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E agora pergunto eu...

15 Sep. 2020 Geralda Embaló Opinião

“Congratulou-se com o posicionamento em relação às eleições autárquicas”.

“Regozijou-se com a posição do camarada presidente”. “Enaltece a aposta do executivo no sector da agricultura”. Tudo frases que só podiam ser tiradas do comunicado da reunião do bureau político do MPLA. Congratulou-se, regozijou-se, enalteceu... E agora pergunto eu, querido leitor, estas expressões não soam tenebrosamente familiares? A era do enaltecimento não tinha já ficado para trás? Será que é exactamente a mesma pessoa, com a mesma caneta e no mesmo papel a escrever os comunicados do partido há décadas? É que a conversa de adiar eleições, de se regozijar com tudo o que o presidente faz e certamente de enaltecer seja o que for é mesmo, mesmo, mesmo repetitiva.

A de enaltecer a aposta na agricultura então, essa é uma conversa que andamos a ouvir há décadas. E isso enquanto a agricultura continua a ter quase os mesmos problemas, se não de produção, de escoamento, de escala, de falta de água, de falta de insumos, de falta de investimento... Enfim, de tudo e enquanto o partido dos camaradas enaltece, regozija-se e congratula-se. Os produtores nacionais a ir à falência, mas o que há é regozijos e congratulações.

A escolha da linguagem e adequação dessa linguagem ao momento que se vive e a quem a mensagem é dirigida não é, de facto, o forte, nem dos partidos, nem das nossas instituições (feitas por pessoas do partido e tão partidarizadas).

E claro que a mais infeliz nos últimos tempos, e cuja infelicidade é renovada a cada asneira que a nossa polícia vai fazendo, é a dos ‘rebuçados e chocolates’.

Ainda nem concluíram a investigação sobre a “queda” que matou o médico e já morreu pelo menos mais uma pessoa às mãos da polícia, desta vez, por disparo que fez ricochete e foi tirar a vida a uma jovem, ao que parece, de 15 anos.

E cada vez o cidadão se sente mais inseguro com a presença policial enquanto os políticos seguem a regozijar-se, congratular-se e a enaltecer. Num país em que a maior fatia do Orçamento Geral do Estado vai para a defesa, para as forças castrenses, a polícia os militares, temos uma polícia que pede ou exige boleia aos cidadãos que interpela na rua, uma polícia que frequentemente pede gasosa e que tantas vezes tem um aspecto tão desgraçado que realmente se vê que precisa dela, que é frequentemente atormentada por problemas diversos, cheia de fome, de calor, às vezes embriagada e muitas vezes exausta... Uma polícia malformada em quem não podemos confiar com armas.

A morte desta jovem deu direito a que a população revoltada e farta de estar exposta aos desvarios desta polícia lançasse fogo à esquadra mais próxima a tal onde as paredes fazem ricochetes perigosos. Isto numa altura em que a polícia já matou, nestes disparates, mais de 18 pessoas desde que a covid e as suas regras se instalaram e sendo que antes da covid tínhamos outros casos de atropelos quer por parte de polícias, quer de militares. O caso do Rufino que o Nova Gazeta cobriu há uns anos, que, com 14 anos, foi abatido por militares é um exemplo, entre muitos, mais ou menos conhecidos. E o que é mais desesperante é que tanto na altura como agora, temos lideranças incapazes de providenciar conforto, de se responsabilizar, de se comprometer com uma mudança de paradigma, de demonstrar que aprenderam lições e que não vai tornar a acontecer. E torna a acontecer. Nisso, como em muitas outras coisas, JES e JLO partilham a mesma incompetência que justifica arruaças e revolta e fogo nas esquadras. O pedido de desculpas do Comandante Geral da Polícia só pecou por tardio e por não ser partilhado pelos seus superiores hierárquicos como seria expectável num governo que governa para os cidadãos.

Mas a verdade é que queimas de esquadras, ainda que como resposta a uma acção criminosa, a uma injustiça, à perda de vidas de forma tão brutal às mãos de quem ganha para nossa protecção, não podem ser justificadas. Mais uma vez, como na semana passada, não posso imaginar a revolta da família, mas incendiar esquadras, correndo o risco de que algum polícia morra no incêndio, não vai trazer de volta a vida que foi tirada. E os polícias, mesmo os mais incompetentes, são também filhos, pais, irmãos, que, se perdidos, vão fazer a mesma falta às suas famílias. A lógica do olho por olho só pode deixar todo o mundo cego. É preciso ponderação mesmo em face da irracionalidade, e é isso que os líderes, humildemente, devem pedir à nossa população em vez de usarem os media para assobiar para o lado e fingir que nada de ruim se passa enquanto se entretêm com regozijos, congratulações e enaltecimentos.

A falta de cobertura dos órgãos públicos às manifestações ordeiras e pacíficas que decorreram pelo país para reclamar o fim da violência policial, em prol de regozijos, congratulações e enaltecimentos só voltou a atestar a partidarização da coisa pública que também vive do OGE nacional. E o quão danosa ela pode ser. Tão mau quanto qualquer aproveitamento político que uns ou outros possam querer fazer dessas manifestações de cidadania legítimas. Nada do que se regozijar, congratular ou enaltecer. Simplesmente feio.

 

 

 

 

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico