Da água envenenada à fome extrema: que mal fizemos?
Para surpresa de um total de zero pessoas “o país africano mais importante para os EUA” foi olimpicamente coado da tomada de posse do novo inquilino da Casa Branca. Levando em conta que Joe Biden não teria lançado tal pérola baseado numa opinião pessoal, mas porque estrategicamente os ‘yankees’ assim o consideram, terá sido difícil para alguns perceberem o motivo do ‘coamento’. Entretanto, terá igualmente servido de consolo o facto de nenhum outro país africano, importante ou não, ter sido convidado. Tal como já se perspectivava isso é apenas uma pitada de como deverão ser as relações entre as terras do tio Sam e os países africanos. Mas o que de facto deve ter causado alguma urticária foi o facto de Donald Trump ter ameaçado - e efectivado logo de seguida - a revogação de dezenas decretos assinados pelo seu antecessor.
Sobre o corredor do Lobito, felizmente, ainda não se ouviu um ‘ui’. Esperemos que assim continue e que os investimentos na nossa menina dos olhos não sejam mais uma vítima dos humores do magnata. Mas esperemos para ver… E, se em Portugal existe o deputado que supostamente tem como hobby o furto de malas em aeroportos, por cá temos o deputado ‘mixeiro’. Na verdade, são bué, mas este teve o azar de ter sido apanhado. O deputado da Unita decidiu mixar com o carro protocolar, colocou-o ao serviço de rent-a-car, o carro sumiu e as consequências chegaram. Perdeu definitivamente o mandato sob a acusação de conduta indecorosa lesiva dos deveres e da dignidade da função parlamentar. Se espremerem bem essa tal “conduta indecorosa” com certeza não há de sobrar muita gente na casa das leis. Ainda na Assembleia a proposta que regula a disponibilização e consumo de bebidas alcoólicas foi aprovada com todos os sóbrios deputados a levantarem a mão. Portanto, a partir daqui escolas e bares, hospitais e restaurantes, roulottes e unidades policias ou militares que ocupam o mesmo espaço terão de tirar na sorte quem fica e quem sai. Enquanto isso, problemas mais sérios continuam a dar-nos dor de cabeça… Se tem algo que poderia fazer uma população diante de um surto de cólera rir — se não fosse trágico — é a solução brilhante que o Governo encontrou para enfrentar a epidemia: distribuir água! Mas, como toda boa piada vem com um ‘plot twist’, a água distribuída pelo Governo também não tem condições. Afinal, quando a qualidade da água que deveria curar mais parece um novo tempero para a enfermidade, não há como não se perguntar: quem foi o génio que teve a brilhante ideia? Não que alguma vez se tenha distribuído água propriamente pura, mas desta vez conseguiram chegar ao cúmulo. Os números continuam a somar, já contamos com 783 casos e 35 óbitos e cinco províncias já foram fustigadas pela vergonhosa doença.
Vergonhosos igualmente são os números relativos à pobreza. Se a cólera em conjunto com a distribuição de água suspeita não dizimarem os angolanos, a forma como somos (des)governados certamente o vai. Coincidentemente ou não, os últimos oito anos têm sido catastróficos para os angolanos. De acordo com dados do World Poverty Clock mais de 11 milhões de ‘mwangolés’ vivem em extrema pobreza, mais de cinco milhões dos quais entraram para este grupo durante o consulado de João Lourenço. De acordo com a plataforma, Angola figura entre os 12 países no mundo onde o ritmo de criação de pobres é maior do que o número de saída dessa condição. Estes dados não devem surpreender muita gente. As ruas estão repletas de testemunhos dessa crise. Mas, para mal dos nossos pecados, mais do que despreocupado, quem nos governa parece insensível a esta realidade. Afinal é ou não possível dar uma reviravolta a esta situação tão crítica? Qual é a solução para tirar os angolanos deste martírio?
*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 24 de Janeiro de 2025
Enquanto na Assembleia sonham, o Ministério da Saúde está a ‘desconseguir’ lidar...