Angola, um país moribundo, uma inveja eficiente, um processo administrativo claudicante, um país pobre: As causas do nosso subdesenvolvimento (1)

22 Sep. 2021 Opinião
Angola, um país moribundo, uma  inveja eficiente, um processo  administrativo claudicante, um país pobre: As causas do nosso  subdesenvolvimento (1)
D.R

Tem sido recorrente o debate acerca da qualidade de ensino em Angola. Docentes que não sabem ler nem escrever, a Universidade António Agostinho Neto (UAN), que afinal é um “colégio do ensino superior”.

Eu concordo que esteja inepta a qualidade do ensino e, como é uma preocupação recorrente dos cientistas angolanos, pelo menos para os mais sérios, neste artigo, vou além das abordagens, baseando-me na Teoria do Desenvolvimento Económico, com a qual defendi o mestrado (MSc) em 2009 e o doutoramento em 2014. No entanto, não pretendo trazer aqui a complexa ferramenta da matemática/econometria usada na Teoria de Desenvolvimento Económico, mas sim um debate ideológico e robusto.

Quando os meus alunos me pedem para diferenciar – numa linguagem simples – Crescimento de Desenvolvimento Económico, eu respondo-lhes da seguinte forma: “o Crescimento Económico é o que você vê/tem e o Desenvolvimento Económico é o que/como você sente o próprio Crescimento”, isto porque os países pobres podem crescer ad infinitum, mas nunca desenvolver. Como exemplo, poderia aqui falar sobre os cursos de Matemática, Filosofia, Pedagogia que foram encerradas no Isced ou sobre a extinção dos Centros de Investigação Científica nas universidades públicas. Vou usar como exemplo o discurso sobre o Estado da Nação proferido em 2021, pelo ex-presidente José Eduardo dos Santos (JES): “nos últimos dez anos, Angola atingiu os lugares cimeiros da África Subsariana em termos de estabelecimentos de ensino, pois foram abertos, no país, 17 universidades e 44 institutos superiores. Houve investimento equivalente a mais de 480 milhões de dólares em 53 novas instituições escolares para o ensino secundário e técnico-profissional. Todo este esforço visava valorizar os angolanos, tornando-os cada vez mais capazes de, pela via da escolaridade e da formação profissional e académica, atingir níveis mais elevados de bem-estar e de realização profissional, a fim de poderem prestar um contributo mais qualificado ao desenvolvimento económico e social.”.

Apesar das contradições inquietantes, quem não é desenvolvimentista poderia ficar eufórico: veja que foram criadas 61 Instituições de Ensino Superior (IES), em pelo menos 10 anos, ou 5,1 por ano, num país periférico e que acabava de sair de um intenso conflito armado. Mas faz todo o sentido se pensarmos que, para o Governo “ter” era mais importante do que “ser IES”, sendo um trade off, inclusive no ensino secundário e técnico-profissional, que tem muitos “quadros” sem qualidade, mas que exercem importantes funções neste sector do Estado (público e privado). Foi o que o presidente JES disse em 2012: “…Começaram por investir para aumentar a quantidade e agora impõe-se que haja mais investimento para melhorar a qualidade do ensino que é prestado nas nossas escolas”. Ora, aqui está uma evidente prova de que Angola não se poderia desenvolver no longo prazo, pois ensino não é quantidade (o que se tem), mas qualidade (o que/como sentimos o que temos). Afinal, como é possível gerar sumo bom a partir de frutos não bons?

O problema é que a má qualidade de ensino tem tido efeito multiplicador na nossa política desenvolvimentista, pois impacta negativamente na elaboração de leis e na execução das políticas públicas, principalmente as de foro económico. O problema é que nós – com pouquíssimas excepções – somos frutos de um ensino moribundo, da baixa capacidade produtiva das nossas instituições públicas e privadas; de um mérito que, na maioria das vezes, fica em segundo plano; directa ou indirectamente, somos todos frutos da UAN. Ou seja, a baixa qualidade de ensino é um processo em cadeia que impacta na baixa qualidade de saúde, na baixa qualidade dos processos administrativos, na baixa qualidade alimentar, na baixa qualidade do debate político, na baixa qualidade institucional, afecta à eficiência da nossa política externa. Inclusive os estrangeiros que “importamos”, com pouquíssimas excepções, possuem baixa qualidade, fruto da qualidade que temos em avaliar esses “importados”. Por outro lado, fruto de nossa baixa qualidade de ensino temos um país com altíssimo nível de inveja; alto índice de nepotismo e de corrupção; pessoas com altíssimos cargos técnicos, mas com baixa abstracção: primeiro o cargo, depois o estudo, o que justifica a alta perseguição e bloqueio aos pouquíssimos quadros qualificados. Para piorar o cenário, hoje estamos diante da multiplicação de cursos de pós-graduação, cujo foco, muitas vezes, não está na qualidade: estamos a formar especialistas sem especialidade, mestres sem mestrado, doutores sem PhD e, o que é gravíssimo, é que muitos já são funcionários com cargos relevantes nas instituições mais relevantes do Estado. Então, a questão não é que falta dinheiro, pois, se não temos dinheiro para fazer cursos com qualidade, como justificaríamos a drenagem de dinheiro para cursos sem qualidade? Veja só o que fazemos com os tais CAPAD! Alguém que é racional pode justificar a sua relevância para o nosso desenvolvimento? Porque temos um Estatuto de Carreira Docente do Ensino Superior (Decreto Presidencial n.º 191/18, de 08 de Agosto), se tem sido constantemente atropelado por todas as IES angolanas? Portanto, o contraditório não pode estar baseado na covid-19, na crise financeira, mas num tête-à-tête científico, até porque, se Angola é um país subdesenvolvido e “é pobre porque é pobre”, a culpa é da matemática e da econometria que a maioria dos nossos “desenvolvimentistas económicos” não domina!

José ,  Manuel Marcolino

José , Manuel Marcolino

PhD em economia