ANGOLA GROWING
MOISÉS DAVID, PCA DA AGÊNCIA REGULADORA DO OURO

“Ainda não há uma solução técnica para estancar o garimpo do ouro”

Presidente do conselho de administração da Agência Reguladora do Mercado do Ouro explica, em exclusivo ao VE, que o garimpo, a comercialização desregrada e a presença de estrangeiros na actividade são os grandes ‘males’ que o mercado enfrenta por falta de legislação apropriada. Gestor garante, no entanto, haver já acções em curso que ‘prometem’ inverter o quadro.

 

O que mais preocupa a Agência Reguladora do Mercado do Ouro, no processo de valorização dos recursos minerais nacionais?

Recentemente, solicitámos ao Ministério da Geologia e Minas a realização de uma mesa redonda, com o objectivo de analisar algumas situações críticas, identificadas pela Agência no mercado, quer a nível da comercialização, quer a nível da exploração. São situações que, se não forem ultrapassadas, vão tornar a nossa cadeia de valor menos competitiva. Na cadeia de prospecção e extracção, o que mais nos preocupa é a extracção onde foram detectados vários problemas como, por exemplo, a existência de garimpo confirmado; o facto de a maior parte do ouro proveniente desta prática ser vendida em outros países, a exemplo do ouro que sai de Cabinda para o Congo; a existência de estrangeiros nesta actividade e uma série de questões que foram levantadas e que foram discutidas com profundidade e frontalidade.

Neste encontro com o Ministério de Geologia e Minas, que soluções foram encontradas para estancar as situações que enumerou?

Ainda não há uma solução técnica entre nós. Estamos a concertar ideias para que se encontrem medidas que visem estancar os vários fenómenos, porque prejudicam a economia nacional. O importante a reter, a nível da discussão técnica, é que houve a aceitação clara de que há evidentemente garimpo, existem estrangeiros no negócio e que se precisam de instrumentos jurídicos que regulem estas questões. A título de exemplo, para se comprar um determinado mineral, é preciso que se conheça a sua proveniência e as pessoas que estejam nesta actividade devem estar legalizadas. Pensamos que demos um passo significativo no sentido de se colmatar esta lacuna. Outra questão que deve ser resolvida é a múltipla, dispersa e incoerente intervenção pública no mercado do ouro, bem como a errada percepção do grau de intervenção pública necessária para incentivar, corrigir ou ajustar o mercado, visando torná-lo competitivo ou mesmo torná-lo um dos pilares do PIB nacional. Para isso, é preciso iniciar uma advocacia política intensa junto dos departamentos ministeriais que intervêm no mercado, visando uma acção concertada e avisada.

E que aspectos foram tratados em relação à cadeia de valor dos minerais existentes no solo nacional?

Verificámos haver uma incoerência na política fiscal, face àquilo que o Executivo deseja, que é tornar a nossa indústria competitiva e diversificada e agregar valor ao produto de origem nacional. Constatámos também que, na fase de exploração e extracção, que é a primeira fase da cadeia de valor, Angola tem políticas muito semelhantes e competitivas. Já no que toca à cadeia de valor da transformação e comercialização, Angola está muito mal, pois as políticas neste mercado são proibitivas. Incentivam a exploração e exportação de minerais sem transformação, apesar da taxa de exportação de cinco por cento, constante do artigo 276º do Código Mineiro. Ou seja, para o investidor, neste momento, é mais atractivo explorar e exportar o minério sem transformação do que transformar esse activo em Angola, pois custa muito mais, porque paga mais impostos do que exportar sem transformar. É um absurdo que temos de inverter, ainda em 2017.

Das conversas que já manteve com o Governo, que recomendações terão ficado por cima da mesa?

Vamos trabalhar de forma mais acelerada para aprofundarmos esta discussão de acordo com o despacho que recebemos do ministro, estando já em curso um trabalho de campo junto com a Ferrangol, em Cabinda. É preciso que todos sejam incluídos, absolutamente todos, para que a intervenção do órgão regulador seja a mais adequada para os interesses do mercado.

Disse que um trabalho de campo está em curso em Cabinda, visando o combate ao garimpo do ouro. Há outras províncias onde essa prática é acentuada?

Dados de fontes credíveis apontam apenas as províncias de Cabinda e da Huíla. São as mais afectadas, mas podem não ser as únicas. O que se pretende é encontrar o foco do problema e resolvê-lo definitivamente e essa primeira mesa-redonda proporcionou estas condições. Agora é preciso não perder de vista as implicações que cada uma destas questões terá. E uma delas é o de corrermos o risco de vir a impulsionar o garimpo. O que pretendemos é que se paguem impostos capazes de agregar valor à economia e o Executivo vai tudo fazer para que se consiga atingir os objectivos a que nos propusemos.

Há informações segundo as quais existem, em vários pontos do país, explorações em leitos dos rios. Confirma?

Temos informações não oficiais que dão conta da existência desta prática, mas não creio que sejam empresas legalizadas. A prática é feita, na sua maioria, em regiões aluvionares, ou melhor, nos leitos dos rios. Normalmente, utilizam pás, picaretas, enxadas e normalmente os garimpeiros juntam-se em pequenos grupos em zonas isoladas. E, quando conseguem o produto, procuram compradores estrangeiros. A maior parte destes cidadãos fá-lo para satisfazerem algumas necessidades pontuais, ou de sobrevivência, mas existem também os que visam o lucro, sobretudo, quando estão enraizados com pessoas que residem no exterior.

Pensou em criar casas oficiais para a compra do ouro, como acontece com os diamantes?

Uma das estratégias da Agência neste sentido é o de criar o chamado contrato-mandato, em que as autoridades privadas pudessem comprar o ouro proveniente da actividade artesanal, por via da Agência. Temos vindo a celebrar contratos com certas entidades cuja idoneidade é certificada por nós e que estão, neste momento, a avançar neste processo que pode culminar com o estancamento dos garimpeiros. Se o garimpo é crime de acordo com o Código Mineiro, a posse e tráfico de metal é crime. Há que encontrar mecanismos que facilitem o garimpeiro a contactar os agentes para que este possa ser credenciado e exerça a actividade de forma legal na área que lhe for atribuída ou indicada. E só pode ser exercida sob indicação da concessionária nacional, a Ferrangol, desde que, naquela área, não seja possível a exploração industrial.

Porque somente agora se começa a pensar em combater, de forma séria, o garimpo do ouro, quando até há relatos de que a prática não é nova?

A Agência está obrigada, dentro das suas atribuições, a identificar estas situações e buscar soluções para o problema. Mas é óbvio que não deve ser apenas a Agência a trabalhar. É preciso a envolvência colectiva para se encontrar uma solução consentânea. Envolvemos os sectores das províncias afectadas e todas as entidades que intervêm na cadeia de valor, para que tenhamos uma noção abrangente do mercado, o que vai permitir fazer chegar ao Titular do Poder Executivo uma proposta tecnicamente mais bem elaborada, descurando a forma como se actuava anteriormente.

Pode estimar quantas toneladas de ouro o país perde anualmente devido ao garimpo?

Se tivermos de falar só de receitas directas, as informações que temos rondam em três toneladas de ouro, que são exploradas ilegalmente em Angola e que saem das nossas fronteiras com destino à Tanzânia, Dubai e a outros países. O que pressupõe perdas em termos de valores que podem rondar os 126 milhões de dólares.

Quais os outros metais com maior impacto para além do ouro?

A prata, mas existe outra área, apesar de não ser específica do ouro, mas que permite que, por essa via, possam sair metais preciosos. Tem que ver com a área de refinação, a exemplo da fundição de certos metais, como a sucata, portanto, o país não ganha quase nada com isso. Exportam-se grandes barras de alumínio, cobre, zinco chumbo e muitas outras ligas metálicas em que uma tonelada ronda os 20 mil dólares, como é o caso do estanho no mercado internacional. Por isso, precisamos de olhar com seriedade para certas matérias e perceber o quanto o país perde. A transformação de 500 quilogramas de ouro, multiplicado por 40 dólares por grama resultaria em muito dinheiro. E todos os envolvidos no negócio teriam ganhos directos consideráveis. Sem esquecer que as barras nos facilitariam negociar financiamentos com menores custos no mercado internacional. A outra forma seria a introdução deste ouro na joalharia, cujo valor seria 50 vezes maior do que o valor inicial da grama, devido à agregação de outros metais que faz o produto tornar-se mais caro.

Falando sobre a instituição, quais são os propósitos que estiveram na base da criação da Agência Reguladora do Mercado do Ouro?

É uma forma de desconcentração do poder público. A agência foi criada em 2014, com a principal missão de regular e fiscalizar toda a cadeia de valor do mercado do ouro. Desde a extracção, refinação, comercialização e industrialização, bem como a sua utilização como instrumento financeiro. Tem ainda, por obrigação, zelar pela racionalidade da exploração deste metal para as próximas gerações. É tutelado pelo Ministério da Geologia e Minas. Temos um estatuto e grande parte das suas atribuições está prevista no Código Mineiro.

 

A Agência existe há já três anos. Que balanço é que faz do desempenho do órgão até ao presente momento?

Faço um balanço positivo, embora o estatuto da Agência tenha sido apenas publicado no primeiro dia útil do ano de 2014, o que denotou a grande preocupação do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, no sentido de essa instituição tratar das matérias inerentes ao mercado do ouro. Ao ser nomeado e empossado em meados de 2014, o conselho de administração da Agência Reguladora do Mercado do Ouro assumiu, como primeira prioridade, a criação de condições materiais e humanas indispensáveis ao início das suas actividades, o que foi possível nos dois meses seguintes à tomada de posse. A segunda prioridade foi a de saber qual a real situação das políticas públicas nacionais em toda a cadeia de valor do ouro, tendo em conta que este metal foi declarado estratégico e deve trazer benefícios directos para a economia. Para tal, a agência do ouro contou com a ajuda do PNUD que financiou dois estudos comparativos, no valor de 240 mil dólares realizados pela Delloite e a PwC.

Que tipo de informação estes estudos agregam, em termos concretos?

O primeiro estudo comparativo foi o da cadeia de valor em países relevantes, quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista do estágio de desenvolvimento da economia e da cadeia de valor do ouro. Países comparáveis a Angola, tais como Zâmbia, Namíbia, RDC, Gana, Botswana, Tanzânia. Foram analisados aspectos económicos, de financiamento público, cultural e de medidas de política, visando identificar as boas e as más práticas. Já os países comparativamente mais avançados, como África do Sul, Colômbia, Brasil, entre outros, foram analisados visando identificar as boas ou más políticas implementadas, desde a descoberta do ouro nesses países. Nesses estudos, a RDC foi analisada desde 1903, o Gana desde 1933, o Brasil desde 1500, a África do Sul desde 1886, enfim. Já as políticas de Angola para o mercado do ouro foram analisadas desde 1892, altura em que se tomou conhecimento da existência de ouro na região de Cassinga. Posso assegurar que são estudos muito sérios e que tiveram em conta o ‘road map’ aprovado pela Agência Reguladora do Mercado do Ouro. Em minha opinião, estes estudos permitiram ao conselho de administração da Agência definir as linhas de orientação que estão a ser seguidas, pois já sabemos onde queremos chegar, como fazê-lo, que erros evitar e que interesses conciliar.

A agência está somente focada na valorização da cadeia de valor do ouro ou inclui-se aqui os demais minerais existentes no solo nacional?

Não seria coerente falar da cadeia de valor sem integrar os demais minerais. Por isso, foi criada a Agência que abarca todos os metais preciosos, entre eles o ouro, a quina, a prata, o paladium e outros, no sentido de se evitarem lacunas jurídicas e até algumas dificuldades técnicas na certificação de certos artefactos de ouro.

Quer dizer que há um vazio jurídico no actual Código Mineiro em relação à certificação de certos artefactos de ouro?

Não diria um vazio, mas sim uma lacuna, decorrente da falta de conhecimento que existia na data em que se constituiu a Agência. Hoje, com base nos conhecimentos adquiridos, constata-se que regular apenas o ouro, estaríamos a deixar um grande vazio na regulação da cadeia de valores (dos minerais). Por isso, achamos ser do nosso entendimento evoluir para a marcação e certificação dos metais preciosos, até porque o mercado já produz artefactos destes metais.

Acha que o país tem condições que permitam a exploração industrial do ouro?

Os projectos que existem junto do Ministério da Geologia e Minas têm uma projecção específica. Mas sabemos da existência de grandes empresas que estão em fase muito avançada nos projectos que estarão a executar, o que nos vai permitir quantificar as reservas para uma produção industrial. Neste momento, não temos, no país, um projecto de exploração industrial, o que nos leva a concluir que este ouro só pode vir dos garimpeiros e o que temos nas ourivesarias é importado.

O país obedece à tabela internacional de preços?

Sim, por ser um produto cotado na bolsa. Mas o ouro que é comercializado pelas ourivesarias tem o preço livre e a Agência não regula este segmento em termos de preço. Mas estamos também a trabalhar para a regulamentação do mesmo, para que se introduzam elementos de certeza jurídicos no negócio. Mas, desde logo, o vendedor certifica a jóia, através do mecanismo de pulsão que determina o tipo de metal e o teor. E, no encontro com o Ministério de Geologia e Minas, anuímos que é preciso também uma certificação pública. Temos gemas, granadas, diamantes e rubis. Uma vez lapidadas, elas geralmente são agregadas ao ouro, o que torna a cadeia mais competitiva. Mas é preciso que se resolvam algumas questões a nível da manufactura no que respeita aos impostos de exportação, incluindo em relação a matérias intermédias. É preciso que se utilizem os desenhadores nacionais para que as joalharias e ourivesarias sejam mais competitivas.

Quantas empresas são actualmente controladas pela Agência?

Controlamos cerca de 13 empresas, mas pensamos avançar para o cadastro de outras em parceria com os Ministérios do Comércio e da Indústria, para que consigamos uma abordagem mais alinhada.

Acha que Angola já poderá evoluir para o uso do ouro como medida de reserva?

É preciso saber o que acontece com o ouro quando é tido como medida de reserva de valor. A maior parte das pessoas ainda compra o ouro para eventos, questões tradicionais e luxo. Mas há quem também compre o ouro para utilizá-lo como medida de valor, sendo um activo com desvalorização mais lenta e que permite vender a qualquer momento. Precisamos de ter também instrumentos jurídicos que facilitem evoluir para este campo da penhora e fazer pagamentos de dívidas com o ouro. Há ainda a forma de fazê-lo por via do banco central ou para a reserva soberana e, neste campo, nós ainda não estamos em condições de o fazer. Portanto, as nossas previsões indicam que possamos evoluir para este campo até finais deste ano, mas é prematuro dizer que o país estará em condições de produzir ouro que sirva de reserva nacional.

Quais são os grandes desafios para a Agência nos próximos tempos?

Uma das áreas de intervenção do Regulador é, certamente, a da certificação da origem, teor ou toque, a definição de critérios que agreguem um valor acrescentado ou de mudança de posição pautal. Nós e os vários entes públicos que intervêm no mercado do ouro, quer a montante quer a jusante, deveremos trabalhar abertamente, cooperar, quebrar tabus, barreiras burocráticas e de formalidade excessiva e trabalhar no interesse do país, sem o qual não será possível criarem-se as condições necessárias para a fluidez e segurança das transacções de ouro.

 

 

PERFIL

 

 

Moisés David é natural do Huambo, formado em ciências jurídicas com o grau de mestre na antiga União Soviética. Foi vice-presidente da Ordem dos Advogados de Angola entre 2006 e 2009. Aos 19 anos, ingressou no Ministério do Interior, como polícia, tendo chegado ao cargo de assessor do comandante-geral. Trabalhou, durante muitos anos, no Ministério da Indústria e, em 2014, é indicado, por despacho presidencial, para exercer o cargo de presidente do conselho de administração da Agência Reguladora do Mercado do Ouro (ARMO), atrelada ao Ministério da Geologia e Minas.