A ANPG e o licenciamento em terra

06 Oct. 2021 Opinião

Uma vez mais, a montanha pariu um rato. Uma mão cheia de blocos em terra, para os letrados cá do burgo ‘onshore’, foi posto a disposição para a exploração de petróleo e gás, e falhou. O licenciamento falhou no seu propósito de atrair empresas multinacionais de exploração e producção de petróleo e gás de nível júnior. Uma empresa júnior, entenda-se, é uma produtora com vários blocos de exploração e que produza uns milhares largos de barris de petróleo por dia. Qualquer empresa júnior de petróleo e gás produz petróleo e/ou gás.

 

A ANPG e o licenciamento  em terra
D.R

Gastaram-se somas elevadas na promoção desses blocos com o objectivo de se atraírem operadores dignos desse nome para virem investir em Angola e a lista de empresas a quem foram atribuídos os blocos não mostra nada disso. Embora ainda haja quem se interesse na exploração de petróleo, essas organizações não sentiram qualquer atracção pela oportunidade por nós oferecida. Como em todos os falhanços, é conveniente analisar o que se passou para se aprendam lições indisponíveis doutra maneira. E aquilo que os potenciais operadores de dimensão média, por outras palavras júnior, estavam à espera que viesse a acontecer, aconteceu mesmo: não se queriam misturar com amadores nem com partes desconhecidas e suspeitas conluios embaraçosos.

Em diversas ocasiões, foi-se falando da falta de apetite das operadoras-produtoras de petróleo pelas operações em terra em Angola. Num artigo anterior, eu levantei a questão de que a licitação teria o mesmo destino que havia tido a licitação das bacias de Benguela e do Namibe mo mar. E foi isso que se verificou. Não houve nenhum interesse internacional, contrariamente ao que a ANPG divulgou nos diferentes pontos de notícias relacionados com a indústria. Foi também a postura da agência quando no ‘Jornal de Angola’ se falava em empresas juniores internacionais. Quais empresas juniores? Vejamos em análise sumária quem são as empresas seleccionadas para negociarem contractos com a agência.

Para o Bloco CON 1, foram seleccionadas as empresas Somoil, INTANK, MonkaOil e Omega. Embora com muitas dificuldades, a Somoil tem-se conseguido firmar como uma empresa de exploração e produção de petróleos, pese o facto de que somente se aguenta graças ao factor ‘nacional’ e à influência que os seus proprietários têm junto do Governo. É uma empresa ‘boutique’. Num ambiente puramente competitivo, a Somoil já teria falido há muito tempo. Apesar de tudo, quero acreditar que a Somoil tem capacidade para ser operadora. Quanto às outras parceiras, pergunto, porque foram seleccionadas? A INTANK não passa duma prestadora de serviços sem qualquer experiência em exploração de petróleos. Trata-se duma empresa nigeriana (com representação nos States) que tem no seu historial clientes como a Total, BP, Chevron, etc., para as quais forneceu essencialmente serviços de transporte e armazenamento de crude. A MonkaOil é uma empresa de direito angolana que, segundo dados públicos, é uma provedora de informação e dados sobre a indústria. No seu currículo, não tem qualquer actividade relacionada com a exploração e produção de petróleo. Finalmente, está neste grupo a OMEGA RiskSolutions, uma empresa sul-africana que opera em Angola como provedora de serviços de segurança. Estas são as empresas seleccionadas para o CON 1.

Para o Bloco CON 5, foram seleccionadas as empresas MTIEnergy, Prodoil, ProdiamanOilServices, UpiteOilCompany, e Servicab S.A. A operadora seleccionada é a MTI, uma empresa constituída e incorporada em Edmonton, Alberta, Canada, em 18 de Setembro de 2019. A MTI é, na sua melhor perspectiva, uma subsidiária da divisão de serviços de perfuração e intervenção em poços da MiteyTitan Industries Inc. (MTIInc). Portanto, a MTI é, no seu melhor, uma subsidiária duma empresa de serviços e não tem quaisquer qualificações e experiência duma empresa de petróleos para ser uma operadora. Como é que uma empresa com dois anos de existência e sem nunca ter feito, sequer, uma campanha sísmica pode operar um bloco para explorar e produzir petróleo? Isto é um erro de palmatória e quem o fez só pode estar a brincar com o que é de todos nós. E para aqueles que alegam capacidade financeira, a folha de caixa não é de maneira nenhuma que se queira ver muito saudável. Duas outras empresas do bloco, a Prodoil e a Prodiaman pertencem ambas ao camarada Pedro Godinho, explorador do restaurante Veleiro e não me parece que tenham capacidade para fazer exploração pese o facto de a Prodoil ter uma parceria com a Somoil. Quanto à UPITE e à SERVICAB, são, no seu melhor, empresas angolanas de prestação de serviços sem qualquer informação do domínio público. São, portanto, empresas desconhecidas. Fantasmas???

No Bloco CON 6 a operadora seleccionada é a Mineral One e tem como parceiros a Somoil, a AIS, e a Prodoil. A Mineral One é uma empresa de capital angolano criada em 2018 para “prover competência operacional e retorno económico-social, no segmento de negócios de mineração” segundo se pode ler na sua página informativa. Sem qualquer experiência na indústria de petróleo e gás, como pode a agência atribuir-lhes a função de operadora? Será que estamos perante mais um escândalo de todo o tamanho? Quanto à AIS, trata-se de uma empresa estabelecida há uma dezena de anos e está vocacionada ao fornecimento de serviços técnicos de consultoria, incluindo mão-de-obra. A AIS é gerida por BoDontoni, embora não possua os recursos financeiros necessários, está bem posicionado para conseguir quem o apoie e é tecnicamente capaz. Sobre os outros parceiros já falámos atrás.

Para o Bloco KON 5, as empresas seleccionadas foram a MTI, a Sonangol P&P, a Monka e o Grupo Simples. Já falámos sobre a MTI e sobre a Monka. A Sonangol P&P não necessita de apresentação e o que há a dizer é que deveria estar em todos os blocos e se possível como operadora. Tem o ‘know-how’, a experiência, e não deverá ter dificuldades em obter o financiamento necessário. Conhece bem o negócio e tem quadros competentes. O Grupo Simples declara na sua página pública que pretende “Tornar-se a empresa de serviços de petróleo e gás preferida para as operações de seus clientes, prestando serviços com os mais elevados padrões, agregando valor ao seu negócio principal com uma força de trabalho angolana altamente motivada, treinada e competente, sem comprometer a Segurança, Saúde, Meio Ambiente ou Qualidade’. Embora estejam no mercado há bastante tempo e forneçam mão-de-obra as operadoras estrangeiras, não tem a experiencia suficiente para ser tida como uma empresa de exploração de petróleo e gás.

Para o Bloco KON 6 as empresas seleccionadas foram o Grupo Simples e a MTI. Sobre estas duas empresas já tudo foi dito atrás e nada há a acrescentar. O que irá resultar deste casamento de falta de experiência? Que “filhos” esperam parir?

Para o Bloco KON 8 temos a AlfortPetroleum para além do Grupo Simples, da MTIEnergy e da MonkaOil. A Alfort é uma empresa criada em 2007 com o objectivo de prestar serviços a indústria de petróleo e gás, tendo “a posteriori” mudado o seu nome para “AlfortPetroleum”. Durante a sua existência, tudo o que se sabe do seu trabalho foi a venda de petróleo e gás, e a distribuição, marketing e venda de productos tais como gasolina, gasóleo e mazut. Definitivamente, esta experiencia não a qualifica de maneira nenhuma como uma empresa de exploração de petróleo. Não tem qualificações para tal.

Para o Bloco KON 9, foram seleccionadas as empresas AIS, Grupo Simples, e a Brite Oil& Gas, Lda. Sendo as duas primeiras identificadas atrás, vamos ver quem é a Brite. A Brite é uma empresa americana de consultoria para upstream com foco na promoção, identificação, aquisição e desenvolvimento de oportunidades para exploração de hidrocarbonetos. Os serviços que prestam a indústria incluem a geração de prospectos, interpretação sísmica e engenharia de reservatórios. A Brite cobre várias etapas no trabalho de exploração de hidrocarbonetos em geologia, geofísica, reservatórios e engenharia de perfuração. Portanto, a Brite é uma fornecedora de serviços e não uma empresa de petróleo e gás.

Para o Bloco KON 17, a agência deu preferência a MTI, a Brite e a Mineral One. Tendo já falado das duas primeiras, falta-nos ver quem é a Mineral One. A Mineral One é uma empresa angolana criada em 2018 com actividade na indústria mineira. Não existe qualquer referência desta empresa relacionando-a com a indústria de petróleo e gás.

Finalmente o Bloco KON 20 está atribuído à MTI e à Brite Oil& Gas, duas empresas atrás mencionadas.

Como podemos ver, o processo de atribuição de blocos é não só uma “farsa” de todo o tamanho, como também tem em si o cunho da marimbondagem que havia marcado a licitação de 2012. Pelo que me é dado perceber, a ANPG fez um trabalho que em nada abona a indústria nacional e que não dignifica o nosso Governo como sua agente. Acredito que o titular dos petróleos ainda não se apercebeu da maracutaia que lhe foi montada. E, como é óbvio, o general sequer se está a aperceber desta manobra perniciosa. Contrariamente ao que a ANPG pôs a circular, nenhuma operadora internacional de petróleo e gás virá operar em terra, e, nenhuma das empresas seleccionadas (excepto a Sonangol P&P e talvez a Somoil) tem competência técnica ou capacidade financeira para ajudar a desenvolver a indústria em terra. Para além destes dois factores fundamentais, estes “amadores” não têm na sua veia o “commitment” necessário para avançarem, nem o sentido de risco que a exploração de petróleo e gás impõe. Que ninguém se esqueça que se investem facilmente 200-300 milhões de dólares em prospecção sempre correndo o risco de não se encontrarem reservas comerciais. Empresas sem coluna dorsal e bolsos fundos prometem o que não têm na esperança de bonificações do governo, ou de encontrarem pelo caminho um pato bravo que esteja disposto a correr o risco que eles decidiram enfrentar.

Entre os concorrentes pré-seleccionados encontramos empresas com muito menos que cinco anos de existência, sem contabilidade organizada, sem endereços físicos para contactos, sem pessoal qualificado e experiente, sem sequer se poder aferir os seus accionistas por se tratar de empresas anónimas, e sem disponibilidade para colocarem os milhões que prometem investir em “trust”. Afinal de contas, quem está por trás de mais esta manipulação do bem público? Serão os mesmos de ontém, ou os que a coberto de novas amizades influenciam o general com o propósito de obterem oportunidades para as quais não estão qualificados? Com este suruba, não iremos a lado nenhum. Quem estará por trás disto tudo?

Ainda vamos a tempo de reverter esse quadro maleficente. O alargamento da indústria é possível e poderá ser lucrativo sobretudo se houver transparência e selectividade de operadores que o sejam. Tendo em conta o fim próximo da indústria, há que reagir de forma rápida e eficiente. Espero que a ANPG se ajuste com a rapidez devida e se adapte aos dias de hoje. Que traga a transparência que se esperava ao ficar com os direitos de concessionária antes no pelouro da Sonangol. Que se faça um processo de licitação sem os obstáculos e privilégios garantidos a quem só tem o desejo e ambição de se tornar um actor na indústria esperando apoios do estado só por serem nacionais. Que se ponham os blocos a disposição de quem os queira sem os obrigar a ter parceiros nacionais sem a competência que a indústria requer. Essas empresas internacionais irão elas próprias alinhar com quem elas acharem que o devam fazer. Só assim, iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola