Alimentação, inflação, desinformação
A redução da oferta mundial de cereais e fertilizantes constitui, em simultâneo, fator de inflação e larga insegurança alimentar. Qualquer alteração nestes dois itens impacta fortemente para melhor ou para pior. Até aqui ainda não foi possível determinar com rigor como está a produção e stocks em vários países. Mais fácil tem sido constatar dificuldades logísticas: transportes mais caros e com alguns limites, armazenagem afetada pelo fator transporte e pelo encerramento de empresas do ramo, efeitos de outras parcelas da inflação e – muito influente – a fake news desorientadora.
A informação é um dos principais custos de transação. Não são apenas os neo-institucionalistas quem o considera. Sem informação confiável sobre o estado do mercado, inovações e contexto, as empresas ou atividades funcionam no escuro. Especuladores e ditadores procuram obter esse tipo de “funcionamento”, manipulando a estatística ou simplesmente espalhando dados falsos.
Embora as agriculturas não tivessem parado, nem sequer diminuído de forma significativa, durante a pior fase da pandemia os preços de uma vintena de produtos essenciais subiram na maior parte do planeta, num momento de alta no desemprego. Governos com mais capacidade financeira introduziram subsídios ou condições especiais ao consumo. A mudança nos níveis de segurança sanitária permitia prever novas oportunidades para a agricultura e mesmo uma nova visão sobre o valor estratégico do agro-alimentar. Visão que os grandes centros de decisão sempre tiveram mas, intencionalmente ou não, pouco tornavam público e, nos piores casos, nada faziam para lhe garantir estimulo ou assegurar a simples existência do setor.
Em quase todos dos países africanos, qualquer modelo de desenvolvimento terá de começar pelo agro-alimentar. Atualmente, África é dos maiores clientes de produtos agrícolas tanto de países desenvolvidos como de países de desenvolvimento intermédio. Com duas características convergentes: a importação traz inflação consigo, não importar causa inflação por escassez.
A guerra da Ucrânia, agravou a inflação com dois eixos centrais – energia e alimentos – e contribui cada vez mais para o aumento da insegurança alimentar, conforme demonstra a correta informação de agencias internacionais, inclusive já com milhões de pessoas adicionais na linha abaixo da pobreza. Não é novidade que todas as guerras são esforço total, ou seja, inserem a economia como frente de combate muitas vezes decisiva. A decisão na Ucrânia pode vir daí.
Entretanto, não há decisão à vista. Assim, teremos de trabalhar com os dados conhecidos para garantir informação económica correta em defesa contra a escassez e a consequente alta nos preços. Não vai ser fácil. Primeiro, porque há empresas, ou até países, alegres com a paralização dos fornecimentos ucranianos de cereais, na medida em que podem ter pretexto para elevar os preços. Entre esse tipo de empresas estão não apenas produtoras e distribuidoras, mas também algumas transportadoras internacionais. Segundo, porque prosseguem as restrições burocrático-policiais à circulação de mão de obra necessária ao funcionamento da agricultura e toda a logística ligada, sejam trabalhadores não especializados ou altamente especializados. Terceiro, está em andamento uma criminosa campanha mundial de desinformação sobre a agricultura ucraniana: de um lado, aqueles interesses alegres em arranjar pretexto para subirem preços, alegando a ausência da Ucrânia no mercado mundial; do outro lado, interesses que negam a importância dessa ausência.
A falta do produto ucraniano pode ter influência real nos preços mundiais, mas em valores abaixo dos correntes se vários países produtores escoassem mais fatias dos seus stocks sem afetar seus próprios níveis de segurança. Muito provavelmente o peso é inferior à escassez de fertilizantes. Porém, ironizar que a Ucrânia é “apenas” o sétimo, oitavo ou nono produtor mundial e a sua produção é de “apenas” 62 milhões de toneladas, é propaganda que desqualifica o propagandista. Na base de uma tonelada por pessoa/ano são 62 milhões de pessoas. A mencionada convergência de informações corretas aponta para 200 milhões adicionais já sub-nutridos.
O que os dois lados revelam nesta guerra de narrativas é extremo desprezo pelos pobres.
O abastecimento alimentar mundial nunca foi equilibrado. Qualquer nova redução de fornecimento ou elevação de preços só pode agravar. É tão óbvio que até custa escrever uma observação tão elementar.
Então, gerir políticas públicas de segurança alimentar implica uma atualização permanente dos stocks mundiais, onde eles estão e como aumentar a nossa própria autonomia, em produção, distribuição e regulação. Neste caso para impedir que as notícias dos falsificadores influenciem nos comportamentos internos, ampliando a inflação e a pobreza.
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