Os caminhos da Comunicação Social
té ao fim do actual mandato do Executivo, o nosso sector tem três objectivos fundamentais. O primeiro é criar todas as condições para a existência de um sistema de comunicação social democrático, diversificado e plural, em termos de perfil, tipos de propriedade e linha editorial. O segundo é continuar o trabalho de renovação dos média públicos, tornando-os não apenas os mais fortes, em termos de alcance e impacto, mas também os mais sérios e credíveis do mercado. Finalmente, o terceiro é contribuir para a promoção de valores, princípios e práticas social e moralmente positivas, educando a sociedade e criando uma nova visão do que é “ser angolano”, ou seja, um cidadão trabalhador e empreendedor, que busca o êxito e o sucesso através da meritocracia e não dos esquemas fáceis, consciente dos seus direitos e deveres, crítico mas responsável e cumpridor da lei, patriota, sem ser ufanista ou “patrioteiro”, e, ‘last but not the least’, solidário com os mais desfavorecidos e necessitados.
Se este último objectivo pode colher um consenso imediato, a prossecução dos outros dois suscita algumas reflexões e impõe, da nossa parte, determinados esclarecimentos e posicionamentos.
Assim, é óbvio que a existência de um sistema de comunicação social democrático, diversificado e plural implica, desde logo, a participação da iniciativa privada. A legislação angolana em vigor permite-o em absoluto, do ponto de vista jurídico, pois já não existem mais monopólios do Estado em qualquer domínio da comunicação social. Tudo depende, pois, em princípio, do interesse e da capacidade dos empresários em investir na comunicação social.
Há, no entanto, determinados requisitos, nomeadamente financeiros, considerados demasiado exigentes para a viabilização de projectos privados no sector em questão. Da nossa parte, e sobretudo quando, graças às novas tecnologias, se torna extremamente fácil e simples criar meios e canais de comunicação, desde sites a jornais, revistas, rádios e até canais de televisão, estamos prontos a propor às instâncias competentes a flexibilização ou mesmo remoção desses requisitos. Acreditamos, de facto, que a viabilidade e sustentabilidade dos meios de comunicação dever ser ditada pelo mercado ou, então, pela capacidade dos respectivos accionistas em mantê-los.
Além de contar com a iniciativa do Estado ou de empresários privados, o sector da comunicação social, enquanto sistema, pode contar também com a iniciativa de grupos ou cooperativas de jornalistas ou das próprias comunidades. Entre nós, há vários exemplos de meios de comunicação criados por grupos de jornalistas, organizados em empresas ou cooperativas, mas a imprensa comunitária continua a ser uma lacuna do nosso sistema. A razão principal para isso é que não existe uma ideia clara e consensual sobre a melhor forma de promovê-la e organizá-la.
Com efeito, desde aqueles que confundem órgãos de imprensa comunitários com órgãos locais, administrados pelo Estado, àqueles que sugerem que esse tipo de meios pode ter um alcance territorial equivalente a um município ou mesmo uma pequena cidade, há uma distância que temos de superar em conjunto, antes de avançar. Aproveito para reiterar, nesta ocasião, que o ministério da Comunicação Social vai em breve desencadear uma discussão com os seus parceiros para elaborar e aprovar legislação adequada para promover a imprensa comunitária, em especial as rádios comunitárias.
Uma última nota, em relação a esta problemática: o Estado deve apoiar ou não a imprensa privada, no sentido de criar um sistema de comunicação social democrático, diversificado e plural? A Lei de Imprensa em vigor contém um princípio genérico nesse sentido, o qual carece ainda de regulamentação. Devo dizer aqui que o pensamento actual do Ministério da Comunicação Social caminha no sentido de defender o apoio do Estado à imprensa regional e comunitária, que é, sem dúvidas, a que mais carece desse tipo de incentivos, mas não o apoio a empresas privadas de comunicação social ou a meios de comunicação detidas por instituições de carácter nacional. Trata-se de um assunto a discutir igualmente nos próximos tempos.
O nosso segundo objectivo até ao fim deste mandato é, como disse, tornar a imprensa pública a mais séria e credível do mercado. Assumimo-lo abertamente e sem complexos, embora, talvez, na contracorrente do pensamento hegemónico global, que tem entre nós, natural e previsivelmente, os seus defensores.
Com efeito, desde meados dos anos 80 do século passado, a humanidade vive um processo, apelidado de “globalização”, cuja agenda profunda é implantar em todo o planeta um pensamento e um modelo únicos. Uma das “verdades”, quase um dogma, imposta pelo pensamento hegemónico actual é o seguinte: quanto menos Estado, melhor, supostamente, para as sociedades. Assim, quantas vezes não ouvimos, no nosso campo de acção, declarações peremptórias e absolutas sobre a “impossibilidade” de a imprensa pública assegurar a liberdade de expressão e contribuir, assim, para a democratização das nossas sociedades? A sentença, apesar de grosseira, é recorrente e, tenho de dizê-lo, de ressonâncias goebellianas: a imprensa pública será “controlada” e a privada, “livre”. As aspas, aqui, são imprescindíveis.
A questão é que muitos dos autores dessas “verdades” desconhecem ou omitem deliberadamente a História, inclusive a mais recente. Lembremos, por conseguinte, que a Europa ainda hoje possui órgãos públicos de comunicação social fortes e influentes. Até em continentes e países, como naquele que é considerado a principal democracia do mundo, os Estados Unidos, onde a origem da imprensa esteve decisivamente ligada à iniciativa e aos interesses privados, existem presentemente media públicos de grande relevância e audiência, interna e externa, alguns deles, como a Voz da América, usados como instrumentos de política internacional e de actuação geoestratégica.
A imprensa pública está, pois, presente em todas as latitudes. Como é óbvio, a sua organização, a começar pelo seu modelo de financiamento, e a sua actuação particular variam conforme os estados. Mas não é verdade que os meios de comunicação social públicos não possam ser jornalisticamente profissionais, sérios e credíveis. Esse, repito, o nosso segundo objectivo até ao fim deste mandato do Executivo.
Uma das condições para tornar a imprensa pública angolana jornalisticamente profissional, séria e credível, é resgatar o espírito e a mística jornalística nas redacções. Vários vícios foram criados em todas as redacções nas últimas décadas, da autocensura (diferente da “avaliação editorial” que é feita em todas as redacções do mundo) à tendência para o jornalismo burocrático e propagandístico, sem esquecer os fortes indícios de corrupção e o “jornalismo avençado”, que tornou alguns profissionais, no passado recente, numa espécie de assessores de imprensa privados de artistas, empresários, generais e governantes.
Infelizmente, alguns profissionais sempre tão críticos em relação à qualidade do nosso jornalismo em geral e, em particular, do jornalismo praticado nos media públicos e que poderiam ajudar a resgatar o autêntico espírito jornalístico nas redacções de todos os órgãos preferem, hoje, ser “fazedores de opinião”, analistas, comentaristas, blogueiros ou activistas, ao invés de redactores, repórteres ou entrevistadores. Alguns deles, quando instados pelos seus editores a fazer um artigo de fundo ou uma grande reportagem sobre um tema relevante, levam meses e meses a matutar e acabam por não fazê-los. Daí a fraca qualidade das notícias e falta de bons artigos de fundo, reportagens e entrevistas.
*Extracto do discurso de balanço do exercício 2017-2018 no sector da comunicação social, proferido na 1.ª reunião da legislatura 2017-2022 do Conselho Consultivo do MCS, realizada a 21 de Setembro de 2018, em Luanda.
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