Viva aos prémios que celebram o que não temos e honram o que não funciona
E pronto, mais um 27 de Maio a passar ao lado, ou melhor, a ser "celebrado" com o habitual teatro de sombras que já se tornou a marca registada da nossa tão propalada reconciliação nacional. 48 anos, meus caros, e as perguntas continuam a pairar no ar como moscas varejeiras num dia de calor. Quem, como, porquê? Perguntamos nós. Mas a única resposta que obtemos é o eco das nossas próprias vozes. Aqui há uns anos o Presidente, num rasgo de magnanimidade, veio a público pedir perdão. Foi lindo. Comovente até, se não fosse o facto de, em bom rigor, as acções que se seguiram transformarem esse pedido numa espécie de piada de mau gosto. Posteriormente criou-se a tal CIVICOP, uma comissão que, em vez de lançar luz sobre os recantos obscuros da nossa história, parece ter como principal missão escavar os esqueletos de um certo partido político.

E o auge da ironia? Na semana em que se assinalaram os 48 anos do 27 de Maio, não só a efeméride praticamente passou ao lado como se fosse um dia útil qualquer, como ainda nos brindaram com a espetacular revelação de um esconderijo de armas da UNITA do tempo da guerra. Ora, mas que timing! Parece que alguém no palácio tem um calendário um pouco diferente do nosso. Ou talvez seja uma forma subtil de dizer: "Sim, estamos a falar de paz e reconciliação, mas não se esqueçam que a guerra ainda não acabou... na nossa cabeça". Vai-se lá entender…
Não vimos aquelas reportagens mirabolantes na televisão de todos nós a explicar detalhadamente como foi o 27 de Maio, quem mandou, quem bondou, quem escapou, nem nada que se parecesse. Em vez disso foram desenterrar paióis da Unita, porque o importante é ter algo para contar, e se for sobre o ‘inimigo’, melhor.
Ainda esta semana foi com indisfarçável regozijo, de quase ninguém, que assistimos à consagração contínua do nosso distinto Presidente. Depois de ter sido “merecidamente” distinguido como "Personalidade do Ano no Sector da Energia" num país onde a energia está longe de ser um direito universal, eis que o universo dos galardões decidiu presentear-nos com mais uma pérola. João Lourenço acaba de receber o prestigiante prémio "The Africa Road Builders". E onde, perguntam vocês, se deu tal efeméride? Num país onde as vias de comunicação são uma obra de arte abstracta, um labirinto de buracos, onde a aventura de se deslocar é digna de um documentário sobre sobrevivência extrema. A escolha do chefe de Estado deve-se, entre outros, aos progressos registados no Corredor do Lobito e à construção do novo Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto. Sim, aquele aeroporto. O que, segundo os "entendidos na matéria", não passa de um robusto e reluzente elefante branco, que mais dia menos dia há de dar-nos uma grande dor de cabeça. A transferência dos voos internacionais, que era para ser “já a seguir”, depois “para o mês que vem”, e agora, quem sabe, “para a próxima década”, é um espetáculo à parte. Desta vez dizem que é para "responder com responsabilidade institucional à conjuntura operacional e social". Seja lá o que isso queira dizer… Enquanto isso, os aviões continuam a aterrar no velho e bom aeroporto, aquele que não fez com que ninguém ganhasse prémios, mas que, vá lá, tem as condições necessárias. Mas, não sejamos ingratos. Afinal, um prémio é um prémio! E ter um aeroporto que é uma obra de arte da inoperância, que fica lá, imponente e vazio, à espera de sabe-se lá quando, é, de certa forma, um progresso. Um progresso na arte da espera, da perseverança e, claro, da mais pura e deliciosa ironia. Talvez todos esses prémios se tratem de uma visão futurista, um reconhecimento do potencial, um incentivo para que, um dia, quem sabe, a energia chegue a todos e as estradas deixem de ser um obstáculo intransponível. Resta-nos aplaudir estas distinções que celebram o que não temos e honram o que não funciona. Pra já, João Lourenço que continue a receber prémios ‘praqui e pracolá’. Quem sabe qual será o próximo prémio? Nas redes sociais já há quem tenha apostado no prémio de mister Angola. Aguardemos só já...
*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 30 de Maio de 2025
Carlos Feijó diz que Angola foi “ingratamente maltratada” por Portugal depois da...