-lata”. De acordo com o também escritor, o brasileiro é um narciso às avessas que cospe na própria imagem. Nelson Rodrigues referia-se, originalmente, ao trauma sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a selecção brasileira foi derrotada pela selecção uruguaia na final do Mundial. Mas vários outros estudiosos também abordaram a questão, elevando-a a outros campos. Esta teoria assenta como uma luva em alguns nós, que, apesar de por vezes nos tentarmos despir desse ‘viralatismo’, é um exercício que não passa de ‘sol de pouca dura’. Esse reducionismo evidencia-se mal haja a oportunidade de apanhar algumas ‘migalhas’. Se num dia gritamos aos quatro ventos que “fizemos mais em 50 anos do que o colono em 500”, no outro estamos nós ajoelhados de mão estendida perante os descendentes dos tais colonos. Se num dia enxovalhamos os supostos “amigos/irmãos”, atirando-lhes na cara que investiram bem menos em Angola do que a China, no outro enfatizamos a suposta amizade entre Portugal e Angola que “estiveram sempre juntos nos bons e maus momentos”, sublinhando que a relação “é para continuar”. Esta semana esteve em solo pátrio o primeiro-ministro português, com quem o nosso Presidente trocou efusivas juras de amor eterno. Isto depois do anúncio do incremento de 500 milhões de euros, que se somam aos 2 mil milhões da linha de crédito Portugal-Angola. João Lourenço, nitidamente entusiasmado, não precisou pensar duas vezes, nem ouvir ninguém. Mal lhe foi anunciada a quantia disponibilizada, já tinha em mente onde investir, mantendo, entretanto, o destino no segredo dos deuses. O nosso Presidente só pode ter alguma mania com o número 500. Ora promete 500 mil empregos, ora persegue filhos alheios por causa de 500 milhões, ora oferece outros 500 milhões a um consórcio que ninguém sabe qual é, por uma obra que ninguém sabe para o que serve…
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