E agora pergunto eu...
As eleições americanas continuam por lá, uma semana depois, a fazer os africanos sentirem-se melhor com os seus próprios vergonhosos processos eleitorais. Tem direito às acusações de fraude, de contagem de urnas falsas, a batalhas campais nas ruas, a presidente a dizer que não perdeu por isso vai impugnar os resultados, enfim, com direito a todos os condimentos de vergonha que caracterizam as eleições nos países mais atrasados de África. O democrata Joe Biden, apesar do que diz Donald Trump, que queria que parassem a contagem dos votos enquanto estava à frente, é o novo presidente dos EUA e essa mudança significa em primeira instância que os EUA vão voltar a ser levados a sério na arena internacional. Nunca a posição de hegemonia mundial da América esteve tão em causa quanto durante estes quatro anos de trumpismos, de divisionismos de polarizações, da construção de muros em vez de pontes. Não é por acaso que Trump era o favorito do presidente russo, nunca os EUA estiveram tão fragilizados a nível mundial. E ver acabar o reality show em que Trump transformou a presidência com o seu ‘oneman show’ vai fazer uma certa falta, como quando acaba uma novela que gostamos todos de seguir. O que é pertinente é questionar qual será a abordagem política da nova administração americana quanto às relações com África, mais, com Angola e o seu governo MPLA que com quase meio século de governo já viu passar OITO presidentes americanos.
Mas se há coisa que não deve passar despercebida é o papel da comunicação social na novela Trump. Nunca um presidente americano enfrentou tamanha diabolização pelos media local e na semana passada chegaram mesmo a censurar o seu discurso dizendo que estava a mentir. Impensável e pior do que isso, extremamente parcial. Por horrível que seja tem direito a falar porque recebeu os votos de 70 milhões de americanos. A parcialidade nos media, seja contra Trump ou contra seja quem for, é sempre sempre perigosa. Nos media, na justiça e nas outras instituições de Estado a parcialidade é perigosa. A parcialidade enfraquece as instituições, acaba-lhes com a credibilidade e torna-as passíveis de serem usadas por qualquer homem que se lhes queira sobrepor, e os homens mais fortes que as instituições são uma tragédia para as democracias que é o que vemos regularmente em África. A dos EUA é uma democracia com instituições de Estado suficientemente fortes, mas aqui as nossas africanas evidentemente não são, e vemos provas disso todos os dias. Vemo-las nas tentativas de manipulação da opinião pública, algumas primárias como é a entrega do palco a tudo quanto visa desacreditar qualquer oposição ou critica ao homem forte, vemo-las na 'inauguração' hoje de activos apreendidos ontem sem que um tribunal processasse a apreensão.
O tema de capa do Valor Económico (VE) da semana passada que revelava um regresso da biblioteca milionária que havia sido riscada para acalmar as críticas generalizadas motivou a circulação de uma estranha tentativa de desmentir o jornal, mal gerida, bruta e desajeitada como aliás se vai tornando hábito. A informação que o VE pôs na capa não veio de fontes que possam ser desacreditadas, mas do Ministério das Finanças que publicou o documento online. Se o Ministério cometeu um erro, é normal, acontece e que o reconheça em vez de se ver o exercício patético de se lançar nas redes sociais desmentidos que nada desmentem e que só tornam todos mais desconfiados das intenções de quem os faz.
E essa desconfiança generalizada é desgraçadamente extensiva cada vez mais aos números que o governo usa e divulga principalmente quando se vêm impedimentos a que os técnicos façam o seu trabalho livre de intervenções políticas.
O caso do Instituto Nacional de Estatística (INE) e também ele mal gerido, à bruta e desajeitadamente como se vai tornando norma, culminou com a exoneração do chefe do instituto e é mais um a somar aos que envergonham o país dentro e fora de portas principalmente porque o instituto nacional de estatística lida directamente com instituições internacionais. O problema não é a exoneração, o problema é que a exoneração acontece porque os números não interessavam ao governo publicar e de facto não foram publicados. E esse interesse do governo sobrepõe-se a prazos de apresentação das estatísticas, a normas, enfim a tudo, porque mais importante do que radiografar a realidade é o governo aparecer bem na ‘foto’. E agora pergunto eu, fazendo eco do que escreveu o economista Alves da Rocha, a informação estatística não interessa publicar a quem? Ao país não é, porque o país precisa de saber a quantas anda para saber para onde vai.
A quem pode incomodar números e estatísticas que espelham a realidade? Isto de ter chefes políticos a mandar nos técnicos é retrógrado e envergonha. Os números são os números não devem estar sujeitos a politiquices porque os políticos são passageiros, mas as instituições não, e é por isso que as instituições e as suas normas devem ser mais fortes. O que vão pensar as instituições como Banco Mundial ou a União Europeia que financiam estudos do INE, para que produza informação estatística se os políticos têm a prerrogativa de vir dizer “esses números fazem nos parecer mal - não saem?” Todos os países têm institutos de estatística que têm as suas normas, são uma ferramenta técnica e útil para saber como dirigir o que ajustar. Que frustração deve ser para os técnicos que venham os políticos invalidar trabalho que frequentemente nem sabem como fazer... E os políticos por aqui ditam tudo, ditam aos jornalistas como informar, aos economistas como projectar, aos juízes como julgar e à polícia como proteger o cidadão. Os interesses políticos sobrepõem-se e atropelam tudo.
E esperam depois os políticos que os investidores internacionais, que estão habituados a fazer cálculos com bases sólidas venham apostar num país em que tudo pode ser deturpado para fazer qualquer ‘homem forte’ fingir que está a fazer um bom trabalho? Fingir ser, acima de tentar ser, não vai mudar a realidade das empresas a definhar, da fome e da miséria que estão a aumentar... O governo precisa de orientar baterias para soluções para os problemas, em vez de passar tanto tempo a fingir que eles não existem. Na semana passada o governo anunciou a suspensão de regalias e subsídios a titulares de cargos políticos. Liderar por exemplo. O caminho é por aí, políticas concretas com objectivos de redução de despesas supérfluas ao máximo em vez de estarmos a fingir que está tudo bem, lindo sobre rodas e com isso a estupidificar instituições que o país precisa que sejam sérias.
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