E agora pergunto eu...
Há uma discussão já de alguns anos sobre o ‘attetion span’, a capacidade de prestar atenção média e que é particularmente relevante no quadro da duração das aulas por exemplo. Os cientistas apontam para que a capacidade média de concentração de um adulto seja de 20 minutos sendo que a das crianças vai diminuindo até chegarmos aos quatro anos de idade que começam a perder a capacidade de estarem atentas depois dos 12 minutos. E esta discussão é relevante porque temos um sistema educativo com aulas de 50 minutos quando os estudos e estatísticas apontam todos para que aos 20 minutos a atenção comece a desvanecer tornando o resto da aula contraproducente. É claro que tudo isto são estimativas e que, dependendo do interesse no tema, a capacidade de atenção varia e aumenta. No entanto, formatos bem-sucedidos como o das Ted Talks, que se focam em apresentações de 18 minutos, sugerem que as pesquisas estão cobertas de razão e que essa é a duração ideal para manter a atenção e fazer passar uma mensagem com eficácia.
E agora pergunto eu, qual pode ser o objectivo de um discurso à nação estilo acta, monocórdico com quase duas horas? Qual foi a mensagem que se reteve? Será que o objectivo não era mesmo o de cansar toda a gente? Fazer com que ninguém prestasse atenção?
Sobre o conteúdo do discurso que deixa de fora grande parte do real estado de uma nação que deixa morrer 46 crianças à fome todos os dias, um discurso que fala em criação de 19 mil novos empregos e que omite a criação de muitos milhares de novos desempregados, que fala na redução da inflação de modo a escamotear que a taxa de câmbio “mais flexível”, como o PR lhe chama, lançou o caos na economia e que pensões que ontem valiam 500 dólares hoje valem cerca de 50 dólares e que diz que a importação “poupou 300 milhões de USD” sem dizer que o poupou porque o país perdeu poder de compra, e não porque produz mais?
O economista Yuri Quixina disse quase tudo “o segredo de um bom discurso político é a persuasão, o entusiasmo e a esperança, sem estes ingredientes, o discurso é desmotivador”. Dito isto, torna-se melhor mudar de assunto para não continuarmos a lembrar coisas tristes. Tristes quer pelo real estado da nação, quer pela própria liderança que considera positivo dizer coisas “como não se pode adiar o que não se convocou”, coisas que o seu partido aplaude efusivamente e usa como se se tratasse de um sinal de força, mas que são um sinal claro do valor da própria palavra. É bom lembrar que foi o presidente, em 2018, que propôs a realização das primeiras autárquicas para 2020. Se não se podem levar as palavras do líder à letra, então de que vale sequer ouvir aquelas duas horas?
Voltando ao formato das Ted Talks, que é um recurso daqueles que comprovam a utilidade educativa da internet, há uma sobre o sector informal em África que dá dados interessantes, e pasmem os nossos políticos, em pouco mais de sete minutos. Niti Bhan, uma especialista em desenvolvimento estratégico, faz a apresentação dizendo que o estigma associado ao sector informal faz com que permaneça fora do circuito bancário e alienado da contabilidade do produto interno bruto. Esta alienação tem um custo estimado em entre 40 e 60% dos lucros desse mercado, um sector que cria pelo menos quatro vezes mais emprego do que o sector formal. Mais provavelmente, numa realidade como a nossa, em que o sector informal é estimado em cerca de 70% da economia, estamos a falar de um ecossistema económico que não entra para o PIB, mas que alimenta a maior parte da população e para o qual ainda não se conseguiu efectivar soluções coordenadas. Os ministérios têm programas esporádicos, tem comissões para isto e para aquilo, combate à pobreza e afins, mas não existem dados agregados nem sobre a eficácia de nenhum destes programas, nem de como mudar efectivamente esse paradigma.
Tendo em mente a importância do sector informal para a economia e para a subsistência, o jornal Valor Económico criou a editoria ‘(In)formalizando’, que trata desses processos de formalização, como é exemplo a iniciativa do fundo de apoio social que quer organizar cooperativas de famílias vulneráveis e que tem um financiamento de 450 milhões de dólares. Mas que trata, sobretudo, de dar visibilidade a esse ecossistema económico que vive de lavar carros, de vender água, de vender café nas paragens, de pequenas máquinas de jogos nos bairros, e que lembra que mais de 60% dos vendedores informais não têm conta bancária sequer, mas têm bocas para alimentar e que se quer que parem de morrer de fome. Que devem ser prioridade nas metas do Governo e que estão muito atrás pelo que continuamos a ouvir. Há muito caminho para trilhar pela frente.
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