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Calmaria antes da tempestade das taxas de câmbio

18 Nov. 2020 Kenneth Rogoff Opinião

Com activos alternativos como ouro e Bitcoin a prosperarem durante a pandemia, alguns economistas importantes prevêem uma acentuada queda do dólar. Isso ainda pode acontecer. Mas, até agora, apesar da inconsistente gestão da pandemia pelos EUA, bem como os gastos a gerarem um gigantesco défice usado para abrandamento da catástrofe económica e da flexibilização monetária que o presidente da Fed (Reserva Federal), Jerome Powell, garante ter "ultrapassado muitas linhas vermelhas", as taxas de câmbio do dólar têm estado assustadoramente calmas. Até mesmo o drama eleitoral não causou muito impacto. Os comerciantes e jornalistas podem estar preocupados com as dificuldades diárias do dólar, mas, para aqueles que estudam as tendências das taxas de câmbio a longo prazo, as reacções, até agora, significam muito barulho por nada.

O euro valorizou-se cerca de 6% em relação ao dólar até agora em 2020, mas isso não é nada em comparação às variações durante a crise financeira de 2008, quando o dólar flutuou entre 1,58 e 1,07 em relação ao euro. Da mesma forma, a taxa de câmbio iene-dólar tem mudado muito pouco durante a pandemia, mas variou entre 90 e 123 ienes por dólar na Grande Recessão. E um largo índice da taxa de câmbio do dólar em relação a todos os parceiros comerciais dos EUA está actualmente próximo ao nível atingido em meados de Fevereiro.

Essa estabilidade é surpreendente, uma vez que a volatilidade da taxa de câmbio normalmente aumenta de maneira significativa durante as recessões nos EUA. A resposta silenciosa das taxas básicas de câmbio tem sido um dos maiores quebra-cabeças macroeconómicos da pandemia.

Economistas sabem, há décadas, que explicar os movimentos da moeda é extremamente difícil. No entanto, a suposição esmagadora é que, no ambiente de maior incerteza macroeconómica global que a maioria de nós já viu, as taxas de câmbio deveriam estar a mudar violentamente. Quando uma segunda onda da covid-19 surpreendeu a Europa, o euro caiu apenas alguns pontos percentuais – uma gota no oceano em termos de volatilidade dos preços dos activos. As negociações de estímulo fiscal nos EUA valem num dia e não valem no outro. Embora a incerteza eleitoral dos EUA esteja a caminhar para uma solução, outras grandes batalhas políticas estão por vir. Até agora, porém, qualquer reacção da taxa de câmbio tem sido relativamente pequena.

Ninguém sabe ao certo o que pode manter os movimentos da moeda sob controlo. As possíveis explicações incluem choques comuns, generosa provisão da Fed de linhas de 'swap' em dólares e enormes reacções fiscais dos governos em todo o mundo. Mas a razão mais plausível é a paralisia da política monetária convencional. As taxas de juros da política de todos os principais bancos centrais estão no limite inferior (em torno de zero) ou perto dele, e os principais analistas acreditam que lá permanecerão por muitos anos, mesmo num cenário optimista de crescimento.

Se não fosse pelo limite inferior próximo de zero, a maioria dos bancos centrais estaria agora a estabelecer taxas de juros bem abaixo de zero, digamos, em menos 3–4%. Isso indica que, mesmo com melhorias na economia, pode levar muito tempo até que os criadores de políticas estejam dispostos a 'descolar' do zero e a aumentar as taxas para um território positivo.

As taxas de juros dificilmente são o único impulsionador das taxas de câmbio; outros factores, como desequilíbrios comerciais e risco, também são importantes. E, é claro, os bancos centrais estão envolvidos em várias actividades parafiscais, como a flexibilização quantitativa. Mas, com as taxas de juros basicamente congeladas, talvez a maior fonte de incerteza tenha desaparecido. Na verdade, a volatilidade central da taxa de câmbio estava a diminuir muito antes da pandemia, especialmente porque todos os bancos centrais contornaram o limite zero. A covid-19, desde então, vem consolidando essas taxas de juros ultra-baixas.

Mas a actual estagnação não vai durar para sempre. Controlando as taxas de inflação relativas, o valor real de um índice amplo do dólar tem apresentado tendência de alta por quase uma década e, em algum ponto, provavelmente irá reverter parcialmente essa média (como aconteceu no início dos anos 2000). A segunda onda do vírus atingiu a Europa com mais força do que nos EUA, mas esse padrão pode ser revertido em breve com o início do inverno, principalmente se o interregno pós-eleitoral dos EUA paralisar a política macroeconómica e a saúde. E embora os EUA ainda tenham uma enorme capacidade para fornecer auxílio em tragédias, tão necessário para trabalhadores e pequenas empresas duramente atingidas, a crescente parcela da dívida pública e corporativa dos EUA, nos mercados globais, sugere fragilidades de longo prazo.

Simplificando, há uma fundamental inconsistência no longo prazo entre uma parcela cada vez maior da dívida dos EUA nos mercados mundiais e uma parcela cada vez menor da produção dos EUA na economia global. (O Fundo Monetário Internacional espera que a economia chinesa seja 10% maior no final de 2021 do que era no final de 2019). Um problema paralelo acabou por levar ao colapso do sistema de taxas de câmbio fixas de Bretton- Woods do pós-guerra, uma década depois que o economista da Universidade de Yale, Robert Triffin, o identificou pela primeira vez no início dos anos 1960.

No curto e a médio prazo, o dólar certamente poderia subir mais – especialmente se novas ondas da covid-19 'stressarem' os mercados financeiros e desencadearem uma fuga para a segurança. Deixando de lado a incerteza da taxa de câmbio, a esmagadora probabilidade é de que o dólar ainda será 'rei' em 2030. Mas vale a pena lembrar que traumas económicos como os que estamos a viver, frequentemente, se revelam como dolorosos pontos de inflexão.

Professor de Economia e Políticas Públicas na Universidade de Harvard e economista do FMI entre 2001 e 2003