E agora pergunto eu...

13 Oct. 2020 Geralda Embaló Opinião

Recentemente, a televisão e os jornais portugueses replicaram as palavras do embaixador americano em terras lusas e eu tive de guardar fotografia das imagens porque, quando o Valor Económico escreveu exactamente as mesmas palavras, foi severamente atacado pelo jornal do Estado que chamou do VE de “antipatriótico”. E a frase era simples: “embaixador americano diz que Portugal tem de escolher entre o aliado EUA e o parceiro China”, coisa que os americanos não fazem cerimónias em dizer seja em que país for. Mas, em Angola, quando foi dito, e o VE publicou ipsis verbis o que disse Mike Pompeo, foi um escândalo e o jornal, e não o diplomata americano, foi acusado de pressionar as instituições e a perigar as relações, a expressão era “o jornal Valor Económico prestou um mau serviço”. Noticiar factos é considerado pelo poder e pelos seus meios de propaganda um mau serviço.

E bem a propósito de mau serviço, esta semana, a informação económica angolana ficou mais pobre porque o jornalista Carlos Rosado de Carvalho deixou de fazer o magazine de economia que fazia na TV Zimbo.

Podem tecer-se diferentes considerações acerca da discrição da nova administração da televisão para editar o conteúdo de um programa por si emitido, que se podem tornar tecnicamente válidas, principalmente porque estaria em causa um indivíduo com muito mais direito à defesa do bom nome do que outros, que se vilipendiam à vontade porque assim permite e indica o poder instalado.

Mas, ao fim do dia, e tendo em conta que a pluralidade da informação, mais da informação económica é tão escassa, no mínimo, é ponto assente que com este episódio a informação económica e a pluralidade da informação no país ficaram mais pobres. Confirmam-se os receios de que o controlo dos diferentes grupos de media por parte do Estado só pode coarctar essa pluralidade de informação que faz tanta falta em democracia.

E, concorde-se ou não com Rosado de Carvalho em diferentes temas, ver jornalistas, seja de que casa forem, a aplaudirem esse episódio que é sintoma de um retrocesso geral tenebroso. Jornalistas e público, perdemos todos para essa entidade invisível que é o senhor ‘ordens superiores’ e que sai vencedora tantas vezes.

Pior é que este senhor ‘ordens superiores’ é o mesmo que justifica manifestações de diferentes formas em diferentes fóruns. Não se limita a defender o status quo e ataca violenta e pessoalmente todos os que identifica como ameaça. Os textos pouco higiénicos online que assassinam o carácter de quem não segue as ordens do senhor ‘ordens superiores’ são inequivocamente uma dessas manifestações. Uma das mais abjectas.

As milícias online que usam, muitas vezes, o anonimato para, cheias de cobardia, tentar sujar quem não está alinhado com as instruções do senhor ‘ordens superiores’, fazem normalmente recurso à manipulação de preconceitos e complexos de inferioridade que se misturam sempre nos discursos que apelam ao nacionalismo obtuso, retrógrado e ignorante do ódio ao estrangeiro.

Quem critica o poder se não é tornado estrangeiro, pelo menos será tornado dependente ou a soldo de estrangeiros. O angolano de bem não critica o status quo especialmente não critica em público, se o faz, torna-se estrangeiro ou pelo menos vendido aos avarentos corruptos que querem desestabilizar o país. O angolano de bem fica calado a assistir impávido e se possível a apanhar as sobras deixadas por quem é atacado. Só se amanhã se tiver numa posição de força é que se diz o que se pensa sobre quem estiver mais fraco. Essa é a ideologia do senhor ‘ordens superiores’ que tínhamos todos esperança de que o presidente João Lourenço ‘desse corrida’.

E agora pergunto eu, não era promessa acabar também com a bajulação que é modus operandi do senhor ‘ordens superiores’? Ou esta entidade tornou-se demasiado conveniente num contexto em que há tanta coisa para criticar? Quanto custará a manutenção desta entidade omnipresente, que se adapta constantemente, qual camaleão, para manter o poder e assim se manter relevante? E até que ponto poderá ter retorno esse investimento que se assemelha a pagar à Euronews para dizer maravilhas do país quando o reporte da realidade também obriga a mostrar as manifestações que se quer fingir que não existem? Quanto custará o senhor ‘ordens superiores’ alinhadas num país com prioridades urgentes como devia ser a morte de 46 crianças por dia por desnutrição? De Janeiro a Julho, duas crianças morreram à fome a cada hora segundo a direcção nacional de saúde pública. Quanto é desperdiçado e que poderia ir para a saúde de modo a que não pagássemos o senhor ‘ordens superiores’ com fundos que deveriam ir para equipar hospitais para darem melhores chances de vida a todos? A perda trágica e brutal de uma das melhores promessas políticas do país (que são muito poucas) mais dá que pensar. Prioridades...

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico