Suely de Melo

Suely de Melo

Sempre na senda da incansável luta pela democracia e pela justiça, munida de um optimismo que beira à teimosia crónica, os valorosos soldados da oposição embarcaram em mais uma cruzada contra os moinhos de vento institucionais, apresentando dois modestos pedidos ao sempre imparcial Tribunal Constitucional. O primeiro pedido? Algo tão trivial quanto questionar a tomada de posse de um presidente da Comissão Nacional Eleitoral com uma reputação... digamos, "não tão ilibada". Ora, mas desde quando a ficha limpa é um pré-requisito para cargos de tamanha envergadura em Angola? Sinceramente… O segundo ponto de discórdia da Unita foi a composição da Comissão Nacional Eleitoral. A oposição, na sua ingênua percepção, argumenta que a estrutura actual pende descaradamente para o lado do MPLA. Mas que disparate! É pura coincidência que a maioria dos membros pareça ter uma afinidade natural com o partido no poder. Ou talvez seja apenas o universo a conspirar a favor da estabilidade governamental.

Em 2017, seduziu-nos com a tentadora promessa de uma comunicação pública vibrante, uma aproximação à imprensa que se previa anual. Ilusão, meus amigos, puro e simples ‘babete’. 

Cinco meses. Quinhentos e catorze mil e duzentos e oitenta segundos. Ou se preferirem, o tempo suficiente para a cólera ter ceifado mais de setecentas vidas em Angola, transformar lares em velórios e hospitais em cenários de guerra. E o nosso Presidente da República? Bem, parece só ter descoberto agora a tragédia que assola o seu próprio povo. As centenas de mortos, os milhares de infetados, o pânico generalizado… Mas se pensa que estas primeiras declarações foram por iniciativa própria, que foi para deixar uma mensagem de solidariedade a todos os que perderam um ente-querido, ou para acalmar os espíritos ainda que com promessas vazias, engana-se rotundamente. As primeiras palavras sobre esta crise, meus caros, foi numa reunião, de iniciativa da Zâmbia, e claramente não foram dirigidas aos angolanos.


E pronto, mais um 27 de Maio a passar ao lado, ou melhor, a ser "celebrado" com o habitual teatro de sombras que já se tornou a marca registada da nossa tão propalada reconciliação nacional. 48 anos, meus caros, e as perguntas continuam a pairar no ar como moscas varejeiras num dia de calor. Quem, como, porquê? Perguntamos nós. Mas a única resposta que obtemos é o eco das nossas próprias vozes. Aqui há uns anos o Presidente, num rasgo de magnanimidade, veio a público pedir perdão. Foi lindo. Comovente até, se não fosse o facto de, em bom rigor, as acções que se seguiram transformarem esse pedido numa espécie de piada de mau gosto. Posteriormente criou-se a tal CIVICOP, uma comissão que, em vez de lançar luz sobre os recantos obscuros da nossa história, parece ter como principal missão escavar os esqueletos de um certo partido político.

Vinte e três anos. Tempo suficiente para gerar uma nova geração, para ver árvores crescerem, para, quiçá, aprender a lição. Mas não, caro ouvinte, não para a distribuição de energia elétrica neste país. Afinal, vinte e três anos depois do último tiro, da última bomba, do último grito de desespero da guerra, o executivo ainda empunha o fantasma do conflito como a derradeira justificação para a escuridão persistente. Enquanto o resto do mundo avança em energias renováveis e redes inteligentes, por cá, a guerra que acabou quase no século passado continua a ser o bode expiatório perfeito para a falta de luz em muitos lares. Segundo o ministro da energia e águas as infraestruturas eléctricas obsoletas são herança das décadas de guerra em que houve sabotagens constantes. Poderíamos pensar que todo este tempo de "paz" teria servido para reconstruir, para modernizar, para planear. Mas não. Serviu, para quê? Para pilhar.