E agora pergunto eu...
Na semana que passou, decorreu a Cimeira União Europeia e União Africana em Bruxelas, que contou com a presença de mais de 40 líderes dos dois continentes, e, quem foi desta vez ‘ao passeio’em representação de Angola foi o vice-Presidente da República, Bornito de Sousa (o que esperemos que tenha tornado a viagem bem mais barata para os cofres públicos do que se fosse o chefe com toda a ‘entourage’ que tende a segui-lo aonde vai).
Os fóruns deste tipo têm utilidade na medida em que reúnem decisores de vários países dos dois continentes e que têm o potencial de criar sinergias e projectos capazes de transformar as vidas de milhões de pessoas, a decisão quanto à produção de vacinas contra a covid-19 em países africanos é um exemplo. No entanto, tornam-se ‘passeios’ sem grandes consequências, à medida que os resultados práticos, em termos de reduções efectivas das assimetrias na qualidade de vida dos do hemisfério norte em relação aos do hemisfério sul, permanecem teimosamente imutáveis.
Há séculos que África se mantém na cauda do desenvolvimento mundial apesar de todas as riquezas do subsolo e simultaneamente apesar de ser o receptáculo de vários tipos de solidariedade e de ‘ajudas’ há décadas. Errar é humano, mas insistir no erro já é dificuldade de aprendizagem... Pergunto-me, quando é que as nossas lideranças vão perceber que a solução provavelmente não pode vir de fora... É que, enquanto insistem no erro, África mantém-se na cauda do desenvolvimento de tal maneira que milhões de africanos continuam a arriscar a vida e milhares a morrer todos os anos no mediterrâneo ao tentar fugir do continente berço, rumo a uma Europa prometida. Uma dinâmica incómoda, mas que não se alterou apesar das cimeiras, dos fóruns das cooperações e de tudo um pouco que se viu o ocidente fazer para incentivar o desenvolvimento africano nas últimas décadas.
A novidade desta cimeira terá sido provavelmente introduzida pela pandemia, que obrigou a que essas reuniões tenham agora pontos comuns de maior urgência e interesse partilhado. Sendo o interesse partilhado a verdadeira chave, da cooperação.
Com as variantes do covid-19, foi aumentando a consciência de que a pandemia não desaparecerá enquanto o continente africano não estiver a um nível mais avançado em termos de capacidade de vacinação e o resultado prático foi o anúncio de que o Senegal e o Ruanda vão produzir vacinas já em 2023. Uma solução que vem de fora, na forma de fábricas pré-fabricadas pelas farmacêuticas e contentorizadas, mas, pelo menos, é uma solução objectiva e tangível para um problema também objectivo e que visa o interesse comum.
Uma das limitações destas cimeiras internacionais é que as realidades são tão díspares que as resoluções, mesmo as que prometem biliões de euros em financiamento (como é o caso desta que anunciou mais 150 mil milhões de euros), tendem ‘a morrer na praia’ em termos efectivos de melhoria da qualidade de vida dos africanos.
Quando os europeus falam em melhorar a qualidade de ensino pensam em construir mais escolas, em dotá-las de equipamentos de acesso às tecnologias, não pensam nos problemas mais profundos que temos por aqui, porque essa não é uma realidade necessariamente familiar. Aqui, há escolas de chapa, que chove lá dentro, alunos com aulas debaixo das árvores, professores sem formação, sem quadros, sem giz, sem transporte para chegar à escola, muitas vezes, em locais sem acesso, e, sobretudo a receber de salários de miséria que os obrigam a dar aulas em vários sítios e a não se concentrar em nenhum, enquanto se focam em dar de comer aos seus. Quando os europeus falam em prevenção da covid-19 (e os nossos governantes repetem sem processar), não visualizam as casas de banho maioritariamente destruídas e sem água corrente para a lavagem das mãos.
Os europeus também não consideram necessariamente que os investimentos na educação são também diluídos pelas taxas de crescimento populacional que ultrapassam em larga escala a efectividade e a eficiência desses investimentos públicos. Quando os europeus falam de melhorar a qualidade do ensino, não consideram que temos decisores políticos confortáveis com o estado miserável de coisas e que defendem o status quo de, como ouvi num debate em que a ex-vice-ministra da Educação Alexandra Simeão, visivelmente teve de se conter, “não se pode dizer que a educação não tem qualidade”.
A eficiência do investimento na educação em África é a mais baixa do mundo, segundo estatísticas da UNESCO. O investimento em escolas secundárias, por exemplo, tem uma eficiência de cerca de 41%, ao passo que, na União Europeia, o mesmo investimento tem uma eficiência perto de 83%, mais de o dobro.
Enquanto não resolvemos as razões na origem dessa perda de eficiência, vamos continuar a atirar dinheiro para um problema que não se vai resolver e a fazer obras como muitas que temos visto, que gastam orçamentos e, pouco tempo depois, não funcionam, não têm profissionais e degradam-se completamente.
Em Angola, temos uma mistura gasosa de ingredientes que só podem resultar numa educação sem qualidade nenhuma mesmo. Temos taxas de crescimento populacional que não há PIB e investimento público que aguentem, fraco investimento público na educação, e, talvez o pior dos ingredientes, líderes políticos tão confortáveis com esse estado de coisas que a prioridade é investir em sectores como a defesa e na construção de aeroportos, como anunciou esta semana o Governo, apesar dos vários que temos no país sem qualquer rentabilização. E agora pergunto eu, como mudar esse quadro? Provavelmente nem mudar os líderes chega.
Na semana que passou, o porta-voz do partido no poder disse, como não poderia provavelmente dizer diferente, que espera que o partido no poder lá fique por mais 50 anos. Misericórdia!
Para mudar o quadro, o da educação e dos outros que mantêm Angola e o resto do continente na causa do desenvolvimento, é, de facto, necessário um reset completo, uma mudança de paradigma e que funcione a partir de dentro, e que não dependa das boas vontades de fora. Será o partido que aí esta há quase 50 anos capaz de uma mudança dessa envergadura?
Correu tao ‘bem’ até agora...
JLo do lado errado da história