A democracia ‘made in MPLA’

20 Jun. 2025 Suely de Melo Opinião

Em 2017, seduziu-nos com a tentadora promessa de uma comunicação pública vibrante, uma aproximação à imprensa que se previa anual. Ilusão, meus amigos, puro e simples ‘babete’. 

A democracia ‘made in MPLA’

A promessa, como tantas outras, dissolveu-se no ar como fumo de charuto caro, deixando para trás apenas o amargo sabor da expectativa gorada. Houve duas ou três entrevistas, p’ra angolano ver, e depois disso foi só mesmo p’ra inglês, português e americano verem. Porque nunca mais quis saber dos órgãos nacionais.  E foi assim que, depois de tanta espera, fomos agraciados com uma hora… de muita ‘wawera’. Na verdade, perdemos uma hora do nosso tempo!

Pense na riqueza de assuntos de Estado que poderiam ter sido debatidos, nas perguntas incisivas que poderiam ter sido feitas, nas soluções para os problemas que afligem o país que poderiam ter sido apresentadas. Mas não. O objectivo, que se revelou quase no fim da entrevista, não deixou dúvidas, ficou claro como a água que escorre pelo ralo: uma sessão de recados. O palco, montado para a Nação, transformou-se num púlpito de advertências aos incautos que ousam almejar o cadeirão máximo – tanto do partido quanto do país. O nosso “empregado”, com a serenidade de quem detém a verdade absoluta, deixou claro que a ambição é permitida, sim, mas a benção presidencial é condição sine qua non. É preciso aguardar, pacientemente, a aprovação do mestre como crianças à espera da fatia de bolo.

Dentro das estruturas do partido dos camaradas, o visado da vez foi o general Higino Carneiro, aka Bulldozzer, que afinal, segundo palavras de sua excelência, se acha um ‘super-militante’ e um ‘super-general’, mas na *lei lei lei* não é nada disso. 

Afinal o general 4x4 é uma fraude, enganou-nos a todos e foi preciso um camarada seu vir destapar todas as cubas…. 

Mas o líder dos camaradas já avisou: ai de quem tentar se ‘maguelar’ às suas costas para aparentar que tem o seu beneplácito. Vai ser publicamente enxovalhado, tal como foi Higino Carneiro. Então ponham-se a pau!

E o que dizer da pérola final? A afirmação categórica de que o MPLA é um partido democrático. Que primor de contradição! Em que manual de Ciência Política um sistema onde a sucessão depende de uma "benção" pessoal é classificado como democrático? É uma democracia tão peculiar que só podia ser ‘made in MPLA’, um modelo exclusivo que, aparentemente, só funciona nas entranhas do poder angolano. Mas engana-se quem pensa que as setas afiadas de João Lourenço foram apenas para o campo doméstico (leia-se para dentro do MPLA). À bela moda lourencista, a oposição, claro, não poderia escapar ilesa. Bem, quando falo de oposição já sabem a quem me refiro: a única capaz de quase tirar o sono ao poder, o saco de pancada de estimação.

A Unita foi igualmente alvo de uma repreensão exemplar: como ousa, segundo o Presidente, criar "tensão" para depois pedir audiência e achar que está tudo bem? Ora, a ousadia! 

Parece que, para o chefe de Estado, o papel da oposição é aplaudir, concordar e, quem sabe, desaparecer silenciosamente quando for conveniente. Ou talvez, e isso é o mais provável, ele entenda que a oposição é perfeitamente dispensável, um apêndice incómodo na máquina do poder. Afinal, para quê vozes discordantes quando se tem a harmonia de um governo que sabe exactamente o que é melhor para todos? E as farpas não pararam por aí. Houve também um recado para os países estrangeiros que, na visão presidencial, "se arrogam ao direito de escrutinar as decisões dos tribunais angolanos". Quanta insolência! Especialmente quando sabemos que Angola possui, sem dúvida alguma, os tribunais mais isentos e incorruptíveis do mundo. Uma verdadeira referência global em imparcialidade e justiça cega, que jamais se deixaria influenciar por pressões políticas ou interesses escusos. Qualquer sugestão em contrário é, obviamente, pura calúnia e falta de conhecimento da excelência jurídica angolana.

Resumindo e concluindo: Em que ficamos? A democracia existe, mas não pode ser confundida com a liberdade de escolha, com a participação popular ou com a fiscalização externa? Esta é a democracia ‘made in MPLA’.


*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 13 de Junho  de 2025