E agora pergunto eu...
Na semana que passou, os principais eventos a marcarem actualidade continuaram a ter um pendor muito focado sobretudo no passado. E, apesar de ser certo que, como diz a sabedoria popular, ‘quem não conhece o seu passado é como uma árvore sem raízes’, o problema de se viver no passado é evidentemente o risco de se esquecer e não valorizar o presente e, sobretudo, de não se preparar o futuro.
A semana iniciou com notícias de que a nossa PGR foi de avião expressamente receber em mãos a lista dos endinheirados que, no passado, enterraram verdadeiras fortunas em Portugal. Isto foram notícias que a PGR veio depois negar, pergunto-me se por causa do embaraço que causam sempre os áudios de resposta da Tchizé dos Santos ou pelo embaraço de os media portugueses terem destacado nessas notícias a falta de interesse da nossa PGR na fortuna lá plantada por duas figuras: Álvaro Sobrinho e Manuel Vicente (de quem se diz que será um, senão o homem mais rico de África).
Destacar esse detalhe é um factor de embaraço grande porque demonstra lá fora aquilo que “todas as mães já sabem” cá dentro, que é que a nossa justiça escolhe a dedo quem vai julgar com critérios que certamente não são de grandeza (senão o ex-vice seria prioritário em vez de preterido), nem critérios que sejam do interesse público, mas evidentemente das agendas de quem está no poder.
Este foco em quem supostamente roubou no passado vai continuar a ser problemático, primeiro porque muito boa dessa gente está agora, no presente, ainda no Governo (lá estão as tais escolhas a dedo). E, quando começarem a falar das mansões e empresas e investimentos de uns, vão inevitavelmente aparecer a boiar as dos outros, alguns dos quais se quer proteger. O ministro da Energia, que viu uma extensa lista de casas, carros e barcos e de luxo tornada pública em Portugal, parece ter sido vítima desse fogo cruzado que vai continuar a disparar em todas as direcções e que não poupa sequer as filhas do actual Presidente e os apartamentos que alegadamente têm em países como os EUA.
Mas o foco no passado é problemático, sobretudo porque faz com que se desviem atenções não só de quem desvia no presente, mas de como se vai, de facto, prevenir que se desvie no futuro, o que, a um nível institucional, devia ser o mais importante. O combate à corrupção precisa de uma autoridade independente da política, com fundos próprios e dotada de capacidades que a tornem transparente e funcional, em vez de instrumentalizada.
Outra lembrança do passado foi o vídeo do ex-Presidente a sair do Dubai para Espanha. José Eduardo dos Santos magro, debilitado, continua a ter melhor figura do que muitos mais velhos da idade dele, mas mais relevante do que isso é que vai continuar a seruma figura de inegável marca na História do país, independentemente de os gabinetes do seu partido a tentarem reescrever, removendo a sua foto de entre a de Agostinho Neto e de João Lourenço e do kwanza.
Pessoal do MPLA vira casacas que escarneceu da debilidade do ex-PR: como dizia o boneco brasileiro – “Deus tá vendoooo”. Coisa feia essa demonstração de cobardia generalizada que impede qualquer demonstração pelo menos de respeito a uma figura a quem todos prestavam uma vassalagem enjoativa.
A propósito de reescrever a História, outra notícia de foco no passado foi a aprovação de mais de um milhão de euros em verbas pela Presidência da República para contar a História da luta de libertação dos PALOP. A comissão que trabalha nisso apresentou ao fórum PALOP um orçamento de 1,8 milhões de euros e o Presidente de Angola disse que já em Maio vai disponibilizar 1 milhão de euros para o projecto. Mas, e agora pergunto eu, é mesmo o momento?
Numa organização com 9 membros, Angola vai avançar com 55% do orçamento de um projecto de contar História, sem qualquer desprimor para a História que é muito importante, mas vai fazer isso agora porquê? Isso não é showismo de 'bancar a rodada'? Temos tanta gente a tentar não passar à História agora, no presente, a comer do lixo, e vamos pagar 55% de um projecto que vai custar um milhão de euros aos cofres públicos para recontar o passado porquê? O valor não é elevado, mas qual é a mensagem que fica em termos de prioridades?
A petrolífera Exxon Mobile, que tinha orçamentado um pouco menos, um milhão de USD para a responsabilidade social em Angola, anunciou, também na semana passada, que vai encaminhar esse orçamento para o combate à malária, a primeira causa de morte dos angolanos. Priorizar é assim, olhar para o que mata mais, o que debilita mais e o que pode combater mais o desemprego – contar História é importante, mas certamente não será prioritário. Também o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento lembrou na semana passada a importância de priorizar dizendo que, em África, o risco de se morrer de fome é muito maior do que o risco de se morrer de covid, razão pela qual o BAD vai investir 10,4 mil milhões de USD para apoiar colheitas estratégicas e melhorar a segurança alimentar no continente africano – priorizar é assim.
Esta fixação retrógrada com o tempo que lá vai, com construção de museu e biblioteca do Palácio da Cidade Alta, sempre com verbas que teriam melhor caminho se fossem dedicadas, por exemplo, à segurança alimentar, é sintomática de que os chefes pararam no passado e se recusam a dele sair. Entretanto, o presente vai ficando de lado e, mais uma vez, Angola está numa daquelas listas que ninguém quer estar.... Diz um estudo de uma seguradora francesa que como a RDC, a Mauritânia ou a Síria que está em guerra, Angola está entre os 10 países do mundo sem futuro... e era nisso é que era importante trabalhar no presente. “Passado é passado, amanhã é o futuro, mas hoje é uma dádiva, daí que se chame presente” – diz a frase famosa, no entanto, o presente da maioria dos angolanos ainda está longe de se parecer com um presente. Com esperança de que os nossos líderes mudem o presente e preparem o futuro em vez de viverem no passado, marcamos encontro sexta-feira na sua Rádio Essencial, e aqui neste espaço para a semana.
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