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E agora pergunto eu...

23 Jun. 2021 Geralda Embaló Opinião

Na semana que passou, a PGR e o Ministério da Saúde fizeram por marcar a actualidade com a ministra da Saúde a fazer uma inédita, mas bastante pertinente, actualização sobre a malária no país e a PGR a enviar para todos os órgãos, incluindo para os portugueses (que é engraçado porque mostra essa necessidade primária de parecer bem lá fora), sobre uma vitória no caso do empresário S. Vicente, que a equipa de advogados que o defende diz que não foi mais do que o tribunal dizer que não tem competência para avaliar o caso. Mas a nossa PGR quer cantar vitória, e claramente anda carente de palmas, por isso, aplaudamos.

Para evitar coisas tristes, para variar, é melhor nem comentar o anúncio do Governo de que a economia estará estável no próximo ano... Porque se está a estabilizar no nível de miséria e de morte de empresas em que está, então é porque a noção de estabilidade do Governo não interessa a ninguém. Evitar coisas tristes é um exercício difícil... A justiça é um tema triste pela politização que leva a perdas várias, a começar pela perda de fé no sistema e a acabar em perdas de milhões com litigâncias e diligências. O reporte d’O Observador português sobre o assunto do empresário S. Vicente para o qual a PGR pediu cobertura mediática, dizia, por exemplo, que o custo dessa acção é de 143 mil euros e que o empresário vai ter de custear. Ora, caso o dinheiro que tem nas contas lá fora se prove ser do Estado, então esse custo vai ser pago pelo Estado, e certamente haverá mais custos com advogados e outras diligências em cima deste.

Seria de utilidade, a bem da transparência, saber qual tem sido o custo financeiro dessa cruzada da luta contra a corrupção (de alguns que outros qualquer menção levanta a ira de editoriais na TPA que vamos evitar no espírito de evitar coisas tristes). Esperemos que a nossa PGR esteja a guardar os recibos de todas as viagens a Portugal, aos EUA, Dubai, Suíça, Singapura e afins, e de todos os custos com representações do Estado que essas diligências acarretam. Porque esses recibos hão de ser requisitados, no espírito da transparência, tarde ou cedo, para a necessária dedução ao saldo das recuperações efectivas de activos.

A Saúde, claro, continua a ser um tema triste porque continua o descontrolo sobre as doenças várias, seja a malária, seja dengue, seja catolotolo, seja a incompetência do sistema em fornecer básicos que salvam vidas, seja a fome que continua a enfraquecer os sistemas imunitários e a matar sem qualquer piedade, seja o que for, tudo conjugado continua a sobrecarregar os serviços funerários como noticiava o ‘Novo Jornal’. E esse descontrolo fica evidente quando ouvimos qualquer minimização da malária, como se as filas de funerais, os dados do Ministério ou o aumento do negócio de caixões, do número de corpos nas morgues, pudessem ser ignorados.

Esta semana, a ‘Voz da América’ fez uma reportagem dura em Benguela. Dura, mas esclarecedora, sobre a recolha das sobras de trigo que caem dos camiões em transito por mães de família que enfrentam a fome e a tratam por tu. Uma delas dizia “daqui a pouco o povo vai morrer, o Governo não vai mais ficar com pessoas. Tudo está caro, não temos emprego, a fome e a doença vão matar muito”. Uma reportagem que o Executivo que diz que a economia está a estabilizar, ou que o sistema de saúde se recomenda, devia ver e interiorizar em vez de combater jornalistas e tentar tapar essas realidades com vitórias amorfas em que ainda por cima o Estado acaba perdendo dinheiro. 

A fome é um problema que se vem arrastando e que vai agudizando conjugado com a crise económica a crise pandémica, com políticas de Estado duvidosas e com a seca. Mas, a propósito da seca, há um comentário mais feliz a fazer (e que sempre ajuda a fugir às coisas tristes). A campanha do S.O.S Sul de Angola Voluntários (procure o grupo no Facebook, querido leitor) mandou para as regiões mais afectadas do Sul a sua primeira tonelada de alimentos e que esperemos que seja a primeira de muitas.

São projectos desinteressados, sem bandeira partidária, feitos com amor e força de vontade puros que restituem a fé na capacidade de, de facto, em vez de estabilizar na miséria, sair dela e entrar num círculo-virtuoso que consiga gerar mais actos desinteressados de amor ao próximo e ao país. Porque a magia desses actos é que são bem mais contagiosos do que os negativos. Também a propósito da seca no Sul, foi outra boa notícia que ajuda a fugir às más. Foi anunciado no Dia Mundial da Desertificação, dia 18 de Junho, um projecto chamado Yookoluteni, que significa resistir à seca em oshicuanhama, e que tem como objectivo a plantação de um bilião de árvores em oito anos para reverter os efeitos da seca e da desertificação. Um projecto que vai plantar árvores que, para além de dar frutos que mitigam a fome, vai mudar o ecossistema que de momento faz com que a fome no Sul seja rotineira, um triste espectáculo anual. O Yookoluteni é objectivamente uma solução para os problemas do Sul do país, uma solução que pode, a breve trecho, ter muitos mais resultados do que os intermináveis e insondáveis fundos para combate à fome e à seca que se perdem todos os anos nos corredores do Executivo, e que mal chegam ao destino.

A história de Yacouba Sawadogo, ‘o burquinabe que parou o deserto’ devia ter-nos ensinado alguma coisa. Tornou-se reconhecido em todo o mundo e já foi premiado pelas suas técnicas de regeneração dos solos desérticos no Burquina Faso, e plantou, sozinho, 12 hectares de floresta que mudaram drasticamente o ecossistema local. Outro exemplo foi descoberto, na Índia, de um homem que, durante quase 40 anos, plantou uma árvore todos os dias e transformou, sozinho, uma região que teria desaparecido inundada e deserta e a transformou em mais de 500 hectares de floresta. E agora pergunto eu, se tivéssemos começado há cinco anos a plantar com a lógica deste Yookoluteni, que envolve as comunidades locais e que, por isso, não seria uma pessoa, mas várias a plantar, será que não teríamos já erradicado a fome que todos os anos, este pior, mas todos os anos é cartão-de-visita do Sul de Angola? Essa não devia ser a prioridade? Projectos que tenham o potencial tangível de mudar o futuro próximo para melhor? Este projecto está nas mãos capazes de uma ambientalista angolana, com provas dadas e conhecida por arregaçar as mangas para pôr mãos ao trabalho, e que conta um impressionante registo com o projecto Otchiva que foi nomeado para um prémio internacional das Nações Unidas para o meio ambiente, a Fernanda Renee, e a sua super-equipa. Gente que inspira e que renova esperanças num futuro diferente da ‘estabilidade na miséria’ que um governo que quer mostrar trabalho à força nos tenta impingir. E é mais um projecto que precisa do apoio de todos, que está na mão de todos. E não é factor de esperança que possamos todos fazer algo, ainda que seja plantar uma árvore ou mandar sementes para plantar, para melhorar o país?

Nesta nota, igualmente feliz, querido leitor, marcamos aqui encontro e na sua Rádio Essencial.

 

 

 

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico