E agora pergunto eu...
A versão radiofónica deste espaço (na Rádio Essencial) depois dos acontecimentos no Cafunfo perdeu grande parte do sentido... Falava no último vídeo do presidente brasileiro em mais uma das suas exibições de vulgaridade, ordinarice, falta de educação e incapacidade de compreender as suas funções de representante máximo de uma nação ao mandar jornalistas para sítios indizíveis. E dizia que “tão mau ou pior, era ver-se a sua entourage bater palmas e a encorajar efusivamente o espectáculo infeliz, e com isso a convencerem-no de que está a fazer um bom trabalho por demonstrar a boca suja que tem. Lembra aqui os nossos batedores de palmas que encorajam também o chefe esteja ele a dizer que o MPLA é o maior ou a dizer que o MPLA é o maior ninho de marimbondos (que ele vai caçar). Se o chefe disser que vai mandar a sua PGR prendê-los todos com ou sem provas no dia seguinte, vão continuar a rir e a aplaudir efusivamente porque assim dita o hábito. Questionado sobre quando vai falar com o presidente brasileiro, Joe Biden, o novo presidente dos EUA riu-se. Dizia que se fosse brasileira, estaria envergonhada pela representação e liderança do meu país mas dizia também que “como às minhas origens misturadas não faltam motivos de embaraço, o melhor é mesmo como diz o ditado “não rir do vizinho porque o nosso mal está a caminho” ou já cá está, há muito tempo infelizmente...” dizia isto na sexta-feira passada antes de ler sobre as mortes em Cafunfo, na província da Lunda-Norte, e as tentativas de justificar o injustificável que são prova cabal de que os males cá estão.
E se a falta de informação fiável e os saldos (em número de mortos) conflituantes seriam motivos para não nos apressarmos a tirar conclusões sobre os acontecimentos, a verdade é que essa falta de fiabilidade é fruto da falta de confiança no que dizem as autoridades. As mesmas que disseram que o jovem morto nas manifestações em Luanda estava vivo, as mesmas a quem são atribuídas cerca de 40 mortes injustificáveis como a do médico (que por sua vez caiu e morreu sozinho) e as mesmas que continuam a justificar comportamentos à pelotão de fuzilamento com argumentos tão infantis como “atentado ao poder” e com imagens de “armamento usado para rebelião” igualmente duvidosas. O facto de haver novamente registo de mortos por causa de uma manifestação (seja pela motivação que for) e cujo direito está previsto na Constituição da República, é mais do que suficiente para que se lamente os acontecimentos. Assim como é de lamentar mais um comunicado da polícia que trata seres humanos como gado indisciplinado merecedor de qualquer castigo, incluindo abate.
Na semana passada, este espaço falava em choque geracional entre esta velha guarda empedernida (referindo-me aos Bolsonaros que por aí andam) que pensam que demonstrações de boçalidade equivalem a demonstrações de força, e por isso, ao que se espera de um líder. Mas ante os acontecimentos em Cafunfo, da tentativa abjecta de os justificar e do silêncio tumular de quem de direito (quem nos lidera e nos representa), perante imagens de polícias a pisarem a cabeça de cidadãos ensanguentados no chão, falar da boçalidade nas terras alheias, torna-se também vergonhoso.
Este espaço falava de manifestações desse conflito geracional em Angola e em todo o mundo, falava nas formas diferentes em como ela ocorre, nos jovens que cada vez mais saem para as ruas para exigir mais e melhor das lideranças e online em que as manifestações são mais imediatas do que nunca. Falava noutras formas como a guerra fria entre os jovens que através de plataformas mais informais de apostas em bolsa conseguiram virar ao contrário o mundo dos tubarões veteranos de Wall Street, que estão habituados a fazer milhões de dólares em bolsa muitas vezes através do assassínio de empresas, (uma história melhor contada na editoria de gestão do Valor Económico). Demonstrações de que antiguidade por si já não é posto e que os veteranos podem bem ser batidos por jovens por não fazerem a leitura dos tempos modernos, e por continuarem na arrogância de que o poder é para ser exercido de acordo com a vontade de quem manda em vez de exercido em prol da maioria... A vontade de quem manda no nosso caso ditou a desgraça de Isabel dos Santos (continuava este espaço entretanto desactualizado por eventos mais relevantes). A ex-mulher mais rica de África, que um ano depois do publicitado Luanda Leaks caiu da lista dos bilionários africanos, e escrevia a Forbes a propósito que, quando os milhões vêm de países com governos autoritários, não se tem segurança na riqueza acumulada. Isto porque pode chegar amanhã um outro autoritário qualquer e desfazer o que o autoritário anterior fez e com isso os investimentos feitos sofrerem. Esta, a imagem de que o nosso é um país com um sistema de governo autoritário, em que os investidores não têm segurança e podem passar de bilionários a falidos se o governo assim entender, é uma mensagem tão forte e tão famosa quanto a queda em desgraça de Isabel dos Santos. Talvez mais. E agora pergunto eu, uma mensagem com que custo? E, com que ganhos práticos para a maioria dos angolanos? Há alguns que ganharam receio porque são funcionários das muitas empresas que Isabel dos Santos criou e não sabem por quanto tempo se vão manter, mas ganhos, esses continuam a cingir-se aos egos e às vinganças de uns poucos. Emprego que é bom nada, apesar da confusão que se gerou à volta do anúncio do INE sobre o número de empregados que (sem culpa para os técnicos do INE coitados que pediram encarecidamente a ajuda da media) levou à conclusão enganosa e risível da criação de 6 milhões de empregos. Os 6 milhões dos mais de 15 da população activa, referem-se a empregos no sector da agricultura, produção animal e pescas, que sabemos carregado de informalidade e por isso bastante exposto à crise violenta que o país atravessa. Quase 5 milhões desses 15 da população activa estão desempregados.
O autoritarismo a que a Forbes se referia ganhou no comunicado da polícia sobre as mortes em Cafunfo, mais um atestado. Palavreado preso no tempo da guerra de há mais de duas décadas, ausência de qualquer intenção de apuramento sério de responsabilidades (como aliás tem acontecido), demonização dos mortos, uma parcialidade que infantiliza a sociedade em geral e uma total ausência de respeito pela vida dos mais vulneráveis por parte de quem os devia proteger. As instituições castrenses são vitais e necessitam de uma reforma e de uma despartidarização que estas lideranças empedernidas, que insistem em justificar atropelos e com isso em incentivar violência e mortes, se demonstram incapazes de fazer. Se há perguntas quanto ao que se passou, há pelo menos uma certeza, tem de haver responsabilização.
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