E agora pergunto eu...
Seja bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço em que perguntar não ofende, e em que nesse mesmo espírito, sendo que a semana que passou foi marcada por viagens dos nossos governantes, sobretudo a do próprio Presidente e a de um governador numa altura de pandemia e de penúria extrema, que fizeram brotar todo o tipo de perguntas e de especulações sobre o que foram fazer lá fora, quando o trabalho é mesmo melhorar o que está bem e corrigir o que está mal, em Angola...
O Presidente, que no início do mandato gastou vários milhões de dólares em viagens frequentíssimas, que lhe valeram o título de ‘presidente voador’, coitado, devia estar mesmo a sentir falta de uma viagenzita, principalmente para um sítio assim, sem lixo e organizado como o Dubai. Mas em tempo de pobreza extrema, de fome, numa altura em que os nacionais estão a fugir para onde podem, até mesmo a pé, correndo risco de se tornarem eles mesmos comida de leão ou de crocodilo, as perguntas sobre o que foi o Chefe de Estado (e do estado de coisas) fazer ao país onde supostamente também está estacionado o ex-Presidente, que o actual passou estes três anos de mandato a culpar por todos os males que se vivem no país, e, coincidentemente, também o ex-vice-Presidente que, muito pelo contrário, foi protegido, as perguntas são inevitáveis... E, neste contexto pandémico, resta o argumento mais corriqueiro e mais usado para justificar as viagens frequentes dos nossos dirigentes, e que foi usado também pelo governador do Namibe, (minha querida província de origem, onde recentemente morreram jovens à fome no Virei, que é o município onde a minha mãe nasceu), e cujas imagens, supostamente num restaurante em Espanha, se espalharam pela internet fora.
O argumento da viagem por questões de saúde, no entanto, leva à pergunta desta semana: “e agora pergunto eu, porque não são os governantes os primeiros a liderar, por exemplo, e a seguir o conselho da colega ministra da Saúde, que diz que o sistema de saúde em Angola já melhorou tanto, que não se justificam juntas médicas e que os doentes que estão no estrangeiro podem bem ser tratados nas unidades hospitalares do país? Porque é que os nossos governantes não seguem, todos, a receita da ministra da Saúde? Será que não confiam nela? Ok, isto parece mesquinharia e inveja dos governantes viajantes, mas, querido leitor, considerando que este turismo médico, este turismo de saúde que tradicionalmente serve de desculpa para qualquer escapadela governamental, tem custos de curto/médio e longo prazos, terríveis, as perguntas lidas são válidas.
Os custos de curto prazo são as próprias viagens, custos com aviões, frequentemente privados, que custam milhares de dólares por hora, a adicionar a custos com hotéis de cinco estrelas que não deviam ser custeados por um Estado pobre como o nosso, e porque normalmente não viajam sozinhos, há a adicionar os custos com as viagens e consumos das suas entourages.
Mau, mas pior são os custos de longo prazo, que são menos visíveis, mas mais proibitivos. São custos que se vêem na falta de investimento nos sistemas de saúde africanos (vale lembrar que o orçamento de Estado para a Saúde é inferior, por exemplo, ao da segurança de Estado), são sustos que se vêem na fuga dos quadros bons para países que paguem em condições e onde se viva bem, sem o risco de se matarem doentes a três pancadas, por falta dos mais escabrosos básicos hospitalares. E são custos que condenam os nossos sistemas de saúde aos restos, à falta de recursos financeiros e humanos em que se vê frequentemente um médico para vários milhares de doentes.
O turismo de saúde não é problemático só em Angola, toda África passa a vergonha de ter os seus presidentes e ministros, governantes a sua elite, muita, muita gente a tratar-se na Europa, nos EUA, enfim, fora do continente.
Lembro-me que aqui, há algum tempo, o presidente nigeriano havia prometido banir o turismo de saúde do seu governo, dizia que era uma vergonha países como o Zimbábue e Angola, em que o presidente tinha de viajar por não confiar nos cuidados de saúde que são oferecidos aos cidadãos que o elegeram. Mas depois de eleito também ele, Buhari, viajou em tratamento e ficou o dito por não dito, como acontece tantas vezes em política.
África gasta uns assombrosos seis biliões de dólares em tratamento dos africanos fora do continente, isto em valores registados e que podem ser muito, muito mais sem registo. E o problema com a elite política ir tratar-se fora do continente é o mesmo do “pai de família que não come em casa e que, por isso, não sente necessidade de investir num bom jantar”, como li algures a perfeita alegoria. O problema é que a elite governante deve dar o exemplo para que as coisas melhorem de facto e esta é uma promessa eleitoral concreta que ainda não ouvi de nenhuma formação política, mas que faz muita, muita falta ouvir.
Esses biliões de dólares que são gastos lá fora, se investidos em sistemas de saúde e de pesquisa de soluções de saúde em África, soluções que ali em novas tecnologias ao uso da medicina preventiva, das plantas medicinais que temos com fartura, esse investimento em África em vez de na saúde dos nossos governantes que gastam milhões a cada visita para ver os olhos ou os dentes, esse investimento mudaria certamente o panorama da saúde africana.
E não é investimento na construção de hospitais para governantes, como se disse ser plano da Presidência a certa altura, é investimento em hospitais para todos.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...