ANGOLA GROWING

E agora pergunto eu...

24 Mar. 2021 Geralda Embaló Opinião

Depois daqueles 10 minutos de televisão deprimentes na quinta-feira e de percebermos todos que o palco será dado a todos quantos tiverem opiniões negativas e degenerativas sobre o líder da Oposição, as perguntas entre nós embicam todas para a mesma direcção...

E agora pergunto eu... o lixo nas ruas, que depois de uma chuva que transformou várias zonas da cidade em rios e lagos sujos, que espalhou larvas por todo o lado, que arrastou crianças e causou mortes, será que esse lixo, que entope o saneamento da capital do país, é diferente do lixo que verte das cabeças que mandam na propaganda, e que, de vez em quando, somos obrigados a suportar? O que será dos angolanos cercados de lixo por todas as frentes?

É que o nojo que causa um e outro e as consequências em termos do desenvolvimento cívico do país são semelhantes. A diferença é talvez que, no caso do lixo na rua, existe a possibilidade de o manter pelo menos fora de casa, se as janelas com mosquiteiros e portas se mantiverem fechadas aos maus cheiros e mosquitos perigosos vindos da rua. Porque, no caso do nojo causado pelo que chamam jogo político, que serve para justificar qualquer ignobilidade, desse lixo, nem fechados em casa com janelas e portas lacradas conseguimos escapar, ele entra pela TV, travestido de notícia importante, entra pelos telefones carregados de redes, e não é fácil evitar.

No entanto, e apesar do que depois do noticiário se viu de insultos à TV de todos nós, a culpa, querido leitor, não é da TPA. Quanto mais não seja porque é evidente que a TPA não é a autora moral daquela tragicomédia. A TPA, como os outros meios, é apenas um palco. Alguém organizou aquela sala como espaço de conferência para prestação daquela ‘importante’ informação de interesse público, algo que seria bom organizar para explicar, por exemplo, qual é o plano para salvar a vida das pessoas das cóleras, febre tifóides e das malárias que por aí vêm, agora que o lixo ‘molhou’... Mas não, alguém chamou (ou intimou) os meios de comunicação a lá estarem para sentarem e ouvirem diatribes, alguém definiu que tempo de antena seria destinado ao suposto histórico do maior partido na oposição que, ao contrário do líder do partido que ninguém vê falar na televisão há algum tempo, falou tudo o quis ou que tinha na agenda para falar.

Contei 13 microfones, caça-palavras e telefones para gravar as importantes palavras da sumidade aí por 10 minutos. Tente lembrar-se, querido leitor, quando foi a última vez que tiveram metade desse tempo de antena um Adalberto ou um Chivukuvuku, que são líderes inequívocos da mesma oposição de que o Sr. no palco dizia ser membro. É irritante ouvir a contextualização feita ao tema, como se, em meio a tanto lixo e tanta desgraça que ameaça a sobrevivência dos angolanos, aquilo tivesse dignidade de noticiário das 8, como devia ter a fuga de angolanos com fome para os países vizinhos e que os jornais namibianos destacaram na semana que passou. Mas é preciso lembrar que a TPA não deve ser o recipiente das nossas frustrações com o deteriorar do espaço público cívico e de direito. E não deve ser o alvo a abater, porque como se tem visto, onde o poder político põe a mão-estraga. O que é de facto problemático é mesmo a interferência directa, o controlo sobre a informação que nos é veiculada, os memorandos como o que o Novo Jornal estampou e que circulavam online a decidir a pauta e quem fala sobre a revisão constitucional que o PR propôs. Tudo interferências aberrantes em democracia. E esta é uma questão de Estado, de fraqueza de instituições, não é culpa da pobre TPA, coitada.

Não sei se muita gente se apercebeu, mas os jornalistas da TPA tiveram um momento feliz, um estado de graça, em que também eles acreditaram que o ‘sr. ordens superiores’ tinha desaparecido com a retirada do anterior presidente. Era, nessa altura, visível a vontade de fazer jornalismo, de buscar trazer notícias com relevância para a esfera pública, de fazer a fiscalização da gestão pública, de a questionar, de buscar respostas. Era visível nas reportagens, nas perguntas mais incómodas aos detentores do poder político e que tomam decisões que de facto afectam a vida das pessoas. Era visível na cobertura aos eventos da oposição que, não sendo equitativa, pelo menos começava a aparecer. Era notória essa vontade de fazer diferente da parte dos profissionais dos meios públicos, e de passar de facto a fazer serviço público na plenitude. Também eles acreditaram, coitados, nos discursos políticos da nova era da abertura e da liberdade de impressa que rapidamente se esfumou.

Imagine um animal de circo enjaulado que é finalmente tirado da gaiola e goza então a luz do sol e a liberdade do pasto, para pouco depois ser encaminhado de volta à gaiola onde sempre esteve e de que saiu afinal apenas para que fosse pintada com uma cor diferente, mas que continua tão pequena, escura e limitadora como sempre foi.

Os profissionais da TPA acreditaram, como acreditou a maioria, que seria diferente, melhor, que não teriam de obedecer ao abjecto ordens superiores nunca mais...

A revolta dirigida em forma de insultos, principalmente à TPA, é mal dirigida porque o problema é o poder político não são os meios que são usados pelo poder político.

Os meios são obrigados a entrar no tal jogo que não se importa com regras, com deontologia, com o mínimo decoro e atropela todos os assuntos. O jogo político é o responsável pelas linhas mestras, pela pauta que é entregue aos meios e que aos meios não resta alternativa senão cumprir.

Podemos perguntar, então aquele Sr. acusa, cadê o contraditório? Mas a resposta a essa questão está evidente na abertura do palco a todos os que venham vilipendiar a imagem da Oposição independentemente de terem legitimidade para o fazer. Ontem era português, depois oportunista, depois tribalista, depois pedófilo, assassino mentiroso, se isso continuar a não resultar, amanhã será certamente canibal, zombie, criador do vírus, como vi online a gozarem com o assunto. E ainda o período pré-eleitoral está no começo. Havemos de ver ainda muito lixo produtor de larvas até às eleições, e infelizmente, não só nas ruas, mas também a entrar-nos casa dentro... Prepare o nariz, querido leitor, porque, como dizia o brasileiro do excelente filme Tropa de Elite, “Vai fedeeerrrrr com todos os errressss”. Esperando que se sinta com coragem para aguentar, aqui ficam os votos de boa semana.

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico