A soma zero da economia

03 Sep. 2018 Sem Autor Opinião

Em toda a economia global, o potencial de automação parece enorme. A ‘Speedfactory’, a fábrica da Adidas na Baviera, vai empregar 160 trabalhadores para produzirem 500 mil pares de sapatos por ano, uma taxa de produtividade cinco vezes maior do que nas unidades fabris típicas de hoje. O British Retail Consortium (Consórcio do Comércio Retalhista) estima que os empregos, no comércio a retalho, poderiam cair dos três milhões para os 2,1 milhões em dez anos, se apenas uma pequena fracção for substituída por novos empregos no comércio online. Muitas empresas de serviços financeiros prevêem reduzir os empregos no processamento de informações para uma pequena fracção.

No entanto, apesar de tudo isso, o crescimento médio da produtividade nas economias desenvolvidas diminuiu. Uma possível explicação, recentemente admitida por Andrew Haldane, economista-chefe do Banco da Inglaterra, é que, enquanto algumas empresas rapidamente captam novas oportunidades, outras fazem-no apenas lentamente, produzindo uma ampla dispersão de produtividade mesmo dentro do mesmo sector. Mas essa dispersão, sozinha, não pode explicar a desaceleração do crescimento da produtividade.

Analisar em como a tecnologia pode ser aplicada aos empregos actualmente existentes é olhar para o lugar errado. A chave do paradoxo da produtividade pode, em vez disso, ser encontrada nas actividades para as quais os trabalhadores deslocados se movimentam. David Graeber, da London School of Economics, argumenta que cerca de 30% de todo o trabalho é realizado em “porcarias”, desnecessárias para produzir bens e serviços realmente valiosos, mas surgem por causa da competição pelo rendimento e pelo ‘status’.

Graeber vê o mundo na perspectiva de um antropólogo, não de um economista. Mas a frase “porcaria de empregos” e o seu foco em trabalhadores desmotivados que fazem trabalho sem sentido podem desviar a atenção do desenvolvimento essencial: trabalhadores individuais podem considerar estimulantes e valiosos muitos empregos que não podem, em conjunto, contribuir para o bem-estar total.

Suponha, por exemplo, o leitor, que se preocupasse apaixonadamente com os objectivos de uma instituição de caridade, tivesse um talento para arrecadar fundos e aumentasse, com sucesso, o número de doações disponíveis da instituição beneficente. Provavelmente se sentiria motivado, mesmo que tudo o que fizesse fosse desviar dinheiro de outra instituição de caridade sobre a qual outro captador de fundos igualmente motivado era igualmente apaixonado.

A questão económica crucial, portanto, não é se os empregos individuais são de “porcaria”, mas se executam cada vez mais uma função distributiva de soma zero. A dedicação, capacidade, esforço e tecnologia não podem aumentar o bem-estar humano, dada a dedicação, capacidade, esforço e tecnologia aplicados no outro lado do jogo competitivo.

Numerosos trabalhos enquadram-se nesta categoria: criminosos cibernéticos e especialistas em informática contratados por empresas para repelir ataques; advogados (pessoais e corporativos); grande parte da negociação financeira e gestão de activos; fiscais e funcionários das finanças; publicidade e marketing para construir a marca X às custas da marca Y; políticos rivais e ‘think tanks’; até professores que procuram garantir que os seus alunos atinjam notas mais altas.

Medir que parte de toda a actividade económica é de soma zero é inerentemente difícil. Muitos empregos envolvem actividades verdadeiramente criativas e meramente distributivas. Actividades de soma zero podem ser encontradas em todos os sectores. Os dados disponíveis sugerem que as actividades de soma zero cresceram significativamente. Como Gary Hamel e Michele Zanini indicam, num recente artigo da Harvard Business Review, cerca de 17,6% de todos os empregos nos EUA, 30% de todo o rendimento, são de funções ‘de gestão e administração’ que provavelmente envolvem uma actividade significativa de soma zero. Enquanto isso, o emprego em empresas financeiras e de ‘serviços empresariais’ aumentou de 15% para os 18% de todos os empregos nos EUA nos últimos 20 anos e de 20% para os 24% da produção medida.

Hamel e Zanini argumentam que, se pudéssemos apenas eliminar os trabalhos desnecessários de gestão, a produtividade poderia aumentar. Mas o crescimento das actividades de soma zero pode ser mais inerente do que se acredita. Como o progresso tecnológico nos torna cada vez mais ricos, em termos de muitos bens e serviços básicos - carros, electrodomésticos, refeições em restaurantes ou telefonemas -, pode ser inevitável que mais actividades humanas sejam dedicadas à competição por activos e pelos rendimentos disponíveis.

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À medida que a nossa capacidade de produzir bens de alta qualidade, com menos pessoas, aumenta, o valor pode vir a ficar cada vez mais em marcas subjectivas, e as empresas passarão a dedicar recursos a actividades como análise de mercado, engenharia financeira e planeamento tributário. Eventualmente, quase todo o trabalho humano pode ser dedicado a actividades de soma zero.

Independentemente de os robôs conseguirem ou não ter inteligência humana, é esclarecedor considerar como seria uma economia se pudéssemos automatizar quase todo o trabalho necessário para produzir bens e serviços que o bem-estar humano exige. Existem duas possibilidades: uma é um aumento dramático no lazer; a outra é que cada vez mais trabalho seria dedicado à competição de soma zero. Dado o que sabemos sobre a natureza humana, o segundo desenvolvimento parece desempenhar um papel significativo.

Tal economia provavelmente seria muito desigual, com um pequeno número de especialistas em TI, estilistas de moda, criadores de marcas, advogados e operadores financeiros a ganhar enormes salários.

De acordo com John Keynes , teríamos resolvido “o problema económico” de como produzir tantos bens e serviços quanto quiséssemos, mas enfrentaríamos as questões mais difíceis e essencialmente políticas de como alcançar sentido num mundo onde o trabalho não é mais necessário, e como governar, de forma justa, a tendência humana inerente para competir pelo ‘status’. Tentar resolver esses desafios por meio do desenvolvimento tecnológico acelerado e do crescimento mais rápido da produtividade seria como ir atrás de uma miragem.