Proposta do OGE – 2022 vista à lupa – Parte I
A proposta da Lei Geral do Orçamento Geral do Estado para o ano de 2022 deu entrada na Assembleia Nacional no passado dia 29 de Outubro de 2021 (sexta-feira), ao abrigo do desiderato constitucional do artigo da Lei Magna do país 104, e ainda pelas leis: 1- Lei n.º 15/10, de 14 de Julho – Lei Quadro do Orçamento Geral do Estado e 2- Lei n.º 37/20, de 30 de Outubro – Lei da Sustentabilidade das Finanças Públicas.
O Orçamento Geral do Estado é o principal instrumento da política económica e financeira do Estado Angolano que, expresso em termos de valores, para um período de tempo definido de um ano, demonstra o plano de acções a realizar e determina as fontes de financiamento e ainda a definição das políticas económica, financeira e social do Executivo.
Em Angola, o Orçamento Geral do Estado é um imperativo constitucional, em conformidade com o Artigo 104.º (Orçamento Geral do Estado) e o mesmo diz:
1. O Orçamento Geral do Estado constitui o plano financeiro anual ou plurianual consolidado do Estado e deve reflectir os objectivos, as metas e as acções contidos nos instrumentos de planeamento nacional.
2. O Orçamento Geral do Estado é unitário, estima o nível de receitas a obter e fixa os limites de despesas autorizadas, em cada ano fiscal, para todos os serviços, institutos públicos, fundos autónomos e segurança social, bem como para as autarquias locais e deve ser elaborado de modo a que todas as despesas nele previstas estejam financiadas.
3. A lei define as regras da elaboração, apresentação, adopção, execução, fiscalização e controlo do Orçamento Geral do Estado.
4. A execução do Orçamento Geral do Estado obedece ao princípio da transparência e da boa governação e é fiscalizada pela Assembleia Nacional e pelo Tribunal de Contas, em condições definidas por lei.
Tendo em conta e em conformidade com o número 2 do artigo 104º da Constituição, todas as receitas estão consignadas à Receita Tributária ou por outras vias, como de Receita de Capital, pelo que é inconstitucional inscrever despesas no OGE que não tenha fonte de financiamento garantida.
Ainda se deve mencionar a Lei Geral n.º 15/10, de 14 de Julho – Lei Quadro do Orçamento Geral do Estado - que estabelece as normas gerais aplicáveis à preparação, elaboração, aprovação e execução orçamental, à programação financeira e ao registo contabilístico dos recursos públicos. Em conformidade com o n.º 3 do artigo 71º (Dívida pública), a dívida pública, interna e externa, de curto, médio e longo prazos, não deve exceder 60% do Produto Interno Bruto. Em 2020 a mesma foi de cerca de 128,7% do PIB e em 2021 está ainda acima de tal «tecto orçamental».
O rácio de endividamento, como se pode ver do gráfico, poderá fixar-se abaixo dos 90% do PIB. É um nível significativo! Para quem esteve nos 128,7% do PIB em 2020. Parte do excedente orçamental gerado pela diferença entre o preço do petróleo fixado no OGE 2021 e o valor médio de venda do «ouro negro», deve ter também em conta a redução do rácio da Dívida Pública sobre o PIB como a redução do «stock» da Dívida e, alegadamente, é este exercício que o Executivo está a levar a cabo.
A Lei n.º 37/20, de 30 de Setembro – Lei Geral da Sustentabilidade das Finanças Públicas, que estabelece o regime de gestão das finanças públicas quer ao nível da política fiscal quer ao nível da dívida pública, orientando no seu artigo 5º (Nível de Endividamento), a redução continuada do rácio da dívida para 60% do PIB a longo prazo, e no artigo 6º (Nível de Défice Fiscal Primário não Petrolífero), a condução da política fiscal para concretização de um défice primário não petrolífero de no máximo de 5% do PIB até 2025.
Analisando a Proposta do OGE 2022 com a Lei do OGE votada na Assembleia Nacional e que dá origem ao actual OGE 2021: Lei n.º 42/20, de 31 de Dezembro, podemos ver no quadro seguinte:
Rúbricas OGE 2021 OGE 2022 Variação (Kz) %
Receita
13 455 305 790 365
18 745 288 200 030
5 289 982 409 665 28%
Despesa
13 455 305 790 365
18 745 288 200 030
5 289 982 409 665 28%
Como podemos vericicar há um aumento de 28% ao nível da Receita e Despesa Pública prevista para o OGE 2022 face ao OGE 2021, sendo que o OGE tem como previsão o encaixe e gastos na ordem dos 18 biliões de kwanzas.
A Proposta de Lei do OGE versão 2022 prevê igualmente um saldo fiscal global de zero, assente num conjunto de pressupostos, que criam condições de crescimento económico, uma vez que o PIB vai crescer 2,4 por cento, com a maior contribuição a partir do sector não petrolífero, que terá um crescimento de 3,1 por cento.
Para o sector petrolífero, referiu, antevê-se um crescimento de 1,6 por cento, baseado numa previsão de produção de 1.147 milhões de barris por dia, ainda abaixo de quantidades de 2017 de 1.2 milhões de barris por dia, com um preço de referência de 59 dólares norte-americanos por barril (OGE 2021 estipula preço do crude para venda média a 39 USD, isto é, 20 USD).
O que podemos ver na tabela acima há um aumento de 48% das receitas correntes e a receita tributária em 40%. Na rúbrica de financiamentos, há uma redução global de necessidades de captação de financiamentos, sendo que a há um «mix» de redução nos financiamentos internos e um aumento nos empréstimos externos. Desta forma «desafoga» os bancos de compra de Dívida Pública para gerar mais recursos para as necessidades de financiamento à economia real.
No próximo artigo de análise ao OGE 2022, iremos decompor rúbricas com aumentos e reduções que merecem a atenção de todos.
Ainda nesta análise há a possibilidade de partilhar com os leitores as seguintes ideias-chave:
1- O sector social prevê uma «fatia» de cerca de 36,9% da despesa fiscal primária, o que corresponde a 18,6% da despesa total, um aumento de 24,7% face ao ano de 2021;
2- A Proposta do OGE 2022 prevê um crescimento do PIB em 2,4 em 2022 e um crescimento de 0,2 em 2021;
3- As despesas com operações fiscais têm um peso de 62,08 por cento e as financeiras, onde se incluem as amortizações de capital da dívida, aparecem com um peso de 36,72 por cento;
4- Mantém-se a subvenção aos combustíveis pelo que se prevê a manutenção dos actuais preços dos combustíveis: gasóleo 135 Kz/litro e 160 Kz/litro no caso da gasolina;
5- Não se prevê a abertura de concursos públicos para ingresso de novos trabalhadores, excepto no caso da Educação e Saúde e na substituição directa por morte e passagem à reforma dos trabalhadores na função pública;
No exercício económico de 2022 não são permitidas novas admissões que se consubstanciam no aumento da massa salarial da função pública, incluindo a celebração de Contrato de Trabalho por tempo determinado, ocorrer em casos devidamente justificados e aprovados pelo Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, sob proposta do Ministério das Finanças e por solicitação dos sectores interessados;
6- Salvo informação em contrário não se pode verificar uma cabimentação orçamental para aumento da função pública (trabalhadores do Estado), como factor de mitigação das altas taxas de inflação dos últimos anos;
7- Durante o exercício económico de 2022 fica suspensa a aprovação de Estatutos Remuneratórios cujos índices difiram substancialmente da Função Pública, quando estes organismos não disponham de receitas próprias para cobrir parte das suas despesas, salvo autorização do Titular do Poder Executivo, sob proposta do Ministério das Finanças;
8- Durante o Exercício Económico de 2022 é vedado o processamento de horas extraordinárias, com excepção para o regime especial do sector da saúde;
9- O limite para a concessão de garantias pelo Estado é fixado em Kz 252.350.000.000,00 (Duzentos e Cinquenta e Dois mil milhões, Trezentos e Cinquenta milhões de Kwanzas).
O contexto de 2022 é mais uma vez imprevisível, contudo, sabemos que é um ano de eleições e tal evento social e político é um «catalisador» de aumento da actividade económica por parte do Estado que «arrasta» os outros agentes económicos: famílias, empresas financeiras e empresas não financeiras e o resto do mundo.
Tendo em conta a imprevisibilidade do papel dos produtores de petróleo, os consumidores do norte do planeta, a continuação da doença e vírus da covid-19, são factores a ter em conta, mas a análise mais profunda a esta Proposta de OGE – versão 2022, será feita na semana que vem.
*Professor de Finanças Públicas
e Formador de Elaboração
e Execução de OGE e Gestão
da Dívida Pública
JLo do lado errado da história