E agora pergunto eu...
Seja bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço onde perguntar não ofende em mais uma semana com a actualidade mundial a ser marcada por um novo pânico-covid, desta vez com a variante Ómicrom, que gerou, a par de quedas das bolsas mundiais, a reacção preventiva mas irracional do fecho de fronteiras aos países da Africa Austral.
A reacção foi preventiva no sentido em que é a solução encontrada pelos países para limitar a importação de casos, sendo que o custo-benefício (particularmente nos países com leituras estatísticas funcionais que não é o caso do nosso) é avaliado contrapondo a necessidade de salvar vidas e de manter sistemas de saúde operacionais com os custos financeiros de qualquer fecho de fronteiras. Custos que, dependendo da morfologia das economias, podem ser incapacitantes. A África do Sul perdeu, em 2020, cerca de 16 mil milhões de dólares em receita que era esperada só do sector do turismo. Em Portugal, a província nortenha do Minho, que faz fronteira com a Espanha, perdeu, em 2020, 92 milhões de euros por causa do fecho de fronteiras entre Portugal e Espanha.
Mas custos financeiros à parte, os últimos fechos de fronteiras à África Austral sobretudo são irracionais porque os cientistas da África do Sul identificaram a variante – não são os pais dela. E isto é bom repetir devagar porque pode ser que os nossos dirigentes oiçam: identificar uma variante significa que se tem meios e capacidade científica para fazer esse estudo, não significa que essa variante só exista na África do Sul. E tanto assim é que há vários casos pelo mundo fora, alguns identificados na Europa e nos EUA a circular muito antes de os cientistas sul-africanos a identificarem.
Como a irracionalidade cada vez mais se vai tornando a nossa marca – a irracionalidade e a vergonha que essa irracionalidade causa – o nosso Governo apressou-se a aplicar o mesmo embargo aplicado pelos países do hemisfério norte aos países da África Austral. De tal ordem precipitadamente que há relatos de angolanos que vinham nesse mesmo dia do anúncio da medida num avião da África do Sul para Luanda que estava em pleno voo e que teve de voltar para trás porque o nosso Governo implementa medidas assim de forma intempestiva, quase boçal, parecendo julgar que essa rapidez é de alguma forma sinónimo de competência.
Assim como do dia para a noite se decidiu que mais ninguém saía do país sem vacina, assim como, sem ter capacidade instalada para vacinar em massa, se decidiu que o certificado seria obrigatório para entradas em instituições públicas, assim, do dia para a noite, se decidiu que mais ninguém entra vindo da África Austral. E agora pergunto eu, mas nós, um país africano, entrámos tão rápido na roda do isolamento europeu e americano a África, um isolamento que já está a ser chamado de “novo apartheid”pelo líder das Nações Unidas, porquê? Será porque o ‘chefe voador’ quer parecer bom aluno nos europeus e restante hemisfério norte, de modo a tentar não entrar também para a lista negra? De modo a evitar ficar novamente retido sem ter para onde voar como ficou no pico da pandemia (que ainda o fez parecer mais infeliz do que o costume)? “Too late”, diriam os ‘brits’ que puseram rapidamente Angola na dita lista das fronteiras fechadas.
Mais uma vez, caros dirigentes, vale o ditado “galinha não segue pato” – parem de tentar imitar países do hemisfério norte, países alheios com um nível de organização diferente e que lhes permite tomar e ‘destomar’ medidas que nós não temos bases para imitar.É que, entretanto, depois do pânico inicial e devido a uma tomada de posição forte do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, os britânicos, que lideraram o ‘apartheid da covid-19’ à África Austral, retiraram a decisão porque ficaram envergonhados pela precipitação inicial, e a British Airways voltou a voar para a África do Sul. E agora, em que posição ficam os nossos dirigentes que seguiram a batuta dos britânicos esquecendo em que continente estão? Vergonha...
Paradoxalmente, se o Governo angolano se esforça até ao ridículo para impressionar no hemisfério norte, em Angola mesmo, impera a lógica do antigo ditado árabe: ‘os cães ladram e a caravana passa’. Só que, diferente do intuito original do ditado, que atribuía o rótulo de ‘cão que ladra em vão’ a quem queria prejudicar o desenvolvimento de outrem, o nosso Governo trata grande parte da opinião pública que quer o desenvolvimento do país como cães que ladram à sua imparável caravana. É que o latir que é ignorado vem de tantos e tão diversos quadrantes que não se vislumbra outra explicação.
Os dirigentes e aspirantes a dirigentes falam para a sua corte e por isso descrevem maravilhas, enquanto fora dela todos os cães a latir são ignorados com sucesso.
A repulsa generalizada pelo gasto de perto de 45 milhões de dólares para a construção de uma nova sede para a CNE, quando o número de pessoas a passar fome nas ruas aumentou exponencialmente com o agudizar da crise em conjunto com a seca e as pragas no Sul do país e enquanto o desemprego só aumenta – repulsa ignorada com sucesso assim como todos os latidos acerca de outros despesismos injustificados num país com as emergências humanitárias que tem o nosso.
As reclamações sistemáticas contra a parcialidade absolutamente vergonhosa da cobertura dos meios de comunicação públicos, desabridamente a favor do partido no poder – “ladrem cães que a caravana segue”.
As críticas (fora da corte, claro) sobre a intervenção embaraçosa e infantilizante do Tribunal Constitucional na vida interna do maior partido na oposição, dois anos depois do congresso objecto de interferência – ignoradas – ladrem kambuás que a caravana passa, suja que esteja, vai continuar a sua marcha.
Os cães ladram contra o sistemático recurso à adjudicação directa e ao negócio consigo próprio, que é frequentemente associado, por exemplo, à famosa Omatapalo, que, segundo media independentes, recebeu a adjudicação de mais uma obra na semana passada, no valor de 23 milhões de dólares, num ano em que lhe terão sido também adjudicadas as obras do cash center do BNA e do novo Hospital Sanatório – latir inaudível... a caravana segue imparável com a sua corte a aplaudir.
A governação não tem de governar para ser popular, mas deve ser assente num princípio de prestação de contas e de serviço público. Não é defeito nenhum quando a opinião dos outros é irrelevante para a nossa vida pessoal, mas é defeito grave de fabrico quando a opinião pública se torna indiferente para a conduta de um servidor público – porque significa que deixou de o ser. No caso de Angola, essa indiferença da governação é endémica e o resultado é o que temos há décadas.
Com esperança de que mais do que deixarmos de ser tratados como kambuás, deixemos de ter razões para latir, marcamos aqui encontro e na sua Rádio Essencial.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...