Suely de Melo

Suely de Melo

Do partido-Estado, seus dirigentes e instituições, quase diariamente, chegam denúncias e queixas de vária ordem. O indicador é apontado para todos os lados: oposição, sociedade civil, colegas seus. Mas deles próprios, os acusadores, nunca se ouviu a assunção de qualquer erro, falha ou tropeço. Quais perfeitos! Se não são os vândalos que destroem os bens públicos, são os frustrados que atentam contra a vida do Presidente da República. Se não são os arruaceiros que desacatam as autoridades, são os agentes que cometem erros no exercício das funções. Se não são os indisciplinados que semeiam discórdia dentro do partido, são os que querem o poder a todo o custo e fomentam a balbúrdia.

A vizinha-se a data da Independência nacional, que se aproxima dos 50 anos e, por isso, começa a ser celebrada com um ano de antecedência, ainda que em meio a uma atmosfera de desolação e contradições. O Presidente da República chamou esta semana os seus ‘pseudo-conselheiros’ para, entre outros, abordar o tema.

Em 1958, o jornalista brasileiro Nelson Rodrigues apelidou a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, face ao resto do mundo, de “complexo de vira-lata”. De acordo com o também escritor, o brasileiro é um narciso às avessas que cospe na própria imagem. Nelson Rodrigues referia-se, originalmente, ao trauma sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a selecção brasileira foi derrotada pela selecção uruguaia na final do Mundial. Mas vários outros estudiosos também abordaram a questão, elevando-a a outros campos. Esta teoria assenta como uma luva em alguns nós, que, apesar de por vezes nos tentarmos despir desse ‘viralatismo’, é um exercício que não passa de ‘sol de pouca dura’. Esse reducionismo evidencia-se mal haja a oportunidade de apanhar algumas ‘migalhas’. Se num dia gritamos aos quatro ventos que “fizemos mais em 50 anos do que o colono em 500”, no outro estamos nós ajoelhados de mão estendida perante os descendentes dos tais colonos. Se num dia enxovalhamos os supostos “amigos/irmãos”, atirando-lhes na cara que investiram bem menos em Angola do que a China, no outro enfatizamos a suposta amizade entre Portugal e Angola que “estiveram sempre juntos nos bons e maus momentos”, sublinhando que a relação “é para continuar”. Esta semana esteve em solo pátrio o primeiro-ministro português, com quem o nosso Presidente trocou efusivas juras de amor eterno. Isto depois do anúncio do incremento de 500 milhões de euros, que se somam aos 2 mil milhões da linha de crédito Portugal-Angola. João Lourenço, nitidamente entusiasmado, não precisou pensar duas vezes, nem ouvir ninguém. Mal lhe foi anunciada a quantia disponibilizada, já tinha em mente onde investir, mantendo, entretanto, o destino no segredo dos deuses. O nosso Presidente só pode ter alguma mania com o número 500. Ora promete 500 mil empregos, ora persegue filhos alheios por causa de 500 milhões, ora oferece outros 500 milhões a um consórcio que ninguém sabe qual é, por uma obra que ninguém sabe para o que serve…