E agora pergunto eu...
Na semana que passou, a actualidade mundial foi marcada por uma bofetada faltadora de respeito e que, no continente africano, só motivou olhadas de lado para o presidente Macron pelo “mau exemplo” ao minimizar a agressão. Se fosse em África... nem é preciso perguntar.
Entretanto o Fundo Monetário Internacional aprovou mais uma tranche 772 milhões de dólares no âmbito do Programa de Financiamento Alargado para uma Angola de mais de 30 milhões de pessoas que, na sua esmagadora maioria, não sentem os benefícios de qualquer empréstimo até agora, e em que, simultaneamente, se diz que apenas uma consegue transferir biliões de dólares para fora sem que o regulador do sistema financeiro diga nada. A nova tranche (que a propósito da festa que os nossos governantes estão a fazer é bom lembrar que não é oferta – é empréstimo) caberia nas malas do major. Ou nos contentores do novo major que se diz ser mais rico ainda do que o primeiro e que preencheram a actualidade mais uma vez ofuscando as actividades presidenciais.
O PR foi ao Bengo obrigar a uma lavagem de ruas e retirada de ambulantes das bermas, mas valeu a viagem quanto mais não seja para ouvir (o que todas as mães já sabem) que é preciso descentralização. O PR, que disse “autarquias” e depois desdisse que tinha dito porque não marcou, e deve saber que as autarquias são o melhor caminho para a descentralização, bem precisa de ouvir várias vezes que o país anda refém de uma capital que mal se governa a si própria e que não faz nem deixa as outras fazerem.
Voltando às malas e contentores de dólares que vão aparecendo e que nos tornam uma piada ridícula aos olhos de instituições internacionais que nos vêem a mendigar e a celebrar ‘pequenos dinheiros’ (pequenos em comparação aos conteúdos desses contentores e malas), pergunto-me o que pensarão os EUA quando vêem o seu dinheiro, com as caras dos seus heróis, que foi impresso nas suas máquinas, que é colaterizado pela confiança na sua economia, amontoado em malas e contentores no meio de fazendas no meio do nada, ou de apartamentos vagos do outro lado do oceano, e no continente mais atrasado do mundo? O que sentirão os americanos ao olharem para os nossos filmes de má qualidade que passam em horário nobre, no mesmo país em que mais de metade da população é vulnerável e refém da pobreza multidimensional? O que sentem os americanos e os outros que andam sempre preocupados com o financiamento ao terrorismo e com o branqueamento? Quem é que vem investir num país de tal ordem desgovernado?
Porque as divisas são geridas pelo BNA e porque as caixas de dólares que vimos no tal filme duvidoso ainda tinham o selo do regulador, é quase impossível o seu governador não se sentir atacado pelos renovados pedidos da sua “cabeça”, mais, quando o PR vem também apontar o dedo à falta de fiscalização do que devia ser o cofre-forte, mas que cada vez mais se mostra‘o cofre fraco’.
O entrevistado do VE da semana que passou, o deputado Lindo Bernardo Tito, descreveu as palavras do PR a criticar a actuação do BNA como uma “tentativa de sacudir a água do capote” porque as regras do jogo quem impõe é o próprio PR, por isso, se há batota grosseira, é porque ele assim permite. No entanto, e, a avaliar pela quantidade de ataques de que o governador do BNA tem sido alvo pela manifesta falta de controlo que permite que ande fechado em malas e contentores tanto dinheiro físico, em moeda alheia, dólar e euro, em kwanza (sem cara de José Eduardo dos Santos ainda por cima), Massano tem motivos para estar preocupado.
Até porque assistiu de camarote à queda e queima do seu antecessor e ainda atirou umas achas para a fogueira dizendo que o BNA tinha ficado mal visto a nível internacional pelo desempenho de Valter Filipe. Como assistiu e ajudou a queimar o outro, o governador Massano sabe bem que pode ir parar a uma fogueira semelhante com muita rapidez, tendo ou não culpa no cartório, dependendo apenas do tipo de filme que convém ao poder reproduzir, se precisa de um bode expiatório para sacrificar, ou simplesmente de uma fogueira nova para entreter a opinião pública. Razão tem ele para estar preocupado, a menos que saiba estar na mesma lista de inabaláveis que estão uns poucos impermeáveis a todos os indícios de corrupção da gestão pública. É que o ‘cofre fraco’, com toda esta pocilga das malas e contentores de dinheiros, está mesmo a pôr-se a jeito para uma fogueirazita.
O escândalo arrisca mesmo a ser quase tão mau para a reputação do regulador quanto o escândalo do Besa, que até agora dá que falar por causa do impacto que teve no BES português e que fez com que todos os bancos internacionais se vissem obrigados a reduzir a exposição à banca angolana. O ex-governador do banco central português fez referência também, na semana que passou, a esse escândalo que tornou a banca angolana num leproso, dizendo que a exposição do BES ao Besa devia ter sido travada mais cedo. Escândalo Besa acontecido também durante a vigência do mesmo Massano que assiste ao filme das malas e contentores (antes de sair do BNA para o BAI e depois do BAI novamente para o BNA)...
Paralela à imagem de ruína da competência reguladora está a questão do abandalho da política monetária por estas malas e contentores. É que se o BNA dita, por exemplo, que há excesso de liquidez e que os bancos terão de fazer reservas maiores (retendo ainda mais o crédito e arreliando ainda mais os seus clientes), o resultado, em termos de enxugue da liquidez e de valorização da moeda, pode ser ‘apequenado’ por estes contentores e malas de dinheiro que têm o potencial de perverter qualquer tentativa de manipulação do câmbio a favor da redução da inflação. O BNA enxuga de um lado e os contentores e malas inundam do outro, podendo sempre fazer lucro como kinguilas. E, nestas quantidades de divisa e kwanza, o que quer que o BNA tenha intenção de fazer para regular o câmbio, pode servir apenas para engordar mais as ditas malas e contentores. Como é possível de facto diminuir a informalidade da economia nacional, com tanta moeda física fora do circuito formal? Massano que é o ‘pai da desdolarização’, como fica na fita das sacas de dólares?
E pior, uma das teorias que circula é a de que a guarda que assegurava a entrada do dinheiro no BNA desviava um ou dois contentores antes mesmo de entrarem no cofre (fraco). Que rebaldaria sem tamanho? E agora pergunto eu, então ninguém fiscaliza o dinheiro que é suposto entrar? Que confiança é possível ter no BNA? Nas nossas instituições? O petróleo agora subiu para acima de 70 dólares quando, no orçamento, a expectativa é de uns conservadores perto de 40 dólares, um hiato de 30 dólares por barril (sujeito às negociações futuras e comissões costumeiras), mas que instituição garante que um excedente está mesmo a entrar? Tiramos os olhos do regulador e vemos que, do outro lado, a entidade que vende e negoceia o ouro negro é a Sonangol, cada vez mais vista como centro de toda a corrupção do país? Que pensar, senão “estamos entregues à bicharada”? Que imagem fica quando o país tem de assumir dívida pública para receber do estrangeiro como esmola o que provavelmente anda aí em malas e contentores? É preciso mesmo um reset do país. Um botão de começar de novo.
Com esperança teimosa no futuro, marcamos aqui encontro, e na sua rádio, Essencial.
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