A continuidade contaminada pela covid-19

17 Jun. 2020 Opinião

No início da nova década, poucas organizações esperavam enfrentar um desafio tão grande quanto o da nova pandemia de coronavírus (covid-19). Embora a possibilidade de uma pandemia global fosse considerada um risco para muitas organizações e países durante décadas, a covid-19 foi um choque para a sociedade, sistemas de saúde, empresas, economias e governos em todo o mundo. Talvez não seja exagerado dizer que nenhuma organização estava verdadeiramente preparada para os desafios que a covid-19 lhe impôs, de forma tão imediata e impactante, não obstante se reconhecer que algumas organizações, seja pela natureza das suas operações ou pelos investimentos efectuados (na transição para o digital, por exemplo), conseguiram, de alguma forma, adaptar-se mais rapidamente e implementar planos de contingência com maior efectividade.

As ameaças comerciais e económicas do surto de coronavírus continuam. A proibição de viagens foi imposta a milhões de pessoas e muitos países continuam com medidas de confinamento da sua população, impedindo o regresso à tão desejada normalidade. Muitas empresas estão a ser confrontadas com perdas significativas de receita, cadeias logísticas interrompidas, desafios de teletrabalho, entre muitos outros desafios que condicionam, de forma significativa, as actividades.

Em tempos sem precedentes, e reconhecendo que a saúde e a segurança das pessoas em todo o mundo são claramente a prioridade, existe necessidade de não desvalorizar, neste contexto, a necessidade de continuar a conferir transparência ao relato financeiro. Numa fase de inúmeros riscos e incertezas, existe uma necessidade vital de informações confiáveis que permitam salvaguardar a confiança dos stakeholders, sendo que a transparência do relato financeiro assume um papel fundamental neste contexto. Para o público em geral, a existência de consequências no relato financeiro das organizações em resultado do surto pandémico pode não ser evidente, no entanto, não devemos desvalorizar que há um papel importante e desafiador para aqueles que estão envolvidos no processo de preparação de demonstrações financeiras, nomeadamente para os comités de auditoria, conselhos fiscais e para os auditores. De entre outros, elencam-se cinco assuntos considerados prioritários ao nível do relato financeiro: continuidade das operações e liquidez; avaliação de imparidades; efeitos de modificações em contratos; mensurações de justo valor; e apoios governamentais.

Pela relevância, focamos aqui os assuntos relacionados com a continuidade e liquidez. Compreensivelmente, os accionistas e os órgãos de gestão interrogam-se sobre se as suas organizações dispõem da necessária resiliência para responder ao choque provocado pela pandemia, em particular se a estimativa de fluxos de caixa para os próximos 12 meses será suficiente para assegurar a continuidade dos negócios. Devido ao carácter imprevisível dos impactos potenciais, podem existir circunstâncias que indiciem a existência de uma ou mais incertezas significativas que podem colocar em causa a capacidade da empresa em continuar o curso normal de negócios. Se a empresa, contudo, prepara as demonstrações financeiras com base neste pressuposto de continuidade, a divulgação dessas incertezas afigura-se obrigatória. A dimensão em que estas considerações são necessárias e as conclusões dessa avaliação dependerão inevitavelmente das circunstâncias de cada caso, pois a situação afecta as empresas em diferentes formas e/ou extensão. Poderão ser necessários julgamentos significativos e uma actualização contínua das avaliações atendendo à natureza evolutiva dos efeitos da pandemia.

Vivemos tempos sem precedentes numa escala global. Um relato financeiro tempestivo e contendo divulgações apropriadas sobre os efeitos potenciais na posição financeira, no desempenho e viabilidade dos negócios, bem como as medidas adoptadas para gerir os riscos são importantes para recuperar a confiança nestes tempos de incerteza.