E agora pergunto eu...
Bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço onde perguntar não ofende, numa semana em que perguntas sobre a segurança das vacinas anti-covid estão novamente a ser colocadas por autoridades de saúde de vários países e em que algumas, como a Noruega a Dinamarca ou a Itália até as suspenderam.
Mudando de hemisfério e também esta semana, aconteceu uma situação que, para os envolvidos, não tem piada nenhuma, mas que, para quem está de fora (e longe o suficiente), tem alguma piada quanto mais não seja porque coloca um dilema entre dinheiro e segurança que as grandes multinacionais, normalmente com o melhor dos dois mundos ao dispor, raramente enfrentam.
O príncipe saudita, Mohamed Bin Salman, lançou o pânico absoluto entre as muitas multinacionais a operar no seu país, aquele que é o maior exportador de petróleo do mundo, um país riquíssimo, ao informar que as empresas que quiserem fazer negócio com a Arábia Saudita têm três anos para estabelecerem sedes e raízes em Ríade, a capital do país. O príncipe já havia anunciado que vai gastar mais de 200 mil milhões de dólares para a tornar numa cidade do futuro, com os últimos gritos tecnológicos e afins, o que, em qualquer outro lugar, poderia ser dinheiro suficiente para irem todos a voar, já havia prometido incentivos fiscais jeitosos, como isenção de impostos e da obrigatoriedade de contratação local, e, mesmo assim, as empresas nada de se chegarem à frente para lá ficar. Escolhem ter sedes e funcionários de topo em países vizinhos vistos como mais brandos no que toca às leis do mundo árabe, países como o Dubai. E como só aí 20 empresas aderiram ao convite, o príncipe perdeu a paciência (o que não é a primeira vez) e transformou o convite numa ordem ao decidir que quem quiser ficar com um pé fora do país fica com os dois e já não há negócios.
Este anúncio surge numa altura nada inconspícua em que os EUA emitiram um relatório sobre a morte e desmembramento do jornalista Jamal Kashoggi, que aponta para o envolvimento do príncipe saudita e em que, se a nova administração Biden quiser ficar na história por pôr valores à frente de parcerias económicas, podem levar a sansões que vão dificultar a vida no reino e mudar o panorama geopolítico mundial. Quanto às multinacionais que lá operam, vamos ver se o dinheiro pesa mais do que o receio justificado de se cair na lista negra do poder saudita e de ser desmontado como um puzzle e espalhado por aí. O artigo sobre o assunto no Financial Times era engraçadíssimo e terminava com um palavrão de um empresário estrageiro com operações na Arábia Saudita, afirmando algo como “lá viver ‘hell no’, isso é que não”.
A propósito de hell, e passando agora à nossa actualidade, continua a ser absolutamente sinistro ouvir o partido no poder repetir o novo mantra “vão assustar já está”... É, de facto, um susto ouvir que o partido no poder considera a sua reeleição um susto e sobretudo ver a decadência de se passar de palavras de ordem do Fundador da Nação, para palavras de ordem de um actor e modelo famoso (sem qualquer demérito para este último). Mas é sinistro sobretudo porque o “vão assustar já está” soa àquele holiganismo político do adepto acéfalo que apoia o seu clube acima da sua selecção nacional. Treinador fez substituição ehhhhhh – batem palmas “porque génio”,“porque estratega, porque, porque”. Não sabem porque é que a equipa não consegue ficar coesa há tanto tempo, mas se o treinador substituiu só pode ser génio, aplausosss. Desdisse que a Constituição não era para mexer “palmaasss, mestre, xeque-mate”...
Se o chefe não os conhecesse bem, não soubesse tão bem quão rápido mudam de ideias quanto à performance do treinador, quão rápido acenam lencinhos brancos (como fizeram ao outro sem vestígios de lealdade), se não soubesse bem disto o treinador actual (que deu a bassula que deu no anterior), talvez acreditasse nessas palmas e elogios com que o cobrem os adeptos.
E agora pergunto eu, e se essa lealdade fosse para com a selecção mais do que com os clubes, mais com o país em vez de para com os partidos? Que país teríamos? Talvez tivéssemos melhores instituições, os melhores de todos os partidos ao serviço do bem comum, mais do que ao serviço dos seus interesses individuais.
Na semana passada, o Valor Económico publicou o estudo da consultora BCG, revelando o que não é novidade para ninguém, que os angolanos cada vez mais querem sair do país. E é isso o que torna mais triste todo esse holiganismo político que fica a aplaudir quando ninguém sabe muito bem o que merece aplauso. O estudo também revelou que aumentou o número de estrangeiros que gostariam de vir trabalhar em Angola, mas se quem está no país só quer fugir é porque sabe algo que quem está fora não sabe. Para não falar que, em todo o mundo, os países que cederam aos populismos tornaram-se menos atractivos, ajudando o nosso a melhorar no ranking. O que é facto é que quem está em Angola cada vez mais quer fugir do país.
E nem é difícil ver porquê, para além da lixeirada em que está transformada a capital, que aglutina o maior poder financeiro, a educação é má, a saúde pública é péssima e o sistema de justiça, dependente do interesseiro sistema político, tudo factores que afugentam quadros.
Os meus afilhados que vivem em Londres desde pequenos, e que eu aqui há uns anos aconselhava a voltarem para Angola depois dos cursos terminados para irem contribuir para o país, que também é deles, se desenvolver, ouvem falar da burocracia, das dificuldades de legalização de terrenos, do pesadelo que é tratar de qualquer documento, da falta de escolas e de hospitais, do quão caras as unidades privadas são, vêem os kwanzas que o pai manda com cada vez mais dificuldade de Angola para o Reino Unido e que transformados em libra pouco valem, vêem as fotos da lixeirada em que está transformada a capital e respondem-me algo como os empresários internacionais respondem à ideia de se fixarem na Arábia Saudita... Hell no! E é por isso que o nosso país, diferente de outros em África, quase não conta com remessas dos seus compatriotas no exterior,
Os cabo-verdianos no estrangeiro mandam cerca de 200 milhões de dólares por ano para Cabo Verde, mais de 10% do PIB de Cabo Verde são remessas de cabo-verdianos que não só enviam para a família, mas para construir casas e negócios no país para onde mais tarde querem voltar. Os portugueses em Angola enviaram mais de 50 milhões de dólares de Angola para Portugal só no primeiro trimestre do ano passado, que era de pandemia. Enquanto os angolanos a trabalhar em Portugal enviaram pouco mais de dois milhões. O que se manda de fora para cá, muitas vezes, por via de corredores sem registo, manda-se cada vez mais só para sobrevivência da família que fica para trás, não porque se quer construir aqui e voltar ao país para trabalhar e viver assentar a família. O angolano comum tem cada vez mais dificuldade de ver o país como o ideal para os seus filhos. E enquanto Angola se vai tornando cada vez pior para os angolanos, os adeptos “eeeehhhh” batem palmas emocionados com a performance do clube do coração... custa a ver.
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