Melhorar a educação em Angola

A urgência de bem ensinar

23 Jun. 2021 Opinião

Há exactamente duas semanas, deixei por aqui a minha opinião sob o titulo ‘Melhorar a Educação em Angola Agarrando o Toiro pelos Cornos’. Não tendo qualquer outra intenção que seja diferente do bem ensinar e dum futuro para a nossa criançada deixei para quem pensa e entende esta língua em que nos comunicamos a ideia de encerrar o ensino primário por um ano. Durante essa pausa, ir-se-iam treinar os professores para que daí para a frente o ensino primário passasse de 5% de eficiência teórica para 90% de eficiência prática.

Foi simplesmente isso que “propus” a quem de direito que se fizesse para o bem do país. Para corrigir o que está mal e, para um futuro melhor.

O que não esperava era a quantidade de respostas de ambos extremos do diapasão. Houve um número escandaloso de discordantes apesar de haver muito mais concordantes. O curioso foi ter a oportunidade de, ao ler os discordantes, ter conseguido encontrar um denominador comum: quase todos eles me deixaram com a impressão de usarem a nossa língua veicular duma forma muito modesta e, por vezes, medíocre, enquanto os que francamente pareciam concordar com a reforma extremista a que me propunha eram usuários mais esclarecidos. Recebi alguns telefonemas de amigos que, em sumário, me fizeram recordar que a “era da utopia” já se encontrava fora do prazo, já havia expirado. Porém, o artigo foi lido por muito boa gente.

Em linhas gerais, até fiquei convencido de que o artigo foi bem aceite, e pude notar que até pode ter sido o catalisador duma semana em toda a gente abordou a educação como um factor fundamental para satisfazer o nosso desejo de avançar. Quando digo “o nosso desejo”, refiro-me ao desejo das massas que gritam por melhor educação em condições melhoradas. Embora também se pronuncie a favor, custa acreditar que esse seja o desejo de quem manda. Como anotei no princípio deste parágrafo, dois dias depois de o ter publicado, Gustavo Costa publicava um artigo no qual dizia “só mudaremos se, tomando a educação como a base do desenvolvimento da sociedade e não a agricultura como sustentava Agostinho Neto, formos capazes, desde logo, de avançar para a construção de um edifício novo no domínio educacional e do ensino transversal a várias gerações”. No sábado, na primeira página do Jornal de Angola, sob o olhar silencioso do general João Lourenço, o “executivo anunciou a construção duma rede de escolas de referência”. No domingo, na primeira página do ‘Jornal de Angola’, a escritora Cremilde de Lima afirma categoricamente que “uma criança que não lê não se cultiva”. Será uma preocupação renascida com a educação uma prioridade para o governo?

Assim sendo, podemos até pensar que estamos todos virados para o mesmo tema. Assim sendo, e tendo recebido perguntas especificas de vários leitores, vou sem me dirigir a alguém em particular dar algumas respostas que acredito serem de fácil elaboração. Vou deste modo satisfazer as perguntas relacionadas com o financiamento do que havia proposto.

O que ouvimos todos os dias é o executivo falar de crise. Eu pergunto, qual crise? De tal maneira que hoje a palavra crise já não nos amedronta ou intimida. Crise tornou-se tão vulgar que até já é comestível ao pequeno-almoço daqueles que conseguem tê-lo. A sério, por causa da crise o meu “mata-bicho” está reduzido a fruta. Assim sendo temos que engendrar maneira de a aliviar. Afinal de contas, a maior crise que temos é a da educação.

Os nossos deputados têm uma vida faustosa e “a larga”. Para além dos elevados salários injustificados pelo que realmente fazem, são pagos por fundos públicos. Se tivermos em consideração que todos os deputados são funcionários dos partidos que representam, deveriam começar a ser pagos pelos seus partidos. Assim sendo, o salário dos 220 deputados seria uma fatia considerável para apoiar o projecto de melhorar a educação. E, deveríamos começar exactamente por aqui para que os contribuintes começassem a acreditar na boa vontade política para que o projecto avance. Para assim aumentarmos a credibilidade da nossa “instituição mãe”.

Associados aos salários existem outros benefícios associados que definitivamente pesam no orçamento e que poderiam ser descarregados para o projecto de melhorar a educação. Na cave do edifício da Assembleia Nacional existe um restaurante onde se servem diariamente centenas de refeições aos deputados e associados a muito baixo custo. Ainda se almoça da Assembleia por menos de mil kwanzas regado com garrafas de vinho a um quarto do preço que os contribuintes pagam pela mesma garrafa no mercado nacional. Essas refeições e bebidas são em geral subsidiadas pelo governo duma forma assustadora. Eliminando-se esses subsídios, o pote para a reforma da educação melhora um ‘coxito’.

A urgência de bem ensinar

Não menos significativo é o leque de subsídios adicionais, incluindo duplicação de residências, uniformes (fatos e gravatas) empregados domésticos, condutores, e a frota de veículos e despesas associadas, incluindo manutenção e combustível. O governo deveria de imediato por a frota a venda em hasta pública, tendo os actuais usuários o direito de aquisição prioritária, pois não queremos deputados sem transporte privado (eles não gostam do transporte público). Assim, não só se arrecadariam fundos imediatos, mas acabava-se com o gasto de manutenção e combustível. E essa medida seria extensível a todos os cargos públicos a excepção duma fracção de meia dúzia de carros para cada ministério. Essa medida para além de satisfazer o desejo dos contribuintes iria ajudar substancialmente o pote da reforma da educação.

Poder-se-ia ainda falar da despesa militar e relacionados que para um país em paz e sem ambição de fazer qualquer tipo de guerra é demasiado pesado no OGE. Há espaço para cortes substanciais. Essa preocupação de animar a festa e interferir nos problemas dos vizinhos dos grandes lagos não traz nada de positivo ou benéfico para os cidadãos nacionais. Fala-se em prestígio, tal qual uma carinha bonita e maquilhada porém com as cuecas rotas e por engomar.

Com todas estas poupanças podemos formar melhores professores para caracterizar o futuro da nossa juventude. Para serem o suporte da rede de escolas de referência que o general quer edificar. Com melhores professores certamente que teremos melhor educação e o resultado serão melhores gestores até para desenvolvermos a agricultura como profetizou Agostinho Neto.

Falta o financiamento de infra-estrutura. Com o presente ‘boom’ do preço do petróleo, certamente não faltará dinheiro para edificar as salas de aulas em falta. Desde Janeiro que o preço do nosso petróleo está acima dos U$60/barril. Tendo o valor orçamentado sido U$45/barril, há um excedente de pelo menos U$15 milhões por dia acumulando nesta altura um excedente de cerca de U$3,000 milhões. Eu acredito que com menos de trinta por cento deste montante poder-se-á facilmente construir todas as salas de aulas em falta nesta condição de emergência. E ainda sobrarão fundos para quaisquer emergências que possam advir, bem como fortalecer o financiamento do professorado no futuro próximo. É que após o treino dado aos professores, o seu salário será no mínimo o dobro do actual de modos a mantê-los encorajados para que se elimine a falta honestidade que existe no sector da educação. Os professores têm que ver o seu salário ajustado para que se esqueçam de alguns hábitos menos bons.

E graças a esse excedente que acabará certamente num futuro mais próximo do que gostaríamos, temos ainda a obrigação de solidificar os gestores das escolas e com eles as equipas de nutrição para que refeições adequadas sejam servidas aos nossos filhos. Teremos que ter gestores escolares profissionais, uma vez que a era dos professores falhados e oportunistas a fazerem de directores deverá chegar ao seu termo.

Isto será um plano abrangente que beneficiará a educação nacional. Certamente que irá a longo prazo melhorar o nível da educação dos nossos cidadãos. Porém, e de importância significativa são os benefícios imediatos a nível de consumo da sociedade. Os professores com o salário melhorado irão injectar muito mais dinheiro no mercado através do seu consumo, o que acabará por beneficiar o estado através da colecta do IVA. A construção acelerada de escolas irá tirar a indústria de construção e da metalo-mecânica da paralisia em que se encontram. Essa actividade ajudará a massajar o mercado de emprego no curto prazo. O movimento para treinar os professores fora do seu local de trabalho irá dar vida e melhorar a indústria hoteleira de todas as cidades do país. Só benefícios. Mais a recolha melhorada de IVA. Benefícios para todas as partes envolvidas, até para o próprio estado.

Sr. General, o país precisa de actos de coragem. E, nós até sabemos que o Sr. tem peito. Eu acredito que esta postura ir-lhe-á ajudar no futuro imediato. Os filhos do país agradecerão. Os pais, também. E nós, que dentro de alguns anos deixaremos de existir, partiremos em paz por termos deixado viva uma esperança de futuro. Afinal de contas a melhor maneira de combater a corrupção é darmos aos nossos filhos uma educação digna de respeito para que eles não caiam nessa maldita teia e quebrem assim a corrente dos maus hábitos. Afinal de contas, só assim iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

 

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola