E agora pergunto eu...
Numa semana em que a actualidade foi marcada pela aprovação da lei eleitoral que havia sido rejeitada, mas que parece que era só ‘jajão’ e era mesmo para aprovar, continuámos a assistir ao jogo de xadrez que, resta saber, se não é de “nível kilobyte que não vale a pena ser dirigente” como diz o bispo de Cabinda, que não só também marcou a actualidade da semana que passou, mas incendiou as redes sociais com as suas reflexões acerca das “cabeças de pobre a que devemos a nossa desgraça”.
Belmiro Chissengueti, que, além de bispo de Cabinda é porta-voz da Ceast disse que “cabeça de pobre é aquela que, para visitar um sítio, não importa, qual os membros do Executivo têm de ir ao aeroporto gastar tempo, gastar combustível, entrar e sair”. E esta já foi uma das muitas perguntas deste espaço mesmo no tempo ‘da outra senhora’. Porque é que sempre que o chefe se desloca tem de haver ministros no aeroporto para o saudar, fazendo isso mesmo que diz o bispo, perdendo tempo, gastando dinheiro, mobilizando recursos, e mais, a atrapalharem completamente o trânsito da cidade com os seus batedores e sirenes, tudo só para irem curvar o dorso ao Presidente que está a sair ou a chegar.
Mas o bispo, que estava inspirado, disse mais: – “as nossas delegações são as que mais gastam nas grandes conferências internacionais. Fingem que são ricos. Os outros usam avião comercial, mas os nossos dirigentes gastam milhões em viagens com aviões de luxo.” E, a propósito de gastos com viagens, a última edição do Valor Económico revelava que o Orçamento Geral do Estado para 2022 já prevê um aumento de gastos com viagens da ordem dos 35%.
Os gastos previstos com viagens, e ênfase aqui no previsto porque muitas das viagens feitas pelo Executivo até agora receberam aprovação de despesas extra, mas até na previsão o Governo já está a antever aumentar o gasto que já era de mais de 78 milhões de dólares para perto de 120 milhões de dólares – o valor mais alto dos últimos cinco anos, o que nos diz que o nosso ‘presidente voador’ tem toda a intenção de cada vez voar mais. O que talvez se perceba, o ambiente em Angola anda meio stressante com tanta gente a queixar-se tão constantemente que imaginamos, só dá vontade de apanhar o avião, particularmente quando se tem um avião de luxo privado à disposição.
E dizia a ministra das Finanças que não há dinheiro para luxos e que o OGE de 2022 introduzia “o realismo e o pragmatismo pois temos de viver dentro das nossas possibilidades para evitar onerar ainda mais o contribuinte”... Coitada. Muito trabalho tem ela pela frente para fazer valer essa mensagem. Entretanto é visível da sua parte um esforço de ressalvar prioridades: foi ela a anunciar que, pela primeira vez, temos a despesa com a Educação a ser superior à despesa com a Defesa e superior a um bilião de kwanzas dos quase 19 biliões de kwanzas do OGE previsto para 2022. E não podemos repeti-lo vezes suficientes – o investimento na Educação é absoluta e inequivocamente prioritário ao contrário de muitas das gorduras que têm o nosso Estado obeso para cortar.
Em 2019 antes de a covid baralhar as contas de uns e passar a servir de desculpa para o falhanço de outros, o Lesoto, por exemplo, gastava 7.8% do seu PIB com Educação. Moçambique gastava 6.2% do seu PIB na Educação dos moçambicanos, enquanto a vizinha Namíbia gastava 9.5%. Querido leitor, no mesmo ano, em 2019, Angola gastava 1.8% do seu produto interno bruto com a Educação 1.8% – é a expressão do quão prioritária é a Educação para o Governo. Angola figura no grupo dos 5 países que menos gastam com Educação da África subsariana que tem uma média de investimento de 3.5% do PIB no sector.
Recentemente correu uma estatística indicando que 70% das aulas no Cunene são ministradas debaixo de árvores. Uma manchete do Jornal de Angola há dois anos estimava em centenas o número de crianças a estudarem debaixo de árvores em províncias como o Bié, e, mesmo na capital, se não debaixo de árvores (que são mais escassas) certamente em barracas sem condições há milhares de crianças a tentar estudar. No Bengo, na semana que passou e para assinalar o Dia Nacional do Educador, os professores saíram às ruas para comemorar, mas queixaram-se de que falta de tudo um pouco, apagadores, giz e de que os professores passam por muitas dificuldades. Tudo resultado não só de um fraco investimento na Educação como de desvios do pouco que se investe, que não é fiscalizado e que é empregado de forma esporádica e nada estruturada diluindo-se com o tempo. Ainda na semana que passou, correu online um texto intitulado “recado de um jovem professor para as ministras das Finanças e de Educação” que pedia que quando tivessem em conta o subsídio de isolamento e risco dos professores que tivessem em conta os riscos das longas viagens que fazem para dar aulas expostos a cobras gigantes como a que tinha atrás de si o jovem na foto.
Os professores e os educadores têm um papel instrumental que continua a não ser reconhecido ou recompensado e essa displicência com o sector tem custos muito elevados, indissociáveis de estragos no tecido social e económico do país. A educação tem de sair das listas negras do investimento da África subsaariana no sector e tem de deixar de ser o temor dos pais angolanos, das famílias, que têm de se esforçar por pagar vagas ou por pagar propinas caríssimas, sempre sentido que o ensino dos filhos fica aquém do desejável. A educação merece mais do que um aumento no OGE, merece um investimento estratégico e com mecanismos de controlo de eficiência, porque o que se tem feito até aqui claramente não chega e só faz proliferar as tais cabeças de pobre 140 kilobytes e a milhas dos gigas e terabytes de que precisamos para sair do subdesenvolvimento.
JLo do lado errado da história