E agora pergunto eu...
Estamos a chegar ao fim deste ano caótico e o costume de revisitar os principais acontecimentos a marcar a actualidade impõe-se substituído pelo mesmo exercício, mas desta feita, anual, já que no fim do ano é costumeiro revisitar o que de mais importante se passou, sobretudo para tirarmos as devidas elações. E foi um ano de muitos ensinamentos querido leitor, quer tenhamos aprendido com eles ou não.
Do ponto de vista social o ano 2020 foi um terror autêntico com ensinamentos por via da “perda alargada” muito dolorosos. Fomos sujeitos a confinamentos e distanciamentos a medos de contágio à desconfiança, vimos a normalidade ser-nos arrancada com violência e fomos obrigados a adaptar para sobreviver a condições sociais que só tínhamos visto em filmes, porque as pestes e pandemias da história já andavam muito distantes da memória colectiva. Em a peste o filosofo Albert Camus descreve vividamente todas as ansiedades de uma pandemia como a que vivemos: “impacientes do presente, inimigos do passado e privados do futuro, parecíamo-nos assim bastante com aqueles que a justiça ou o ódio humano fazem viver atrás das grades”. Porque ao contrário do que o que acontece no livro, a pandemia que vivemos é mundial, estamos todos no mesmo mar tempestuoso embora com embarcações muito variadas, o que levou a que para muitos fosse muito pior.
Para além das que o covid levou, perderam-se muitas vidas. Perderam-se pilares da nossa estrutura identitária com ainda muito para dar como Valdemar Bastos, perderam-se promessas políticas insubstituíveis como Luther Rescova, perderam-se médicos e jovens às mãos do covid e às mãos da polícia ao serviço das regras para prevenção do mesmo covid.
Tivemos o início das convulsões sociais que a intervenção do FMI nos países com maiores assimetrias sociais gera quase sempre, e não vimos resultado positivo das politicas estruturantes do governo quer porque não houve tempo, quer porque o covid mudou a conjuntura mundial, quer porque muitas dessas politicas são mal pensadas e não têm prioridades alinhadas. Exemplos? Na semana que passou o executivo baixou os impostos das bebidas e anunciou a compra de carros para transporte de insumos agrícolas. A primeira iniciativa leva a perguntar se baixar os preços das bebidas é prioritário e a segunda se esses veículos vão andar em estradas diferentes das que derretem os investimentos em transportação que tanto o Estado como os privados têm feito ou se daqui a seis meses as novas compras farão parque gigante de ferro velho que o país coleciona graças às estradas deterioradas que têm. Enquanto isso, continua a servir de comprovativo de falta de prioridades ajustadas a liderança (ou perto disso) da mortalidade infantil a nível mundial
A nível puramente económico o cenário não foi diferente com o absoluto descalabro das contas nacionais quer causado pela conjuntura mundial quer pelas políticas mais destrutivas do que construtivas e o resultado foi o empobrecimento generalizado dos angolanos com o aumento da faixa mais pobre e mais vulnerável que se traduz no aumento de gente a alimentar se dos caixotes do lixo e a pedir nas ruas e na mortalidade infantil por desnutrição. Não canso repetir porque essa devia ser a prioridade máxima, em vez de estarmos obtusamente a gastar fortunas a pintar uma Angola rica e viável lá para fora com o argumento da atracção de investimento sem vestígio de resultados. Há lições que teimamos em não aprender com o passado.
Se há coisa que este 2020 nos ensinou é a fazermos nós angolanos por Angola, em vez de ficarmos à espera de ser salvos pelo investimento estrangeiro. A situação da pandemia fez todos os países virarem-se para si mesmos e nós temos um país com tanto para dar, que ficar à espera da salvação da mão dos outros é quase merecer a miséria que recebemos.
A taxa de câmbio flutuante que vinha no pacote das medidas do FMI introduziu o caos na gestão financeira e o projecto traineira do governo, o PIIM, derrapou com muitos empreiteiros a queixarem-se do dinheiro perder valor e poder de compra todos os dias o que combinado com os atrasos de pagamentos faz com que muitos queiram abandonar as obras. Se isto aconteceu com um programa do governo certamente as agruras dos privados só foram piores. O petróleo quedou porque o mundo parou. As nossas reservas tombaram para níveis que puseram em causa o pagamento da dívida soberana, o dólar desapareceu de vez e a inflação fez escassear o pão nas mesas das famílias e a fome, que o partido no poder há quase meio século se envergonha de admitir, tornou-se todos os dias mais evidente. Isto enquanto o governo fazia coisas alheias como inaugurar hotéis de luxo (que nacionalizou de forma bizarra sem passar pelos tribunais) numa altura em que não há turistas em lado nenhum. A lembrar aquela banda que continuava a tocar obstinadamente enquanto o Titanic se afundava...
A política nacional continuou a deixar a desejar com a oposição a não estar suficientemente coesa para ser de facto se livrar do passivo do passado e se tornar alternativa viável, e com o partido no poder a continuar a focar-se em lutas intestinas, intrigas, distrações, manipulações e perseguições infantis, enquanto a economia e as condições sociais, qual barco furado, se vai afundando cada vez mais depressa...
É de facto um prazer especial despedirmo-nos deste 2020 macabro e ver renovada a esperança num 2021 melhor para todos e a todos os níveis. Nesta quadra natalícia exorcizada dos hábitos dos cabazes e privada das festas o melhor a fazer é agradecer pelas bênçãos que ainda temos, a família, a saúde, a própria vida que tantos perderam, e recarregar baterias, arregaçar as mangas para trabalhar e melhorar as perspectivas no próximo ano. 2021 há de ser melhor querido leitor, e marcamos encontro aqui, no Valor Económico e na Rádio Essencial.
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