E agora pergunto eu...

04 Nov. 2020 Geralda Embaló Opinião

Porquê?

Porquê era a pergunta na descaracterizada capa do jornal de economia valor económico desta semana ilustrada não por temas económicos como é costume, mas pela imagem do fotógrafo desta casa a ser arrastado por dois polícias fortemente armados, antes de, como outros 5 jornalistas, ser agredido pela mesma polícia que sabia que eram jornalistas em serviço de reportagem, que lhes atirou os passes de serviço ao chão e lhes agrediu, em vez de os proteger.

Esta edição trazia também uma interessante entrevista a José Sofi, o médico microbiologista que dirige o Codex e que é responsável pelo programa de avaliação sanitária da qualidade dos alimentos, que disse ao Valor Económico que o laboratório que dirige fez um estudo de avaliação dos produtos à venda em lojas e mercados e confirmou que 60% dos produtos foram confirmados impróprios para consumo “dado que em matéria de saúde pública é assustador”.

A edição lembrava também outro erro dos que já começam a ser repetitivos no discurso do Presidente à nação que parece ter confundido reservas internacionais brutas com reservas internacionais líquidas sendo que a diferença entre uma e outra é de mais de 6 mil milhões de USD que temos a menos do que disse o PR porque é dinheiro reservado a passivos e que não vai estar disponível para cobertura de importações.

Sobre o nosso Porquê na capa, provavelmente porque a detenção de jornalistas foi notícia internacional com várias instituições de protecção da imprensa e dos direitos humanos a condenarem esse atropelo grosseiro à liberdade de imprensa (que andou pelo mundo a afirmar que AGORA já era realidade) o Presidente da República “lamentou a detenção de jornalistas credenciados em pleno exercício das suas funções, e disse que era uma situação que espera não voltar a acontecer”.

Não sei se servirá isso de consolo aos jornalistas que apanharam da polícia que os devia proteger e certamente esperamos o mesmo, mas a verdade é que a pergunta na capa do jornal continua sem resposta. Até porque aquele Porquê serve para muito mais além do ‘porquê de prender jornalistas’, além de “o que querem esconder?”

Serve para porque é que a violência policial é tão generalizada, quando a maior parte dos polícias vive as mesmas dificuldades, as mesmas necessidades que os manifestantes reclamam? Porquê a dificuldade do governo de aceitar o direito à manifestação com parcimónia, particularmente numa altura em que há manifestações contra tudo e mais alguma coisa por todo o mundo? Porque é que é tão alérgica ao governo a realidade de que nem todo os angolanos estão contentes com o estado de coisas? De que de facto a maioria não tem qualquer motivo para estar contente?

Mas que todos têm o direito de se expressar como dita a lei Magna? Porque é que o sistema, pela mão de instituições tão importantes quanto a polícia ou a justiça, age como se acreditasse no lema do partido maioritário quando diz que é o povo e por isso esses que se manifestam contra o partido não podem ser povo porque o MPLA é o povo?

E agora pergunto eu como iriam gerir estas instituições, digo as policiais e as dos media sob alçada do Estado que sentenciam quem se manifesta a rótulos infelizes como vândalos e arruaceiros, o que seria se de um dia para o outro o partido no poder fosse outro?

Imagine querido leitor as instituições, que deixaram de servir o cidadão para servir os interesses de um partido, de repente, depois de quase meio século verem-se sem o chefe do costume para responder? Verem no lugar da chefia outras caras?

Assistimos todos à dificuldade que foi depois de 40 anos de deixarem todos de dizer sua excelência presidente José Eduardo dos Santos para passarem a dizer João Lourenço, se isso foi difícil imaginemos não terem motivo qualquer motivo para enaltecer o MPLA, não terem de ver o seu trabalho validado pelos interesses do partido e passarem a ter de responder aos interesses dos angolanos independentemente da cor partidária? Já há quem o faça nessas instituições, mas evidentemente não é regra.

Nada dura para sempre.

Na semana que passou morreu ainda muito jovem o empresário e marido de Isabel dos santos Sindica Dokolo, rico, inteligente e com muito para dar, ele que era um defensor e promotor irredutível da arte africana a nível mundial, independentemente do que de resto se lhe pudesse acusar. Este 2020 macabro também levou, ainda recentemente, uma das maiores promessas do partido no poder, Sérgio Luther Rescova, com 40 anos e tanto para dar ao país que tanto precisa, tudo choques que lembram que a vida é um sopro e que pode ser encurtado a qualquer momento. Razão pela qual o melhor é tentar ser o melhor possível para nós e para os outros que temos à volta, porque daqui, na melhor das hipóteses, só se leva mesmo a lembrança do que de bom e maus e fez com o tempo que se teve. E esse tempo não está à venda nem tem preço, por isso quando o usamos ou desperdiçamos convém saber ou questionar sempre Porquê.

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico