Angola e as relações económicas internacionais
Do ponto de vista das relações económicas internacionais, a China é sem dúvidas o principal parceiro económico de Angola. O gigante asiático é o principal receptor das exportações angolanas avaliadas em 14 mil milhões de dólares em 2015 e foi a principal fonte das importações angolanas num valor de 2.9 mil milhões de dólares em 2015, detém 75% da dívida externa de Angola. Portugal sempre foi e continua a ser a principal fonte das importações angolanas, avaliadas em 4,2 mil milhões de dólares em 2014 e 2,8 mil milhões de dólares em 2015 (o único ano em que foi suplantado pela China). A África do Sul é o sexto maior destino das exportações angolanas, representaram cerca de dois mil milhões de dólares em 2015, e ocupa a nona posição em termos de origem de importações, que, em 2015, geraram cerca de mil milhões de dólares.
Sendo Angola uma economia ainda fortemente dependente de importações e a África do Sul uma economia diversificada e competitiva, vizinha e com o melhor sistema de logística e distribuição da região austral, não se percebe porque é que Angola prejudica os seus consumidores (menor bem-estar) importando um conjunto de bens e serviços de países com menor vantagens competitivas. Certamente que a política de linhas de crédito que Angola adoptou desde o fim da guerra, em 2002, explicam por que razão Angola tenha de importar obrigatoriamente certos bens e serviços de países como a China, Brasil e outros. As relações Angola-China são bastante desfavoráveis para Angola e o novo Presidente tudo deve fazer para ir reduzindo esta excessiva dependência.
O Presidente da República cometeu uma gafe quando, no seu discurso inaugural, apresentou uma lista restrita de países com os quais gostaria de manter relações privilegiadas, pois, nenhum dos seus homólogos presentes na cerimónia viu o nome do seu país referenciado na lista em causa. Entre os não citados destacaram-se a África do Sul e Portugal. Ao ter seleccionado a África do Sul como o seu primeiro destino, João Lourenço agiu diferente do indicado no discurso e soube corrigir boa parte da gafe. Há bons sinais de que Angola vai finalmente valorizar mais o comércio com os seus vizinhos (SADC) e a África no geral.
Apelos para que os sul africanos e não só venham investir em Angola não têm faltado. Porém, devemos ter em conta que qualquer investidor se move pelo lucro. Quando se fazem apelos aos investidores estrangeiros para virem investir cá, no fundo, está a dizer-se que estes investimentos estarão associados a um retorno igual (no mínimo) ou superior ao que seria obtido se fosse realizado no país de origem. De acordo com os dados da balança de pagamentos, entre 2002 e 2016, os angolanos investiram cerca de 200 mil milhões de dólares lá fora, ao passo que os estrangeiros só investiram cerca de 176 mil milhões de dólares durante o mesmo período. Como explicar isso aos investidores estrangeiros? Se o país é bom para se investir porque é que os próprios angolanos preferem investir lá fora? Uma das duas: ou Angola não é um bom país para se investir (baixo retorno ou falta de seguração dos investimentos) e os estrangeiros também não vêm, ou estes investimentos visam o branqueamento de capitais pelo facto de o dinheiro ter origem na corrupção. Se analisarmos os dados oficiais sobre o IDE em Angola para um período de 12 anos (entre 1990 e 2001), chegaremos à conclusão que o capital estrangeiro obtém um retorno médio anual de 37% cá em Angola, ao passo que o capital angolano no estrangeiro obtém um retorno médio anual de apenas 4%. Isso demonstra que os angolanos não foram propriamente à procura de rentabilidade lá fora, tratou-se mais de branqueamento de capitais.
Os investidores (incluindo grande parte dos países citados pelo Presidente angolano) não vêm para um país onde há esses níveis de corrupção, onde os parceiros empresariais são simultaneamente políticos/juízes/generais no activo/legisladores (PEP). Ninguém vem investir numa economia que não consegue estabilizar o quadro macroeconómico, são decorridos três anos desde o início da crise, mas a instabilidade cambial continua, o câmbio é administrado mesmo com poucas reservas internacionais líquidas, a moeda local só é convertível na base de influências, há riscos de maiores desvalorizações cambiais, e é quase impossível repatriar dividendos. Os problemas estruturais (falta de água, energia, estradas, pontes, aeroportos funcionais, etc.) são outros dos constrangimentos, embora eles possam ser resolvidos com a própria capacidade de a economia atrair investimento directo estrangeiro (IDE). Angola vem sempre justificando o adiamento à Zona de Livre Comércio da SADC com base no princípio da indústria nascente ou infantil. Os bebés precisam primeiramente de um cuidado especial para crescerem, ganharem músculo e só depois podem ir para o ringue competir.
Angola viveu quase duas décadas na base de um regime político socialista e que coadunava com um sistema económico de planificação central onde a figura do empresário não existia. Em 1992, já na base do regime democrático e do sistema de economia de mercado, a figura do empresário era permitida, mas o país ainda continuava em guerra e isso reflectia-se na destruição do seu capital humano e físico (infra-estruturas). Não obstante o país já estar em paz há 15 anos, os adiamentos persistem.
O argumento da indústria nascente/infantil é reconhecido e até mesmo aceite pela OMC, mas já não faz mais sentido algum Angola continuar a socorrer-se dele para justificar as sucessivas moratórias. São já decorridos vários anos de protecção, mas a indústria continua infantil e é a economia menos competitiva da SADC, perde até mesmo com o Congo Democrático. Os interesses instalados são tão fortes que os lobbies têm sempre ido no sentido de estar sempre a retardar-se a adesão. Estamos diante de adultos que têm medo de competir, querem continuar com os privilégios (proteccionismo). Os empresários angolanos precisam agora de competir para ganharem músculos. ‘‘O caminho faz-se caminhando’’, já dizia o poeta António Machado. Os consumidores têm sido os maiores perdedores e os vendedores os maiores vencedores da não adesão. Em termos líquidos, o bem-estar social diminui.
Angola não tem como cortar relações estratégicas com Portugal, pelo menos no curto prazo. As realidades destas relações anulam qualquer discurso político que se faça contra elas. O peso económico das relações Angola-Portugal tem sido e continuará a ser negativamente influenciado pelo posicionamento estratégico da China e pela crise económica que assola a própria economia angolana. As exportações de Portugal para Angola reduziram praticamente em metade só nos últimos dois anos (2016 e 2017). A concorrência continuará a aumentar e será ainda mais forte nos próximos anos. A livre circulação de pessoas entre Angola e a África do Sul é a mais recente ameaça.
Economista e investigador do CEIC
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