A transformação digital de que África necessita
Muitos países africanos reagiram de forma rápida e eficaz para atenuarem os riscos sanitários e económicos decorrentes da covid-19. Menos bem documentada é a agilidade com que os intervenientes privados e públicos da região adaptaram as suas práticas digitais face às restrições relacionadas com a pandemia. Mas os casos de sucesso são espectaculares.
Por exemplo, as transferências monetárias móveis interpessoais no Ruanda quadruplicaram durante o primeiro mês de confinamento, entre meados de Março e meados de Abril de 2020, quando os pagamentos 'contactless' se tornaram no 'novo normal'. Para abrandar a transmissão do coronavírus, 'starr-ups' inovadoras desenvolveram soluções digitais, como a aplicação remota móvel Diagnose Me no Burquina Faso e as ferramentas para triagem da covid-19 na Nigéria. Os ministérios da Educação de pelo menos 27 países africanos implementaram plataformas de 'e-learning' para os estudantes afectados pelo fecho das escolas.
Com efeito, os africanos empreendedores e com experiência em tecnologia, já muito antes da pandemia, desenvolviam respostas digitais às necessidades crescentes do continente. Já tinham reformulado os modelos de negócio de muitos sectores, desde o financeiro ao comércio electrónico, à agricultura, ao ensino e à saúde, e criaram mais de 640 pólos tecnológicos activos na região.
Mas estes extensos recursos empresariais, e as oportunidades criadas pela revolução digital global, não serão suficientes para alimentar a transformação económica prevista na Agenda 2063 da União Africana. Em especial, é tal a magnitude do desafio de criação de emprego para África, que as histórias isoladas de sucesso não conseguirão melhorar substancialmente os números.
À medida que o número de africanos com idades entre os 15 e 29 anos e com ensino secundário ou superior concluído subir dos actuais 77 milhões para uns previstos 164 milhões em 2040, a procura por mais empregos continuará a crescer. Por si só, o sector digital de pouco adiantará: tipicamente, as 'start-ups' criam poucas oportunidades, normalmente para inovadores altamente qualificados. A solução reside na disseminação generalizada da inovação digital por toda a economia no seu conjunto.
Por conseguinte, desencadear a criação em larga escala de empregos em África requer políticas que transportem soluções digitais para a economia não-digital. Porém, embora oito em cada dez países africanos já tenham adoptado estratégias para a digitalização, estas tendem a concentrar-se maioritariamente no sector digital. Na edição de 2021 do Africa’s Development Dynamics, no relatório conjunto da Comissão da União Africana e do Centro da OCDE para o Desenvolvimento, propomos quatro princípios fundamentais para ajudar os governos na reorientação e no fortalecimento das suas estratégias de digitalização.
Primeiro, os legisladores têm de promover a disseminação da inovação digital para todos e não apenas para os que habitam nas grandes cidades. Apesar de se prever que 73% dos africanos viva em cidades de média dimensão e em áreas rurais em 2040, hoje apenas 35% dessas cidades estão a menos de dez quilómetros de uma rede terrestre de fibra óptica de alta velocidade. Do mesmo modo, apenas 25% dos habitantes rurais do continente tem acesso à internet, comparativamente a 35% na Ásia e 40% na América Latina. O acesso universal às tecnologias digitais também requer a melhoria generalizada da acessibilidade aos dados. Actualmente, só 17% da população de África consegue pagar um 'gigabyte' de dados por mês, comparativamente a 37% na América Latina e Caraíbas e 47% na Ásia.
Uma segunda prioridade consiste em preparar a mão-de-obra africana para adoptar a transformação digital. Perto de 45% dos jovens acredita que as suas competências são inadequadas aos seus empregos. Segundo as tendências actuais, os trabalhadores independentes e familiares serão responsáveis por 65% do emprego total da região até 2040, comparativamente a 68% em 2020. O aparecimento de novas formas de trabalho na economia digital será responsável por grande parte deste crescimento e apela a um enquadramento regulamentar sólido e a regimes de protecção social universais, especialmente para os trabalhadores independentes que dependem de disposições contratuais inseguras junto de plataformas electrónicas.
Terceiro, os governos precisam de ajudar as 'start-ups' e as pequenas e médias empresas africanas na adopção das ferramentas digitais mais eficazes para competir e inovar na era digital. Só 31% das empresas no sector formal de África tem um 'website', comparativamente a 39% na Ásia e 48% na América Latina e Caraíbas. E apenas 17% dos empreendedores nascentes de África esperam criar pelo menos seis empregos, a percentagem mais baixa de qualquer região.
Por último, os legisladores têm de se coordenar a nível regional e continental. As estratégias nacionais de digitalização não podem funcionar isoladamente. A integração das economias digitalizadas do continente na Zona de Comércio Livre Continental Africana apela à cooperação supranacional em áreas que incluem a tributação digital, segurança de dados, normas de privacidade, fluxos transfronteiriços de dados e interoperabilidade. Hoje, só 28 países africanos dispõem de legislação para protecção de dados pessoais, e apenas 11 adoptaram leis concretas sobre a cibercriminalidade. Estes países deveriam partilhar com o resto do continente as suas experiências e as lições que aprenderam.
A digitalização progride a bom ritmo em África, mas o desenvolvimento dos seus benefícios requer políticas públicas ousadas e coordenadas. Com a crise da covid-19 a perturbar provavelmente a economia global durante mais algum tempo, os líderes africanos deveriam dedicar-se à implementação dos componentes críticos da Estratégia para a Transformação Digital de África para navegarem os desafios e as oportunidades do futuro.
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