Mário Pezzini
Director Centro de Desenvolvimento da OCDE e Conselheiro Especial do secretário geral da OCDEEstes são tempos difíceis para a cooperação internacional. Com a ascensão do proteccionismo, o aumento das disputas comerciais e uma preocupante falta de atenção para com os interesses partilhados, como as mudanças climáticas, o mundo parece estar a voltar as costas ao multilateralismo. Porém, a cooperação continua a representar uma das nossas melhores esperanças para resolvermos os complexos desafios da humanidade relacionados com o desenvolvimento. Tal como o Plano Marshall reconstruíu uma Europa destruída pela guerra e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio retiraram perto de 471 milhões de pessoas da pobreza extrema, a agenda internacional para o desenvolvimento ainda poderá apresentar resultados, graças ao potencial combinado da Agenda de 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Agenda de Adis Abeba para a Acção, e do acordo de Paris sobre o clima. Mas esta agenda não pode continuar a usar o pensamento e as ferramentas tradicionais para avaliar países que já não se definem como “em desenvolvimento” ou “mais carenciados”, apenas porque ultrapassaram um determinado limiar em termos de rendimento ‘per capita’. Este desafio é especialmente intenso na América Latina e nas Caraíbas, onde vários países conseguiram um maior PIB ‘per capita’, mas ainda enfrentam vulnerabilidades significativas e obstáculos estruturais à prosperidade de longo prazo. Como pode a comunidade internacional ajudar países como estes, a converterem os ganhos de rendimento em ganhos de desenvolvimento sustentáveis? Como podem as experiências e as lições destes países ser partilhadas com países em situações semelhantes? A resposta consiste na adopção de um novo e melhor conjunto de ferramentas para avaliação de desafios e implementação de soluções – uma abordagem que apelidámos de ‘desenvolvimento em transição’. Neste enquadramento, quatro áreas essenciais apelavam uma atenção imediata e sustentada. Primeiro, as partes devem alterar o modo como avaliam o progresso. Os indicadores comummente usados e relacionados com o rendimento, como o PIB ‘per capita’, são demasiado restritivos para capturar as complexidades do estado de desenvolvimento de um país e é por isso que são necessárias novas abordagens e metodologias. As medidas de bem-estar e as lacunas de estruturas, por exemplo, elaboram uma melhor descrição da saúde socioeconómica, que também deve incluir o ambiente. Os dados sobre a qualidade de vida, a sustentabilidade, os cuidados de saúde, o ensino e outras métricas são melhores orientadores do planeamento para o desenvolvimento do que os níveis de rendimento encarados isoladamente. Segundo, como não existe uma abordagem única ao desenvolvimento humano, os países devem desenvolver estratégias ajustadas às necessidades. Além disso, o planeamento eficaz para o desenvolvimento requer processos participativos que recolham as contribuições de intervenientes regionais e locais e que sejam sensíveis ao bem colectivo e global. Os melhores planos combinam as ambições nacionais com o reconhecimento das realidades económicas globais e incluem prioridades e compromissos que permitem aos governos alguma flexibidade na implementação. Para manter a coerência e promover a cooperação internacional, devem estar ancorados na Agenda 2030. Terceiro, os países devem resolver o dilema do financiamento, que surge à medida que o desenvolvimento avança. Quando as economias alcançam rendimentos mais elevados, são frequentemente confrontadas com a diminuição dos fluxos de ajuda oficial ao desenvolvimento e de outras fontes de capital. Mas como muitos países têm rácios de receitas fiscais sobre o PIB relativamente reduzidos, a mobilização de recursos nacionais para os gastos com o desenvolvimento pode ser difícil e obrigar a cooperação internacional, para conceber e implementar reformas fiscais que mantenham a estabilidade macroeconómica, ao mesmo tempo que melhoram a saúde socioeconómica. Finalmente, o mundo precisa de novas formas de cooperação. Em muitas áreas, os sistemas de governação regional e internacional ultrapassaram o bilateralismo. Os países devem aprofundar as parcerias existentes e esforçar-se por criar parcerias novas. As opções para um maior envolvimento incluem a cooperação Sul-Sul e triangular, a partilha de conhecimentos, as transferências de tecnologia e a discussão de políticas entre pares. Pela primeira vez, a Agenda 2030 fornece um conjunto de indicadores universalmente aceites, para que todos os países possam comunicar nos mesmos parâmetros. Neste espírito reformista, as nossas organizações uniram esforços para a criação do Centro Regional para o Desenvolvimento em Transição na América Latina e Caraíbas, uma iniciativa concebida para ajudar os países da região a cumprirem os objectivos de desenvolvimento, enquanto evoluem para rendimentos mais elevados. O centro, que for criado para apoiar os países à medida que identificam, concebem e implementam soluções alinhadas com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, pode ser uma etapa importante no caminho para a Segunda Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul (BAPA+40), que se realiza no próximo ano em Buenos Aires. Mas, para terem êxito na melhoria dos resultados do desenvolvimento, os países devem estar motivados por algo mais que o interesse próprio. Como referiu em Maio, secretário-geral da ONU, António Guterres, na 37.ª Sessão da Comissão Económica da ONU para a América Latina e Caraíbas, um dos melhores modos para fazer isso consiste em redefinir os parâmetros do próprio desenvolvimento. Não poderíamos estar mais de acordo. Numa era em que os benefícios do multilateralismo estão a ser questionados, precisamente quando nos aproximamos dos limites ecológicos do planeta, a desigualdade de rendimentos é crescente e a inovação e a tecnologia estão a transformar o modo como as pessoas aprendem e trabalham, o mundo precisa de uma abordagem à globalização que seja mais equitativa e cooperativa. E uma das melhores maneiras de conseguir isso é com um modelo de desenvolvimento sustentável que não deixe ninguém para trás. Alicia Bárcena Ibarra, Secretária executiva da Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas da ONU Stefano Manservisi, Director-Geral Cooperação e Desenvolvimento Internacional da Comissão Europeia Mario Pezzini, Director do Centro de Desenvolvimento da OCDE
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