E agora pergunto eu...
Para começar o ‘E agora pergunto eu’ desta semana quero contar, ao querido leitor, que, sem qualquer dificuldade, reservei um voo interprovincial ao telefone com o ‘call center’ da TAAG, que imediatamente me enviou uma referência por e-mail com a qual fiz o pagamento no multicaixa. Poucos minutos depois, recebi o bilhete também por e-mail, com o qual pude fazer o ‘check in online’ e do qual recebi o cartão de embarque, tudo em menos de uma hora, com uma eficiência e profissionalismo que dá gosto e que raramente vi em qualquer outro país da Europa. É preciso criticar quando necessário (e já o fiz várias vezes) e aplaudir quando é merecido. A TAAG está a melhorar a olhos vistos.
Tenho de me desculpar com o querido leitor que depois de ler este espaço há algumas semanas ficou à espera que eu comentasse o famoso livro da ‘Ditadura à Democracia’. Não fui presa ou intimidada ou sequer interpelada de qualquer modo por ter afirmado aqui, no seu NG, que estava a ler o livro que em Portugal é vendido com uma banda vermelha alertando qualquer coisa como “perigo, em ditaduras, ler este livro pode levar à prisão”. Na verdade, não o comentei na semana seguinte porque me distrai com outros dois livros, um absolutamente brilhante sobre o drama dos retornados (‘O retorno’ , de Dulce Maria Cardoso, que finalmente me explicou porquê que fui tantas vezes maltratada nos táxis em Portugal), e o outro sobre a vida da espia enviada pela CIA para matar Fidel Castro. Livros que, como milhões de outros, fazem o ‘tão perigoso’ manual de Gene Sharp parecer um membro da colecção “para totós” que existe em todo o mundo e que conta mais de 2700 publicações que simplificam ao raiar da batota os mais variados assuntos com títulos desde ‘Excel para totós’, ‘Xadrez para totós’, ‘Como enganar a sua cara-metade para totós’.
O de Gene Sharp podia bem chamar-se ‘Desafio à ordem para totós’. Digo ‘desafio à ordem’ e não ‘desafio à ditadura’, porque, se a receita do autor for implementada em larga escala, qualquer outro sistema se irá desintegrar tão igualmente como uma ditadura. Na semana passada, o Goldman Sachs resolveu pagar cinco mil milhões de dólares para acabar com o processo em tribunal pela sua participação na hecatombe financeira de 2008 que varreu grande parte da riqueza mundial, levou ao colapso de milhares de empresas, fez disparar o desemprego com a erradicação de quase três milhões de empregos contabilizados só nos EUA e desalojou milhares de famílias. Caso as pessoas se revoltassem em larga escala com um sistema que dá pouco mais do que um ‘tatau no rabinho’ de um dos giga gananciosos na origem da crise, e fizessem greves, protestassem, fizessem vigílias e marchas, boicotassem os bancos, fizessem greves sistemáticas, o sistema financeiro, e por arrasto o político por ele sustentado, teria de entrar em colapso.
O manual de Sharp é profícuo em métodos deste tipo e lembra que existem várias dezenas, além das convencionais manifestações, “paradas, protestos, boicotes” e exemplifica com o que descreve como “intervenção não violenta por meios psicológicos tais como a ocupação, o governo paralelo, o jejum” (este último pode explicar porque foi que os nossos jovens voluntariamente passaram tanta fome). Apela ao uso do humor sarcástico, das novas tecnologias e sobretudo ao desafio às autoridades com vista a alcançar registos fotográficos ou em vídeo de violência que possam merecer a condenação internacional. Este último método, que incentiva à publicação na internet do máximo de brutalidade possível, incentiva à provocação da polícia ou da segurança, com base na lógica de que ninguém se comove se não houver sangue. Se é verdade que todas as polícias têm tendência para bater nos manifestantes, como vemos por todo o mundo, polícias pobres e com falta de formação, como é a nossa, são bem mais vulneráveis a cair nessas armadilhas e a manchar a acção das instituições governativas que tentam defender. É evidente que é preciso mais investimento na educação policial e no esclarecimento de que a polícia existe para defesa dos cidadãos, independentemente de filiação partidária ou da opinião política. De resto, a obra de Sharp é um livro como outro qualquer. Pergunto-me se representantes do Governo que o trataram como ‘ameaça ao Estado’ não fizeram em primeira instância uma assumpção pública de uma vulnerabilidade que nesta fase já não devíamos ter. É que temos preocupações bem mais prementes como é o surto de febre-amarela e as demais doenças causadas pela falta de saneamento que matam tantos angolanos todos os anos, isto no meio de uma crise. Não deu o próprio Governo demasiada importância ao dito manual? O seu NG fala esta semana de verdadeiras prioridades públicas. Fala-lhe do Bié que só tem água duas vezes por semana, dos buracos nas estradas lobitangas e até do gerador desaparecido do estádio da Tundavala. Fala do aviso da Imogestin para que ninguém se veja burlado e das luzes ao fim do túnel para sair da crise, de impostos e de fábricas que vão finalmente contribuir para a sustentabilidade alimentar e criar emprego. Prioridades não nos faltam.
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