Preços de transferência nas operações domésticas?
No campo da fiscalidade, as regras de preços de transferência funcionam como um mecanismo de combate à fraude e à evasão fiscal. Tendo esse bem maior em mente, justifica-se, numa lógica de mal menor, a sobrecarga administrativa incidente sobre alguns contribuintes no sentido de manterem evidência que suporte o ónus da prova respeitante à demonstração que as operações realizadas num contexto de partes relacionadas foram efectuadas exactamente como o seriam se tal contexto não existisse.
Essa sobrecarga normalmente materializa-se através da obrigação de preparação e entrega, numa base anual, à AGT, de documentação que comprova que o contribuinte utilizou, nas suas operações comerciais com partes relacionadas, ou seja, entidades entre as quais existe um determinado grau de dependência jurídica ou económica, preços e condições de mercado. Também implica, em algumas jurisdições, o cumprimento de obrigações declarativas específicas.
A primeira preocupação do legislador, normalmente, são as operações comerciais realizadas com entidades não residentes, atendendo ao potencial de redução da matéria tributável em Angola por via de débitos efectuados a preços superiores aos de mercado. Para além das regras de preços de transferência, as taxas aduaneiras, as retenções na fonte aplicáveis e o regime de controlos cambiais ajudam a evitar (mas nem sempre atingem tal objectivo) as práticas abusivas.
Já no que respeita às transacções realizadas entre entidades residentes em Angola, pode haver uma tentação para as não sujeitar a um escrutínio mais apertado no que respeita às obrigações de documentação anuais. Compreende-se essa inclinação. Numa análise intuitiva, se se excluir deste grupo as transacções realizadas entre entidades que beneficiam de regimes especiais de redução ou isenção de taxa de imposto temporária ou definitiva, qualquer desvio às regras de mercado no tocante à fixação de preços e condições nas operações comerciais entre partes relacionadas soluciona-se através do mecanismo dos ajustamentos correlativos. Ou seja, se a AGT efectuar uma correcção ao contribuinte A aumentando os seus proveitos tributáveis, fica obrigada legalmente a aumentar os custos da contraparte B. E, no final, tudo se passa em território Angolano e, portanto, menos lucro de um lado corresponde a mais lucro do outro, potenciando um equilíbrio natural.
Na verdade, não é bem assim.
Existem diversos argumentos que aconselham a que as regras de preços de transferência se apliquem quer a operações domésticas, quer a operações internacionais (como de facto acontece na vasta maioria dos países). Vejamos os principais:
A- O Código do Imposto Industrial obriga os contribuintes a cumprir com o princípio de que as operações comerciais realizadas entre partes relacionadas devem obedecer às condições normalmente praticadas entre partes não relacionadas, em circunstâncias equivalentes. Se se equacionasse deixar de fora das obrigações de documentação as operações comerciais realizadas entre contribuintes Angolanos relacionados, o ónus da prova em qualquer ajustamento ficaria integralmente do lado da AGT, gerando mais contencioso tributário.
B- As regras de preços de transferência não disciplinam apenas as operações comerciais sujeitas a Imposto Industrial, mas, indirectamente, também as sujeitas a IVA, Imposto do Selo, entre outros. É fácil perceber a redução artificial na arrecadação tributária decorrente, por exemplo, da fixação de um preço entre partes relacionadas, muito abaixo do que seria normal, em vendas de equipamentos sujeitos a IVA ou em prestações de serviços continuados.
C- A utilização indevida de prejuízos fiscais para gerar custos dedutíveis em empresas relacionadas lucrativas é potenciada quando as operações comerciais realizadas entre entidades relacionadas Angolanas não são sujeitas às obrigações normais de documentação em matéria de preços de transferência.
D- Essas mesmas obrigações ajudam a evitar distorções de concorrência, abusos de posição dominante e permitem um melhor controlo no que respeita ao regime de preços fixados e vigiados actualmente vigente em Angola.
No entanto, e seguindo de perto as melhores práticas internacionais, é recomendável que a legislação de preços de transferência seja equilibrada e ponderada no que respeita ao peso administrativo que recai sobre os contribuintes. Por isso, apenas devem ser sujeitas às obrigações de documentação as operações comerciais entre partes relacionadas que, de forma isolada ou agregada, atinjam valores relevantes e passíveis de gerar desvios significativos no tocante à capacidade de arrecadação de impostos por parte do Estado Angolano.
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