A Guerra como Álibi do governo e o Pra-Já como traidor da oposição

31 May. 2025 Suely de Melo Opinião

Vinte e três anos. Tempo suficiente para gerar uma nova geração, para ver árvores crescerem, para, quiçá, aprender a lição. Mas não, caro ouvinte, não para a distribuição de energia elétrica neste país. Afinal, vinte e três anos depois do último tiro, da última bomba, do último grito de desespero da guerra, o executivo ainda empunha o fantasma do conflito como a derradeira justificação para a escuridão persistente. Enquanto o resto do mundo avança em energias renováveis e redes inteligentes, por cá, a guerra que acabou quase no século passado continua a ser o bode expiatório perfeito para a falta de luz em muitos lares. Segundo o ministro da energia e águas as infraestruturas eléctricas obsoletas são herança das décadas de guerra em que houve sabotagens constantes. Poderíamos pensar que todo este tempo de "paz" teria servido para reconstruir, para modernizar, para planear. Mas não. Serviu, para quê? Para pilhar.

A Guerra como Álibi do governo e o Pra-Já como traidor da oposição

 Para ver a riqueza do país a escoar-se por canais obscuros, enquanto o cidadão comum se debate com o preço do gerador, do combustível e da vela. Vinte e três anos não foram suficientes para que a energia chegasse a todos de forma equitativa e eficaz. Mas foram, sem dúvida, mais do que suficientes para encher os bolsos de uns quantos, para consolidar fortunas e para transformar o progresso em miragem. E assim, enquanto o executivo continua a acender a vela da desculpa da guerra, o povo, esse, permanece no breu. E o mais sarcástico de tudo é que, daqui a mais uns anos, talvez celebremos bodas de prata com a mesma justificação. 

E quando parecia haver uma luz no fundo do túnel, eis que o tio da Ende foi lá e desligou… Pois é… ao que tudo indica a tão propalada alternância política em Angola é como a miragem no deserto do Namibe: quanto mais se corre, mais ela se afasta. 

E se depender da Frente Patriótica Unida, meus caros, podemos ir sentando que a cadeira do poder já tem inquilino fixo por mais algumas décadas. Afinal, depois de discursos fervorosos sobre união, força e o nobre objetivo de "apear o MPLA", o ilustre Abel Chivukuvuku avisa que o seu partido lhe deu aval para concorrer... sozinho. Ora, mas isso é novidade? Não, não é. A exacerbada vontade de Chivukuvuku de sentar-se no cadeirão máximo do poder é um facto tão notório quanto a existência de buracos nas ruas de Luanda. O homem tem uma paixão platónica pelo poder que faria Romeu e Julieta parecerem um caso de amizade colorida. A grande questão que fica, no entanto, é: e o discurso? Aquela conversa bonita de que "o mais importante é a nação e não os interesses próprios"? Bem, deve ter sido guardado na gaveta do esquecimento. Porque, aparentemente, a nação é importante, sim, mas a *minha* vontade de governar é tipo a urgência de ir à casa de banho depois de ter tomado laxante: inadiável. É hilário testemunhar a facilidade com que as palavras perdem o sentido no palco político angolano. A união é temporária, a força é relativa, e a nação? Bem, a nação que se vire. O importante é o aval, o partido, e o Abel. Enquanto isso, o MPLA, que deve estar a rir-se à socapa de tanta descoordenação na oposição, continua firme e forte, com ares de quem vai reinar até que o último camelo passe pelo buraco da agulha….

E o nosso Presidente, em mais uma demonstração de inesgotável energia diplomática, teve uma semana cheia. A esta altura está no Brasil naquela que é a décima terceira viagem do ano. Sim, estamos a contar e pelo andar da carruagem na próxima semana estaremos aqui a anunciar a décima quarta ou a décima quinta… Pena é que a frequência das viagens é inversamente proporcional aos resultados. Alguém que lhe dê o Nobel da ineficácia. O que virá na bagagem desta vez? Mistério. Mas a julgar pelo histórico das incursões anteriores, que se resumem a um vasto e retumbante nada, as expectativas são... modestas. Esta odisseia brasileira surge na sequência de uma paragem estratégica na Suíça, onde o nosso chefe de Estado, num rasgo de altruísmo digno de nota, prometeu a módica quantia de 8 milhões de dólares à Organização Mundial da Saúde como contribuição fixa. Oito milhões! Quanta generosidade para um país que está a braços com um surto de cólera que teima em não dar tréguas. A OMS, por sua vez, em conjunto com a União Europeia, comovidas com a nossa calamidade sanitária, anunciaram a doação de um milhão de euros para combater o surto de cólera. Façam as contas comigo: dos 8 milhões de dólares doados por Angola à OMS, um milhão de euros (que, com as devidas conversões, não andará muito longe em dólares) regressa a Angola. É um ciclo virtuoso de dinheiro que vai e vem, um verdadeiro número de magia financeira onde, no final, o coelho salta da cartola e tudo fica na mesma. Enquanto o PR acumula milhas aéreas, o país acumula casos de cólera. E no meio desta dança dos milhões, fica a dúvida: será que nesta viagem ao Brasil ele promete dinheiro para o combate à dengue, para depois nos doarem uns trocos de volta?...


*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 23 de Maio de 2025