Crimes financeiros em tempos de covid-19

29 Sep. 2020 Opinião

Perante os novos desafios trazidos pela pandemia covid-19,  as autoridades governamentais viram-se obrigadas a redefinir as suas prioridades, dando mais enfâse à implementação de medidas que visam, primeiramente, preservar a saúde e segurança das pessoas, conter o alastramento do covid-19 e, por outro lado, medidas destinadas a assegurar a sustentabilidade das empresas e suportar o mercado de trabalho durante um período de reduzida actividade económica.  Segundo um relatório publicado pelo BIS - Bank for International Settlements, um terço da população mundial esteve em confinamento e aproximadamente 300 milhões de trabalhadores a nível mundial estiveram a trabalhar remotamente, com destaque para funcionários de instituições financeiras. Neste cenário, a resiliência operacional impõe-se como um dos grandes desafios enfrentados pelas organizações.

 

Assim, neste contexto de contingência, as instituições financeiras enfrentaram, e ainda enfrentam, grande dificuldade em manter a estrutura de Prevenção ao Branqueamento de Capitais e Combate ao Financiamento do Terrorismo (PBC/CFT) desenhada para o business as usual. O principal desafio prende-se à necessidade de garantir que os processos e procedimentos que foram desenhados para execução no local de trabalho, sejam executados à distância com o mesmo rigor. Uma estrutura de controlo de PBC/CFT mais vulnerável é propensa ao surgimento de riscos associados a: (1) uma menor capacidade de realização de procedimentos de diligencia, o que leva a uma utilização abusiva dos produtos/serviços financeiros disponibilizados; (2) aumento da fraude financeira e das burlas devido à incerteza económica e aos receios causados pela pandemia; (3) maior recurso ao financiamento através da economia informal; (4) maior oferta de investimentos fraudulentos, nomeadamente,  sob a forma de esquemas Ponzi; (5) aumento de cibercrimes resultante do aumento massivo de operações financeiras realizadas à distância (online).

Assim, é necessário que as instituições, utilizando uma abordagem baseada no risco, implementem um conjunto de acções que dêem resposta a estes desafios, nomeadamente: i) implementar planos de continuidade de negócios em resposta à crise que incluam a implementação de medidas PBC/CFT; ii) protocolos claros de trabalho à distância que garantam o pleno funcionamento das suas actividades, mesmo em tempos de incerteza económica; iii) promover uma utilização responsável dos serviços financeiros digitais; iv) definir um grupo de trabalho capaz de lidar com aspectos específicos desta crise no âmbito do quadro de PBC/CFT actualmente em vigor, avaliando o impacto da pandemia nos riscos e sistemas de PBC/CFT; e v) rever os processos e procedimentos instituídos garantindo que estes contemplem situações de contingência, desta forma minimizarem impactos de outras crises.

Decorridos sete meses após o início do confinamento, as instituições continuam a sentir os impactos da pandemia covid-19, sendo expectável que este efeito seja duradouro. Por isso, é crucial que os Compliance officers implementem medidas de curto prazo, visando adaptar os seus processos e procedimentos de controlo a um ambiente de trabalho remoto e digital, sem descurar os desafios de médio e longo prazo que passam pelo maior alinhamento da função de compliance a uma agenda de transformação digital.

 

Cláudia Sanchez, Senior Consultant EY, Business Consulting Services

Bruna Santos, Consultant EY, Business Consulting Services