Melhorar a Educação em Angola Agarrando o toiro pelos cornos

09 Jun. 2021 Opinião
Melhorar a Educação em Angola Agarrando o toiro pelos cornos
D.R

Há uns dias, um amigo pediu-me para ajudá-lo a seleccionar alguns candidatos para um empreendimento que se propõe fazer por cá. Como até tinha tempo disponível, aceitei o desafio e passei pelo escritório para o fazer. E aquilo que eu pensava ser uma ‘coisita’ de duas-três horas tornou-se num pesadelo de três dias que não voltarei a fazer de ânimo leve.

Tinha pela frente cerca de trezentos documentos separados em quatro molhes, uma vez que havia quatro disciplinas a preencher. Comecei por olhar para o primeiro molhe e, sem ler as cartas dos candidatos, pus-me a ver os anexos para associá-los à função. Terminado esse propósito e separados os currículos inadequados, voltei ao princípio a fim de focalizar a minha selecção para definir os candidatos a entrevistar. Passei a segunda disciplina, a terceira e a quarta, tendo finalizado todo o processo com um total de três candidatos para entrevistar.

Como é óbvio, eu fiquei pasmado/abismado/atónito e sei lá que mais com o resultado do meu exercício. Dei comigo a perguntar-me se eu estaria a ser demasiado exigente ou se eu não entendera o que me fora pedido. Voltei ao princípio. E voltei a voltar para finalmente conseguir um total de cinco candidatos para entrevistar.

Afinal de contas, o que é que estava mal? Embora alguns candidatos até pudessem reunir as características documentais para as funções a que se propunham, não conseguiam sequer fazer uma carta com cabeça, tronco e membros. E ainda por cima com erros de morfologia e sintaxe inaceitáveis, na era do corrector ‘Word’ em tudo quanto é computador. Dei comigo a pensar em quantas reguadas eu teria levado do velho professor Durval se alguma vez barbarizasse a escrita daquela maneira. E isso a nível de ensino primário enquanto, para duas das funções, eu estava a seleccionar candidatos com formação universitária.

Com formação universitária ou não, os erros são os mesmos. A deficiência é exactamente a mesma. Portanto, o defeito não parece ser da educação universitária, pese o facto de que só um professor com a ‘mente corrupta’ aprova a graduação dum grau profissional mesmo que este não consiga escrever na sua língua oficial. Um graduado em Angola tem de ser proficiente em português. E para ser eficiente na universidade tem de adquirir a base no ensino primário.

Grande parte de nós passa a vida a criticar o estado em que se encontra o nosso ensino. Mas o que estamos a fazer sobre isso? A engordar alguns professores espertos, satisfazendo os seus apetites gananciosos, pondo os nossos filhos nos seus colégios? Não adianta dizer isto à ministra e aos seus colaboradores, pois são eles próprios a beneficiarem na sua vida privada dessa malandragem. A minha opinião é para o consumo do General João Lourenço.

Caríssimo General, mande suspender as aulas do ensino primário por um ano. Que esta ordem tenha efeito imediato. E vamos organizar o ensino primário. Vamos fazer o que o ministério e os sindicatos de professores não querem fazer porque não lhes convém, mas que é necessário para o bem do país e das nossas crianças. E para o seu bem, Sr. General. Com sucesso, o Sr. ficará na história como o pai da reforma do ensino primário. Talvez mesmo como o pai do ensino moderno de Angola.

Com as aulas para o ensino primário em suspensão, vamos treinar os professores primários. Todos. Há que ter coragem e seguir avante. Por um período, colocar os professores na posição de alunos.

Há que pegar nos professores com mais de trinta anos de experiência e pô-los a treinar os menos experientes. Se não houver treinadores de professores com a competência e em quantidade suficiente, vamos importá-los de onde eles existam. Sugiro Portugal, Cabo-Verde, Brasil, Cuba e Espanha. Possivelmente muitos de Portugal porque grande parte do treino terá de ser no uso da língua portuguesa. E, para diminuir a distracção, os professores de Luanda e arredores serão enviados para o treino no interior do país. Os do interior virão ser treinados em Luanda. Um programa intensivo de 40 semanas com 40 horas de aulas por semana. Destas, 30 horas seriam para língua portuguesa e as restantes para disciplinas de psicologia, comportamento social, metodologia e técnicas de ensino. E, durante esse percurso, estes treinandos serão testados em cada duas semanas pelos treinadores dos outros grupos para que se evite logo à partida a ‘corrupção da simpatia. E os que tiverem deficiências sérias nesses testes poderão ter de estender treino para além das 40 semanas.

Durante esse período de treino, o salário dos treinandos deverá aumentar todos os meses 10% de tal forma que, no final do curso, estarão a ganhar cerca do dobro do salário inicial. Afinal de contas, tem de valer a pena para eles também. E precisam de ser encorajados onde a falta honestidade se faz sentir. Os professores têm de ver o seu salário ajustado para que se esqueçam de alguns hábitos menos melhores.

Sabemos todos que o problema do ensino primário não é só o factor humano. Existe também o factor infra-estrutura. O número de salas disponíveis é inadequado. Pelo que me dizem, precisamos de mais de 50.000 salas de aulas. Embora isso não seja tarefa fácil, é fazível. Que se ponha a construção civil toda a trabalhar para o ensino. Muito provavelmente a indústria de metalo-mecânica também poderá dar uma ajuda substancial com a construção de salas feitas a partir de contentores modificados. Num esforço de todos, apesar de fora do comum, podemos dar a volta à qualidade do ensino primário. Perderemos um ano em benefício da qualidade a longo prazo. E, nos primeiros dois anos a seguir à reabertura, num esforço de recuperação memorável, os nossos professores poderão leccionar três anos lectivos para recuperar o ano perdido.

Ainda durante esse ano de treino de professores, dever-se-á treinar equipas de nutrição para que refeições adequadas sejam servidas aos nossos estudantes. E termos em atenção à selecção de gestores escolares. As escolas precisam de gestores profissionais, não professores falhados a fazerem de directores.

Isto será um plano abrangente que beneficiará a educação nacional. Certamente que irá, a longo prazo, melhorar o nível dos nossos cidadãos. Porém, e de importância exclusiva são os benefícios imediatos a nível de consumo da sociedade. Os professores com o salário melhorado irão injectar muito mais dinheiro no mercado através do seu consumo, o que acabará por beneficiar o Estado através da colecta do IVA. A construção acelerada de escolas irá tirar a indústria de construção e da metalo-mecânica da crise em que se encontram. Essa actividade ajudará a massajar o mercado de emprego no curto prazo. O movimento para treinar os professores fora do seu local de trabalho irá dar vida e melhorar a indústria hoteleira. Só benefícios. Mais recolha de IVA. Benefícios para todas as partes envolvidas.

Sr. General, o país precisa de actos de coragem. E nós até sabemos que o Sr. tem os ditos cujos no sítio. Se possível, são actos que até lhe podem ajudar no futuro imediato. Os filhos do país agradecerão. Os pais também. E nós, que dentro de alguns anos iremos desta para a melhor, iremos em paz por termos deixado um futuro melhorado. Afinal de contas, a melhor maneira de combater a corrupção é darmos aos nossos filhos uma educação digna de respeito. Afinal de contas, só assim iremos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. E quem ganhará é o povo. O futuro promete.

António  Vieira

António Vieira

Ex-director da Cobalt Angola