E agora pergunto eu...

02 Jul. 2020 Geralda Embaló Opinião

A semana que passou o Valor Económico noticiou que morreram 400 das mais de 4 mil cabeças de gado que chegaram a Angola vindas do Chade como parte do pagamento de um empréstimo de 100 milhões de dólares àquele país. Ao que tudo indica já vinham doentes de origem. Esta notícia motivou a pergunta mais engraçada

e mais certeira que vi online esta semana, quando um internauta questionava se “quem é enganado com bois, tem condições de ir negociar com um FMI ou com um banco mundial?” Eu adicionaria outra pergunta neste capítulo: “se os nossos próprios bois andam a morrer de fome e de sede em comunidades como a das minhas origens mukubais no sul do país, em que morre tanto gado de fome e sede (mais de 72 mil cabeças de gado morreram entre abril e dezembro do ano passado), em que circunstâncias é que o recebimento de divida em bois poderia ser boa ideia para Angola?

A nossa actualidade foi também marcada por, como não poderia deixar de ser, mais exonerações e nomeações. Mas quanto às mais recentes, pergunto-me que isenção jornalística pode ser esperada de órgãos públicos de comunicação, quando as nomeações são feitas, a dedo, pelo governo? Como é que se pode esperar uma cobertura jornalística independente que, a título de exemplo não nos fale todos os dias, quase uma hora, à laia de propaganda verde, de produção de fruta e hortaliças em todas as quintas do país, como se disso enchesse se pudesse encher a barriga. Pior, com pouca ou nenhuma menção a que grande parte dessa produção apodrece porque não têm como ser escoada. É verdade que a produção agrícola é para ser incentivada, mas há impedimentos sérios que é preciso resolver. Como confirma a directora do gabinete provincial de agricultura “a falta de escoamento é um problema crónico que inibe a expansão da produção”. Na última campanha 35% da produção estragou-se em Benguela, na Lunda-Sul a produção reduziu 60% e na Huíla perde-se em média todos os anos um terço da produção. Isto num país que precisa de tudo e que vive de importar o que consome.

Voltando ao jornalismo, como esperar, por exemplo que os órgãos públicos possam fazer uma cobertura séria e sem favorecimentos de casos como as demolições em Benguela que, numa altura em que a mensagem é ficar em casa para não propagar o covid, deixaram 400 famílias ao relento, depois de demolirem casas, escola e centro de saúde, aparentemente num aparato policial que surpreendeu os moradores e que não tinha a devida notificação ou ordem do tribunal.

A questão das demolições tem sempre dois lados da moeda, se por um lado há vítimas sem tecto, por outro há oportunistas na construção de casas em terrenos alheios ou do Estado para recebimento indevido de indeminizações, muitas vezes por pessoas que já receberam e voltam a construir ou mandam familiares fazê-lo.

No entanto, vir a administração pública, numa altura em que o país está ainda em estado de calamidade por causa da pandemia, deixar famílias ao relento, parece um absurdo inexplicável que seria conveniente esclarecer publicamente.

A cobertura jornalística, principalmente dos órgãos públicos que, vale lembrar, pertencem, não ao governo que faz as nomeações, mas a todos os angolanos, devia cobrir todos os ângulos de questões que como estas, que são mais do interesse público do que ouvir 5 minutos de listas de exonerações e nomeações no início do telejornal. E os órgãos públicos têm bons jornalistas que compreendem e respeitam o código e a missão de informar e que podem fazer um trabalho mais isento se não estiverem pressionados pela sombra das exonerações por parte de quem tem interesses, ou serve interesses, e propagandas, e, sobretudo, não percebe de jornalismo.

Segundo um responsável da associação de moradores que falava à Rádio Essencial a propósito das demolições, estão 200 pessoas amontoadas numa escola, 4 famílias por sala, completamente expostas não só ao vírus, que exige um isolamento que ali é impossível, como a todas as faltas de condições de saneamento, de salubridade e de sanidade que essa situação acarreta. E agora pergunto eu, era prioritário fazer essas demolições agora? Que interesses ou que agenda podem ser mais importantes do que a saúde pública nesta fase? Então o governo faz campanhas todos os dias de prevenção contra o vírus, mas põe agora pessoas na rua? O mesmo governo que inclusive proibiu senhorios de desalojarem arrendatários que não possam pagar rendas, o mesmo que proibiu despedimentos (sem propor como pagar salários), o mesmo põe 400 famílias ao relento em meio de pandemia?

Para terminar numa nota positiva, o acontecimento governamental mais importante da semana que passou, foi o emagrecimento do aparelho governativo através dos cortes nos institutos públicos. Foram extintos 15 institutos e um total de 420 cargos, sendo mais de 200 de directores e directores adjuntos. Muitos são quadros do Estado por isso saem de um cargo e vão para outro, no entanto, a poupança é de mais de 150 milhões de kwanzas que, nesta fase, fazem falta aos cofres públicos.

Passos na direcção certa que é, sem qualquer dúvida, a do emagrecimento da máquina governativa que carrega décadas de obesidade mórbida. Passos numa estrada longa...

 

Na Rádio Essencial,96.1

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico