E agora pergunto eu...
A actualidade mundial continua a ser marcada pelo Covid e pelas corridas às vacinas que desencadeou, e não deixa de ser preocupante o facto demonstrado da dependência da humanidade nas lógicas de mercado. O vil metal que tudo comanda...
Quando a saúde se torna negócio o resultado é que os mais pobres deixam de ter acesso a ela. Os países ricos compraram as vacinas todas a correr e as farmacêuticas venderam, porque o seu interesse primário não é a saúde colectiva mas recuperar o investimento e lucrar. E, quando isto acontece à escala planetária, quando se trata de uma pandemia, o resultado pode ser desastroso porque enquanto as vacinas não chegam a todos, o Covid vai se desdobrando em variantes que vão inutilizando as vacinas que os primeiros já tomaram. E depois são precisas outras vacinas para responder a novas variantes. E enquanto está o mundo preso neste ciclo de ricos tomam e pobres esperam, quem sai a rir é o lucro das farmacêuticas. A pandemia pode bem obrigar a soluções de cooperação entre os países e, felizmente, já se veem sinais disso. Na semana passada o New York times dizia que é hora de começar a confiar na vacina russa e na chinesa porque já se percebeu que as vacinas ocidentais não chegam para fornecer o mercado mundial em tempo útil.
Outro marco da actualidade internacional na semana passada e que talvez tenha passado despercebido foi a decisão do tribunal inglês de dar razão às comunidades nigerianas que tentam há cinco anos processar a petrolífera Shell por décadas de danos ambientais causados pela exploração da empresa na região do Delta do Niger. A decisão abre um precedente que pode tornar as petrolíferas mais responsáveis nos países subdesenvolvidos onde operam, assim como o nosso. De resto vale lembrar que Angola tem previsões de exploração petrolífera em declínio e que precisa de se libertar da dependência petrolífera a bem ou a mal porque segundo os especialistas o país vai passar de médio a pequeno produtor na próxima década.
Entretanto a nossa actualidade foi marcada pela suposta investigação a que o PR. João Lourenço está sujeito nos EUA e que foi revelada por um relatório de uma consultora internacional.
A primeira coisa que há a lembrar sobre esse tema é que uma investigação é só isso mesmo, não é prova de crime algum e pode bem ser o contrário e servir para ilibar de crime qualquer visado, principalmente nos países em que a justiça funciona com autonomia (que infelizmente não é o caso do nosso).
A outra coisa que este episódio lembra mais uma vez é que o comportamento quase autista das autoridades e principalmente dos membros do partido no poder é muito semelhante às crises que os autistas têm (e que conheço bem por os ter na família), de tapar os ouvidos e gritar para apagar todo o som que os desagrada, distraídos do facto de que esse comportamento não muda a realidade que os rodeia em nada.
O VE publicou a matéria e eis que vieram as brigadas do partido atacar o jornal, clamando embargo ao jornal, fecho do jornal, colocando selos na página para dizer falso ou fakenews, enfim, um arraial de alvoroço para atacar o mensageiro, mas que não tem qualquer reflexo na mensagem. O conteúdo da mensagem é a existência de uma investigação ao presidente de Angola família e associados e não é atacando os vários meios que aqui e sobretudo em Portugal publicaram a matéria (e que são os mesmos que publicaram o Luanda Leaks) que a investigação vai deixar de existir. O trabalho da média é esse mesmo, o de reportar e é um trabalho de extrema importância para o funcionamento higiénico e desenvolvimento da sociedade que se quer democrática. Sendo de uma fonte que até já produz relatórios sobre vários países há muito tempo, e que cita fontes do departamento de justiça americana o inteligente seria em vez de atacar o mensageiro, prevenir-se com relação à mensagem e esclarecer qualquer dúvida que possa existir sobre a mais alta entidade do Estado. Só isso. Berrar “encomenda e vingança dos marimbondos” (não sendo impossível porque se há coisa que fez o PR foi criar inimigos) não muda o conteúdo e o racional da alegada investigação que se prende com pagamentos feitos a empresas de lobby e empresas ligadas ao PR. Infantilizar com o argumento de que a administração Biden apoiou recentemente o PR. JLo, também não retira nada à alegada investigação, porque nos países com separação de poderes uma instituição pode perfeitamente elogiar e apoiar, enquanto outra investiga. E, certamente não retira nada aos critérios noticiosos que justificam a sua publicação. Mas não perdemos o hábito de tentar matar o mensageiro pela mensagem que não queremos ouvir como o rei da Pérsia fazia...
De resto, o país internamente continua a ter mais com que o que preocupar.
Da minha província de origem chegam, como chegam todos os anos, gritos de socorro por causa da seca. A produção morre, o gado morre e as pessoas já começaram a morrer também. Segundo a VOA, na comuna do Caínde onde a minha mãe nasceu e que quando lá fui tinha também o rio quase seco, já morreram três jovens entre os 14 e os 18 anos. Nas nossas comunidades Mukubais, diz-me o meu tio que lá está, estão a ocorrer cada vez mais disputas violentas porque o pouco gado invade as poucas áreas produtivas em busca de comida e água e destrói as plantações. E para estas comunidades, bem como para o resto do país, sobretudo interior, a imagem do governo lá fora tem muito pouco peso, a prioridade é mesmo a sobrevivência e bom seria se a preocupação primária do governo também fosse a vida em Angola em vez da imagem dela lá fora.
A Economist escreveu na semana que passou sobre o agrado do FMI com as reformas que o presidente está a implementar e que procuram corrigir as muitas distorções da nossa economia através do equilíbrio das contas públicas e também da retirada do Estado de muitos sectores que deviam estar na mão dos privados. No entanto, o título do texto pergunta, e é uma pergunta que cabe perfeitamente neste espaço do ‘e agora pergunto eu’, “e os angolanos comuns”? E o texto conclui que a maioria não vê os benefícios dessas reformas e com a inflação acima dos 20% as pessoas querem resultados que o governo não tem para apresentar. O artigo termina lembrando o que está evidente, que o presidente consolidou a sua posição no partido no poder, agradou aos estrangeiros, mas está todos os dias a perder a popularidade derrotado essencialmente pelo preço da comida. Morre gente todos os dias por desnutrição e continuam a gastar-se rios de dinheiro em operações de cosmética internacional para parecermos mais bonitos lá fora. E os angolanos comuns?
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